Macroeconomia

A incerteza adormecida e a bomba relógio fiscal

26 jun 2017

Enquanto a palavra incerteza se multiplica nos textos e conversas sobre a recuperação da economia, quando o assunto é inflação a principal dúvida é até que nível a taxa esperada para 2017 baixará. 

No início do ano, a mediana das previsões acompanhadas pelo boletim Focus era 4,9%. Agora está em 3,6%. Já há quem afirme que a taxa poderá ser menor do que 3%. Esse resultado deixaria o Banco Central (BC) na insólita situação de ter desrespeitado o limite inferior da faixa de tolerância. Mesmo que se visse forçada a esclarecer esse inédito acontecimento, a autoridade monetária teria conseguido reduzir a inflação ao menor ou segundo menor valor em praticamente 20 anos. Por que a inflação tem ficado a salvo da incerteza que assola a economia brasileira?

A resposta mais imediata é que ainda está muito distante o momento em que a atividade econômica retornará ao nível observado antes de mergulharmos na recessão, há quase três anos. Sob o peso de uma taxa de desemprego recorde de 13,6% e com expectativas inflacionárias bem mais ancoradas do que há poucos meses, o que poderia deflagrar uma inversão de trajetória e consequente aceleração dos preços? A variável que normalmente precipita mudanças na inflação é a taxa de câmbio. Nos primeiros dias após a divulgação das gravações que poderiam levar ao encurtamento da gestão Temer, o dólar ensaiou um avanço de quase 8%, que parecia a largada de uma corrida de maior fôlego. Em tal cenário, a inflação receberia um impulso capaz de frear a desaceleração e inverter sua trajetória, que voltaria a ser de alta.

Mas o dólar não foi adiante. Intervenções do BC e bons fundamentos do setor externo explicam a acomodação do câmbio, mas há também uma visível dose de boa vontade do mercado, enxergando condições para que o programa reformista do governo Temer tenha continuidade, ainda que de forma incompleta, caso a permanência do presidente se inviabilize. Para evitar conjecturas políticas, vamos simplesmente admitir que esse eventos extremos não se verifiquem e, ainda que sujeito a alguma volatilidade, o câmbio não dispare. A inflação terminaria o ano ao abrigo da turbulência política.

A marcha do tempo, entretanto, nos fará desembocar em 2018, que pelas regras vigentes será ano de sucessão presidencial. O que esse mecanismo de revisão e renovação do comando da nação, inerente aos sistemas democráticos, poderia trazer de incerteza para a inflação? Outra vez sem nos aprofundarmos na enumeração de alternativas políticas, as indefinições sobre o processo sucessório são um poderoso combustível para a volatilidade das variáveis econômicas, o câmbio em posição de destaque. O segundo semestre de 2002, durante o qual a alta da moeda americana, acumulada desde janeiro, ultrapassou 70% é uma lembrança ainda nítida dos efeitos das incertezas políticas sobre a economia. A inflação voltou aos dois dígitos e só começou a declinar no fim do ano seguinte.

Antes de embarcarmos em nova jornada cambial, vale ressaltar as diferenças entre aquele momento e o que pode ser o cenário em 2018. A situação das contas externas brasileiras, tradicional calcanhar de Aquiles, é incomparavelmente melhor no presente, devendo se manter em 2018, do que era há 15 anos. O mesmo não se pode afirmar sobre o quadro fiscal, com despesas de difícil controle, como a previdenciária, e possibilidades bem mais limitadas de elevação das receitas do que na década passada. Quais seriam as chances de um novo governo prosseguir e aprofundar o inadiável ajuste das contas públicas?

Se a inflação é, em última análise, decorrência de um desequilíbrio fiscal amplo e duradouro, caso o ajuste tardasse, ela inevitavelmente reapareceria. Este é, aliás, um mecanismo grosseiro, mas já testado, de amenizar o déficit do setor público. Voltaríamos a falar em indexação, realimentação, inércia, etc. Seria um pesadelo. Melhor ficar em 2017. No curto prazo, a inflação parece desconhecer incerteza, mas a médio e longo prazo a bomba relógio fiscal precisa ser desmontada.

 

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