Macroeconomia

IGP-M de abril: Anatomia de um recorde

10 mai 2017

A divulgação de estatísticas seriais não pode prescindir de referências históricas, que ajudem a situar os números mais recentes na escala em que são medidas. Estamos falando de frases como “esta é a maior taxa em cinco anos “ e outras semelhantes, encontradas com facilidade em títulos de matérias jornalísticas. Para o bem ou para o mal, o resultado presente desperta maior atenção quanto mais distante no tempo estiver a marca superada. 

Como as séries estatísticas, especialmente as econômicas, são cheias de flutuações, não é comum que um resultado seja divulgado na condição de valor extremo, maior ou menor do que todos os anteriores. Isso ocorreu com o IGP-M de abril, cuja variação de -1,10% foi a mais baixa de toda a série histórica, iniciada em junho de 1989.

Como se trata de um índice inflacionário, era mesmo de se esperar que uma taxa negativa não encontrasse antecedente nos cinco primeiros anos da série, de 1989 a 1994, quando foi lançado o plano Real. Nesse intervalo, o IGP-M registrou aumentos mensais entre 5,93% e 83,94%. A diferença de 78 pontos percentuais, se fosse medida em graus Celsius, equivaleria à amplitude térmica da Sibéria. Apesar de afastados numericamente, os dois percentuais foram registrados com apenas dois meses de diferença, tendo a taxa máxima, verificada em março de 1990, último mês do governo Sarney, precedido a mínima.

Entre as duas, houve o plano Collor I, a quarta tentativa de conter a inflação depois que ela ultrapassou a barreira dos três dígitos, na década de 1980. Como nas tentativas anteriores, os resultados foram passageiros. Em fevereiro de 1991, véspera do plano Collor II, que teve desfecho similar aos que o antecederam, o IGP-M já tinha avançado para 21,02%. Os anos seguintes foram de contínua aceleração, até os 45,21%, em junho de 1994.

Daí em diante, as taxas mensais do IGP-M passaram a ser expressas com um dígito. Mesmo em 2002, quando a incerteza diante da mudança de governo impulsionou o câmbio e se transmitiu ao IGP-M, a taxa mensal alcançou 5,19%, em novembro. A era pós-Real trouxe outra novidade, até ali impensável, as taxas negativas. A primeira foi registrada em setembro de 1995: -0,71%. Embora algumas quedas tenham sido ocorrências momentâneas, o que se observa com maior frequência na série do IGP-M são ciclos deflacionários, com duração de dois a cinco meses. A exceção em relação a este padrão foi o ciclo de 2009, quando o índice apresentou recuos em oito dos 12 meses do ano, ainda que não consecutivos.

São três as principais razões destes ciclos deflacionários, que agem de forma isolada ou combinada: retração econômica, valorização do câmbio e redução de preços de commodities.  Para exemplificar a primeira das três razões, vale retornar a 1998, quando os juros haviam subido a mais de 40% ao ano, a fim de evitar a desvalorização do real, mas levando a economia a entrar em recessão. Nos cinco meses de julho a novembro daquele ano, o IGP-M assinalou quatro taxas abaixo de zero, a mais negativa de -0,32%. Em 2003, com o câmbio já operando no regime flutuante, o IGP-M caiu três meses seguidos, em resposta à intensa revalorização do real. Neste episódio, a maior queda foi de 1%.

Já em 2009, sob o impacto da chamada Grande Recessão, a diminuição das cotações da maioria das commodities agrícolas e industriais negociadas globalmente provocou o mais longo ciclo deflacionário da série do IGP-M. Neste período, a maior redução mensal alcançou -0,74%. Variação idêntica ocorreu em junho de 2014, durante a sequência mais recente de quedas do IGP-M, quando taxas negativas se repetiram por quatro meses. Commodities industriais, notadamente o minério de ferro, tiveram influência marcante sobre estes resultados.

O que se conclui deste breve apanhado é que taxas negativas incorporaram-se à rotina do IGP-M. Desde julho de 1994, foram registradas 38. A novidade de abril é a amplitude. Desta vez, embora a economia ainda esteja em recessão e tenha havido uma valorização do câmbio de cerca de 20% nos últimos 12 meses, a componente deflacionária que prevalece é a redução de preços de commodities. Na frente agrícola, vai se confirmando neste início de segundo trimestre a colheita de supersafras locais, num contexto de folga de estoques mundiais. O avanço da oferta é o que está por trás de quedas como a da soja, de 9,38%, e a do milho, de 14,52%, ambas no mês de abril. O minério de ferro, há tempos convertido em termômetro da atividade industrial chinesa, depois de uma impressionante escalada entre novembro e fevereiro, recuou quase 30%. Outros insumos industriais, como os metalúrgicos e os petroquímicos, deram meia volta e ingressaram no terreno negativo. Dadas a magnitude e a extensão das quedas de preços, é bastante plausível que a deflação do IGP-M não se esgote em abril.

O que se pode dizer, à luz do indicador, acerca das pressões inflacionárias em escala global? Em poucas palavras, parece ter havido um leve arrefecimento, após meses de acumulação. Os preços do petróleo, depois de caírem abaixo de 30 dólares o barril, no primeiro semestre de 2016, recuperaram praticamente dois terços do valor em menos de seis meses. Essa recuperação, que prosseguiu em ritmo bem mais lento nos meses posteriores, apesar do empenho da OPEP em cortar sua produção, pôs em marcha aumentos generalizados de preços ao produtor. O caso da China é ilustrativo. De dezembro de 2015, quando o IPP industrial chinês registrou sua queda de maior amplitude, de 5,9% em 12 meses, até fevereiro de 2017, mês em que a alta chegou a 7,8%, o índice não parou de registrar acelerações. Em março, esta sequência se interrompeu, discretamente é verdade, passando o indicador a marcar elevação de 7,6%. É preciso esperar para ver se o dado de abril irá confirmar esta inversão de trajetória.

De resto, índices de commodities com diferentes composições e pesos atribuídos ao petróleo mostram recuos entre 6% e 7%, desde o começo de fevereiro. Mercados de matérias-primas e insumos industriais são voláteis por natureza, o que torna incertas as previsões sobre sua evolução que tenham alcance superior a umas poucas semanas. Mas é possível dizer que nos últimos dois meses atenuou-se o ímpeto de recuperação desse conjunto de preços.

 

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