Macroeconomia

A (lenta) retomada do mercado imobiliário

8 jun 2018

Em maio, o Índice de Confiança da Construção (ICST), livre de influências sazonais, registrou alta de 0,4 ponto em relação a abril. No segmento de Edificações Residenciais, o indicador subiu 1 ponto. Na comparação interanual, a alta foi de mais de 10 pontos para o indicador das empresas do segmento residencial, enquanto o índice Geral subiu 8,3 pontos.

De fato, pesquisas realizadas por várias entidades do setor apontam que a melhora do mercado imobiliário, iniciada em 2017, está se disseminando nos primeiros meses de 2018. É o fim da crise que atingiu o mercado a partir de 2014? Parece que sim, mas o caminho da recuperação será longo, ainda mais que a base de comparação é baixa e pode sofrer reveses.

Pesquisa da ABRAINC-FIPE[1] mostrou que, nos três primeiros meses do ano, os lançamentos e as vendas de imóveis aumentaram 7,4% e 14,2%, respectivamente, na comparação com o primeiro trimestre de 2017. Como as vendas aumentaram mais que os lançamentos, houve uma redução de 9,7% na oferta de imóveis. Outra informação importante de melhora do mercado vem dos dados de distratos, que diminuíram 11,3 pontos percentuais na mesma comparação, contribuindo para incrementar as vendas líquidas[2].

Na Região Metropolitana de São Paulo, a pesquisa do Sindicato da Habitação (Secovi-SP) apontou que as vendas de imóveis novos realizadas até março mais que dobraram em relação ao mesmo período do ano passado e já são equivalentes ao patamar alcançado no primeiro trimestre de 2014.

A abertura dos dados por tipologia continua a mostrar o segmento voltado ao mercado do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)[3] liderando o crescimento das vendas no trimestre – alta de 22,9% contra queda de 1,7% no segmento de imóveis de médio e alto padrão (MAP), de acordo com a pesquisa ABRAINC-FIPE . No entanto, em março, as vendas do MAP registraram a segunda alta na comparação interanual.

Em termos de lançamentos, o MAP está disparado à frente, com alta de quase 400% contra queda de 28% dos lançamentos das habitações do MCMV.  Ainda assim, as habitações sociais responderam por 75% dos lançamentos e 68% das vendas dos últimos 12 meses.

O alto padrão lidera os distratos – 37,4% das vendas do trimestre contra 16,6% no segmento do MCMV. Ou seja, há ainda um longo caminho à frente até a recuperação se consolidar. Levantamento realizado pelo Broadcast da Agência Estado[4] apontou que nesse primeiro trimestre do ano, as dez maiores incorporadoras listadas na Bovespa[5] ainda apresentaram prejuízo líquido que somava R$ 147 milhões. Contudo, o prejuízo está diminuindo e é 42% inferior ao do mesmo período de 2017.  

O ritmo da recuperação vem sendo determinado pelas dificuldades das famílias com o mercado de trabalho, mas também pelas condições de crédito ainda bastante restritivas.  O que explica a dinâmica diferenciada dos segmentos de habitação social e MAP. 

As famílias que se enquadram no perfil do PMCMV têm condições mais favoráveis para aquisição de imóveis. O programa conta com os recursos do FGTS, que no início de 2018 anunciou um orçamento de R$ 62 bilhões para a habitação social, com taxas de juros inferiores à praticadas no mercado -  atualmente de cerca de 5% a.a. Para a faixa 2 do programa há também subsídios para complementar o valor do imóvel.

De acordo com a CEF, desde seu início em abril de 2009 até 30 de abril último, nas faixas 2 e 3, o MCMV contratou 3,4 milhões de unidades, o que soma recursos de R$ 332,2 bilhões.

As famílias que não se enquadram no MCMV precisam recorrer ao sistema de financiamento tradicional, que atualmente tem como fonte principal a poupança.[6] O volume de crédito imobiliário concedido pelo sistema, que alcançou R$ 45,3 bilhões em 12 meses até abril, manteve-se praticamente estável na comparação com o mesmo período de 2017, mas ainda está bastante distante do volume alcançado em 2014 (R$ 113 bilhões).

Além da oferta menor, nesse sistema as taxas de juros estão acima de 8% a.a, ou seja, são muito superiores às taxas do MCMV, o que tem um forte impacto restritivo sobre a demanda: para um financiamento de R$ 150 mil, em 25 anos, uma taxa de 5% a.a exige uma renda familiar de cerca de R$ 3.700,00, enquanto uma taxa de 8,5% leva a renda exigida para aproximadamente R$ 5.000,00.

As duas fontes (FGTS e poupança) respondem por cerca de 80% do funding do mercado de crédito imobiliário do país, que em 2017 alcançou 10% do PIB brasileiro. Já existem outras fontes de captação que não exigem direcionamento obrigatório para o crédito habitacional e nem estabelecem tetos para as taxas de juros. Recentemente, foi lançada pelo Bacen a Letra Imobiliária Garantida (LIG), uma versão dos Covereds Bonds, muito populares na Europa. 

Certamente, um novo instrumento abrirá mais possibilidades para que o mercado brasileiro possa prescindir das fontes direcionadas e crescer mais. No entanto, atualmente, mesmo o crédito direcionado vindo da poupança ainda está caro para a grande parte das famílias brasileiras, o que contribui para o ritmo lento de retomada do mercado imobiliário. A recuperação se sustenta no PMCMV, e, portanto, no FGTS.

Um ponto salientar: a Sondagem da Construção, realizada em maio, não captou as turbulências da greve dos caminhoneiros e o aumento das incertezas econômico-políticas, que podem ter afetado as intenções de famílias e investidores de compra de novos imóveis, fazendo, com que se prolongue ainda mais a esperada recuperação.

 


[1] A pesquisa da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC) é realizada com 20 empresas associadas e inclui empreendimentos residenciais, comerciais, desenvolvimento urbano e outros não classificados pelas empresas.

[2] Vendas menos distratos.

[3] Inclui apenas empreendimentos da Faixa 2 e Faixa 3 do programa, o que significa renda familiar máxima de R$ 7 mil.

[4] Broadcast de 15 de maio de 2018 por Circe Bonatelli.

[5]  Cyrela, Direcional, Even, Eztec, Gafisa, MRV, Rodobens, Rossi, Tecnisa e Tenda.

[6] Para imóveis de até R$ 1,5 milhão.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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Mauricio
Odair Senra

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