Macroeconomia

É questionável que aumento de exportação de automóveis em 2017 se deva à maior competitividade

10 jan 2018

As exportações de automóveis cresceram 43% e contribuíram com 6% para o aumento das exportações entre 2016 e 2017. O desempenho levou a que os automóveis ocupassem o quinto lugar na lista dos principais produtos exportados, o que não ocorria desde 2007. Essa expansão reflete ganhos de competitividade? O que mostram os dados?

Alemanha, Japão e Estados Unidos são os principais exportadores de automóveis. A participação dos três no comércio mundial desse setor caiu de 45% para 38% entre 1996 e 2006, com a entrada de novos concorrentes, embora a participação da Alemanha tenha se mantido estável, ao redor de 18% (ver anexo). Chama atenção a ascensão da China que aumenta a participação de 0,1% para 3,6%; da República Checa, de 0,4% para 2,7%; da Coreia do Sul, de 2,4% para 4,8%; e da Tailândia, de 0,1% para 2%, entre 1996 e 2016. Além desses, Polônia e Turquia elevam sua participação entre 1996 e 2016. E o Brasil?

Em 1996, o país era o 16º maior exportador, com participação de 0,7%; em 2005 caiu para 17ª posição, mas com aumento de participação para 1,3%; e, em 2016; cai para a 23ª posição com participação de 0,8%. O dado para 2017 da Organização Mundial de Comércio (OMC) ainda não está disponível. É provável que o Brasil melhore sua participação, mas teria que se isolar o efeito câmbio e o da recessão. As multinacionais traçam suas estratégias em termos globais. A recessão no mercado doméstico brasileiro, mais do que o câmbio, deve ter levado a priorizarem as vendas para o mercado internacional. Observa-se que o pico da desvalorização cambial foi outubro de 2015 e, desde, então é observada uma valorização, embora distante dos índices observados em 2011/12 (Gráfico 1). O efeito defasado do câmbio começou a operar, portanto, concomitantemente à a persistência da retração do consumo doméstico. Sob essa ótica, é preciso esperar os resultados para 2018, quando o mercado interno tiver se recuperado, para verificar se as exportações de automóveis irão continuar em expansão.

Em post no Blog do IBRE de 04/01/2018, Nelson Barbosa argumenta que é necessário assegurar incentivos para que o setor se alinhe com as tendências mundiais associadas a questões de eficiência energética após o término do Inovar-Auto. É correto afirmar que muitos países possuem programas de incentivo para a produção de automóveis que priorizam eficiência energética e/ou padrões de produção “amigáveis ao meio ambiente”. Isso ocorre tanto nos países desenvolvidos, como a Alemanha, como em desenvolvimento, como a Tailândia. Estar fora dessa tendência mundial é ficar alijado da concorrência internacional.

No entanto é necessário analisar as diretrizes adotadas em cada país e avaliar os custos e benefícios dos diferentes programas. Foge ao escopo desse blog fazer essa avaliação. O que queremos ressaltar é que, no caso brasileiro, os incentivos sempre são acompanhados da preservação e/ou aumento da proteção comercial do setor.

Na lista dos 20 principais exportadores de automóveis em 2016, apenas a Tailândia possui uma tarifa de importação de 40% sobre veículos novos que é superior a do Brasil (35%). Observa-se que a Tailândia pertence a diversos acordos preferenciais de comércio com algumas economias grandes como a Índia, China, Austrália, Japão, Nova Zelândia, além do Peru e as nações da Associação dos Países do Sudeste Asiático, que incorporam tarifas preferenciais para automóveis e tendem a zerar as tarifas sobre partes e componentes. Na China e na Hungria, a tarifa é de 25%, no México, 15% e na Turquia, 5%, que é igual à dos países da União Europeia. A Coreia do Sul, que ascendeu da 11ª posição para a 6ª posição entre 1996 e 2016, tem tarifa de 4,8% (Base de dados da OMC de tarifas: www.wto.org)

A garantia da competitividade que possa ser ganha com desenhos de políticas que incentivem aumento de produtividade tem que ter como parâmetro o comércio internacional, em especial para indústrias que já ultrapassaram a fase da indústria nascente. Sob esse aspecto, além de ter que se avaliar os custos e benefícios das medidas propostas num novo pacote de incentivos, é preciso repensar a estrutura de proteção do setor.

A Argentina contribuiu com 71% para o aumento das exportações de automóveis em 2017. O país explica 70% das exportações (Gráfico 2) e registrou crescimento de 42%. Esse aumento é explicado pela recuperação da economia argentina (o PIB recuou em 2,2% em 2016 e a estimativa do FMI é de um crescimento de 2,5% em 2017). Como mostra o Gráfico 3, taxas elevadas foram registradas em outros países, todos com exceção da Arábia Saudita possuem acordos preferenciais com o Brasil. No caso do Peru (aumento de 261%), as vendas foram impulsionadas pelo aumento das cotas e antecipação da redução de tarifas para acesso ao mercado doméstico de automóveis do país.  Observa-se quedas nas vendas para o mercado dos Estados Unidos e demais países. Sob essa ótica, é preciso qualificar a afirmação que o aumento das exportações se deve a uma melhora da competitividade.

Por último cabe lembrar que os automóveis ocuparam a terceira colocação entre os principais produtos exportados pelo Brasil entre 2003 e 2005 e o grau de concentração da pauta era menor. Nesses anos, o México era o principal mercado (cerca de 40% em 2003 e 2004) junto com os Estados Unidos e a Argentina. Novos concorrentes, atraso na modernização do setor, valorização cambial pós 2009 podem estar entre os fatores que explicam o pior desempenho do setor no início dos anos de 2010. Em 2014, foi o 13º principal produto exportado.

O crescimento das exportações em 2017 deve ser avaliado com as qualificações propostas acima e não como um exemplo que justifique programas de incentivo ao setor. Como observamos, muitos países possuem programas de eficiência energética e de melhoria nos padrões de segurança. O que se questiona é se, além de incentivos (e é preciso avaliá-los), o setor ainda requer formas de proteção que são típicas de uma indústria nascente.

Anexo: Participação (%) dos países nas exportações mundiais de automóveis

Elaboração: FGV/IBRE. Fonte: www.wto.org
Países com letra preta permanecem entre os 20 principais exportadores nos 3 anos analisados

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