Macroeconomia

O paralelismo entre 1964 e 2018

1 jun 2018

Não há quem, diante das agonias recentes da sociedade brasileira, não se recorde do desfecho político que ocorreu no país em 1964. O paralelismo é inevitável, as semelhanças abundam e preocupam todos que valorizam uma sociedade democrática e o respeito aos direitos individuais. Há grande instabilidade institucional e a democracia corre, sim, perigo no Brasil.

Uma grave crise econômica impôs uma agenda delicada para um país que desde a democratização havia se habituado a colher avanços importantes no combate à inflação, redução de desigualdade e da pobreza e na busca pelo pleno emprego em um jogo em que todos ganhavam. A despeito do crescimento positivo do PIB no ano passado, a crise econômica continua deflagrada em várias métricas, tal como o elevado desemprego, o crescimento da informalidade e o aumento da pobreza. Diversos itens que afetam a demanda agregada caíram para níveis sem precedentes, tais como os investimentos públicos e os desembolsos do BNDES. Em função de fatores como esses, a retomada tem sido a mais lenta de história. A insatisfação social é grande.

A agenda de política econômica atual confronta muitos setores tradicionalmente acostumados a se proteger de perdas econômicas. O país precisa encarar uma reforma da previdência que busque maior igualdade entres os trabalhadores, resgatar o Estado refém das corporações públicas e implementar uma reforma tributária que, na tributação indireta, aumente a eficiência econômica e, na tributação direta, aumente a progressividade e recupere a arrecadação. Tudo isso para reestruturar as finanças do Estado. É importante levar em conta o que é possível fazer sem fraturar ainda mais a sociedade.

A taxa de juros básica, por sua vez, caiu para mínimas históricas. Essa queda foi observada em países que passaram por crises expressivas e durou por muitos anos, razão pela qual acredito que uma parte relevante deste recuo é estrutural. A manutenção das taxas nesse patamar coloca um grande peso na agenda de redução do spread bancário. Uma agenda importante, mas menos comentada, é a modernização do Sistema Financeiro Nacional formatado em um período de inflação e taxas de juros elevados.

É importante repensar o sistema de crédito público, a formação das taxas, os mecanismos de direcionamento e o recolhimento de compulsórios ainda muito elevado. Toda essa institucionalidade permitiu que a sociedade brasileira ficasse anestesiada em relação ao fenômeno dos juros elevados, a meu ver a característica mais marcante do debate sobre os juros no Brasil: aos poupadores permitia-se uma boa remuneração e aos investidores um bom subsídio. O resultado foi a exclusão financeira dos mais pobres que pagam parte dessa conta.

O ano de 1964 viu surgir um conjunto de reformas sem precedentes no Brasil sob a liderança de Roberto Campos e Otávio Bulhões. Foram reformas institucionais importantes que: (i) modernizaram o funcionamento do Estado brasileiro e da governança da política econômica, (ii) reformularam o sistema financeiro e a tributação, (iii) criaram novos mecanismos de financiamento do desenvolvimento e; (iv) reorganizaram o funcionamento dos mercados, gerando assim novas bases para o ciclo de crescimento econômico que se seguiu. Algumas dessas reformas se fazem presentes até hoje na economia e na sociedade brasileira.

Várias das reformas implementadas sob a batuta dessa dupla haviam sido delineadas anteriormente no Plano Trienal durante o governo democrático. Elas já se faziam necessárias, mas o governo democrático não conseguiu liderar o país naquele momento. Ainda assim, algumas reformas importantes foram feitas, como a Lei 4.320 que instituiu normas para o orçamento brasileiro, continua vigente e foi aprovada às vésperas da mudança de governo. Tal como agora, a economia política foi extremamente desfavorável ao governo eleito pela população naquela época.

A economia também se ressente de liderança política no momento atual. Assim como em 1964, existe uma agenda desafiadora para avançar. As condições econômicas parecem extremamente favoráveis a um novo ciclo reformista tal como observamos naquele período. Campos e Bulhões conseguiram fazer isso na ditadura. Eu espero que consigamos implementar essas reformas na democracia.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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