Macroeconomia

Feminismo e democracia – o impacto da lei de cotas

17 mai 2017

Em meio a avanços nos direitos das mulheres, a representatividade feminina na política segue tímida. Com apenas 51 deputadas federais, 9,9% do total, o Brasil ocupa a 153ª posição no ranking de participação feminina no parlamento.[1]. A lei 12.034/2009 procurou incentivar a participação feminina ao estabelecer uma cota de 30% de candidatas por partido. No entanto, o que passou a se observar foi o lançamento de candidaturas “fantasmas”, ou seja, candidatas sem nenhum voto. Nesse texto, vou abordar o impacto da PEC 134/2015, que está em discussão no Congresso Nacional, e prevê uma nova forma de cotas, desta vez com a reserva de cadeiras nas representações legislativas para mulheres.

Minha proposta é mostrar que os importantes benefícios da proposta de lei, através da maior representação feminina na política brasileira, vêm com um custo de distorções no processo eleitoral. Procuro aqui medir ambos os efeitos e permitir ao leitor uma melhor compreensão dos dois lados da proposta de lei.

Nas eleições municipais de 2008, antes do estabelecimento da cota de 30% de candidatas mulheres por partido, o percentual de candidatas a vereadora sem nenhum voto era de 3%, contra 1% no caso dos homens. Nas eleições de 2012 e 2016, após a aprovação da lei, o percentual de mulheres sem nenhum voto foi de 16% e 10%, respectivamente. Entre os homens, o percentual foi de 1% e 0,6%. A explicação para isso é que a lei deixa brechas para o partido colocar o nome de uma mulher como candidata sem, no entanto, investir em sua campanha, as chamadas candidatas “fantasmas”.

A partir desses resultados, uma proposta de emenda à Constituição, que aguarda votação na plenária da Câmara, reserva às mulheres um percentual mínimo de cadeiras nas representações legislativas. A PEC 134/2015 já foi aprovada pelo Senado e pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Se aprovada em instância final, a nova lei prevê um aumento progressivo pelas próximas três legislaturas no número de cadeiras reservadas a mulheres. Na primeira, o percentual seria de 10%, passando para 12% e 16% nas eleições subsequentes. As mudanças valeriam para as Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas, Câmara Distrital e Câmara dos Deputados. Entrando em vigor, essa lei não seria a primeira a fazer com que os candidatos eleitos não sejam, necessariamente, os com maior número de votos. A regra de quociente eleitoral do sistema proporcional já gera distorções semelhantes.

Além disso, o Senado Federal, por ser uma casa federalista, em que cada estado tem o mesmo peso, gera uma distorção diferente. Os senadores de Sergipe, que representam um milhão e meio de eleitores de seu estado, têm o mesmo poder de voto dos senadores de São Paulo, estado com mais de 30 milhões de eleitores. Essa diferença não representa um problema, mas significa a escolha de um modelo que busque equilibrar as desigualdades dos estados através de um governo federalista. Da mesma forma, os defensores da lei de cotas para mulheres alegam que os benefícios em termos de representatividade feminina na política superam o impacto de possivelmente modificar o resultado da eleição.

Procuro aqui mensurar esse impacto que a lei teria nas eleições, isto é, estimo quantas mulheres a mais seriam eleitas como consequência. Para isso, comparo o resultado nas últimas eleições para deputado federal, deputado estadual, deputado distrital e vereador com as vagas garantidas pela lei. A metodologia é bem simples. Para deputados federais, por exemplo, calculo quantas vagas seriam garantidas às candidatas em cada estado e subtraio desse valor o número de mulheres eleitas nas eleições de 2014. A partir daí é possível determinar quantas mulheres a mais teriam sido eleitas nas eleições de 2014 caso a lei já estivesse em vigor.

A tabela abaixo mostra o número de homens e mulheres eleitos na última eleição para cada um dos quatro cargos analisados. Além do valor real, apresento o número de mulheres que seriam eleitas caso cada uma das três regras de cota (10%, 12% e 16%) já estivessem sendo aplicadas.

Além de demonstrar a pequena participação feminina na política, a tabela permite algumas observações. Se estivesse valendo nas eleições de 2010, a cota de 10% da Câmara dos Deputados para mulheres resultaria em 17 deputadas federais a mais eleitas, elevando para 13,3% a participação feminina, um aumento de 3,3% no total de cadeiras ou 33,3% no número de mulheres. Para deputadas estaduais (distritais, no caso de Brasília) e vereadoras, esse aumento seria de 16 deputadas e 2.297 vereadoras, ou 1,5% e 4% do total, respectivamente.

Os valores reais das últimas eleições mostram que o percentual de mulheres nas funções parece diminuir com a importância do cargo. Existem, proporcionalmente, mais vereadoras do que deputadas estaduais, que por sua vez são mais numerosas do que as deputadas federais. Se aprovada, a lei de cotas aumentaria o percentual de mulheres eleitas e, conforme as cotas progredissem para 12% e 16%, a maior parte dos estados e municípios se manteria no nível mínimo exigido pela lei.

O número de mulheres a mais eleitas utilizando cada regra coincide, por definição, com o número de cadeiras destinadas a candidatas que, a princípio, não foram indicadas pelos eleitores. Ou seja, se por um lado a lei garante o aumento do número de mulheres atuando na política, por outro faz com que uma parte dos representantes da sociedade não sejam os com maior apoio popular. Estivesse em vigor em 2014 a regra dos 16%, último nível da lei de cotas, 9,2% dos deputados federais e dos vereadores seriam mulheres eleitas graças a essa lei.

Outra forma de perceber a magnitude do impacto da lei de cotas é pelo número de estados/municípios em que o resultado das eleições não é afetado pela lei. Ou seja, o número dos que ficam acima de cada regra. Para as eleições de 2014, se valesse a regra de 10% de vagas, 13 estados e mais o Distrito Federal atenderiam a regra e elegeriam seus deputados federais da mesma forma. Os demais 13 teriam pelo menos uma deputada a mais eleita pela lei. Estivesse em voga a cota máxima, de 16%, o número de estados que atenderiam a regra para as eleições de deputado federal e deputado estadual/distrital é de apenas seis e quatro, respectivamente. Para as eleições municipais de 2016, o número de municípios que atendem a regra de 16% é de 2.031, pouco mais de um terço do total.

Um ponto fundamental em relação à baixa participação feminina na política é que não é um fenômeno que possa ser atribuído a alguma região ou ligado ao nível de renda do estado, mas um resultado que pode ser observado em todo território nacional.

Os mapas abaixo apresentam os percentuais de mulheres entre os eleitos para deputado federal e estadual nas eleições de 2014 e para vereadores em 2016. O norte do Brasil é região que apresenta os maiores percentuais para deputado federal, mas o mesmo não pode ser observado para deputado estadual, onde Amazonas e Pará apresentam menos de 10% de eleitas, enquanto os estados litorâneos apresentam têm levemente maiores. O mapa da eleição de 2016 mostra bem a dispersão dos resultados, não sendo possível identificar uma região que se sobressaia em termos de mulheres eleitas à câmara dos vereadores. 

A questão principal para defender ou não a lei de cotas femininas é entender seus pontos positivos e negativos. Para isso, é importante discutir o impacto que a lei terá se aprovada. Como economista, creio que, sempre que possível, regras de cotas devem ser preteridas em relação a mecanismos de incentivos. Acho o aumento da participação feminina na política fundamental. Creio, no entanto, que premiar partidos que elejam um determinado percentual de mulheres através de maior tempo de televisão ou maior participação no fundo eleitoral seria uma forma de alcançar esse objetivo que provocaria menos distorções.

 

[1] Fonte: Inter-Parliamentary Union (IPU). http://www.ipu.org/wmn-e/classif.htm

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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