Macroeconomia

Réplica a Bráulio Borges: Essa recessão foi a pior ou segunda pior em 120 anos

8 nov 2017

Na minha coluna da Folha de domingo, dia 5/11/17, notei que o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE) divulgou recente relatório estabelecendo que o 4º trimestre de 2016 foi o último trimestre da recessão que começou no 2º trimestre de 2014. Ao todo, foram 11 trimestres de crise, com recuo de PIB entre pico e vale de 8,6%. Foi pior até do que o pior ciclo anterior datado pelo CODACE, do 1º trimestre de 1981 ao 1º trimestre de 1983, com queda total de 8,5%. Evidentemente a evolução da atividade no período recente sofrerá diversas revisões pelo IBGE, de sorte que é possível que o número final para a perda de produto no ciclo atual, de 8,6%, seja revisto para mais ou para menos.

Bráulio Borges em post neste blog argumentou que esta foi a terceira pior recessão desde o início do século XX. Bráulio considera crescimento do PIB per capita em janelas trianuais. Não me parece que olhar janela de tempo fixa sirva para esse tipo de análise. Cada crise tem um histórico distinto. A sua própria dinâmica. Há crises mais profundas e mais curtas, outras rasas e longas, outras ainda profundas com rápida retomada, etc.. Assim, parece-me mais apropriado olhar, como faz o CODACE, a maior variação entre pico e vale. A tabela 1 resume as principais estatísticas associadas à evolução do PIB per capita brasileiro em cinco episódios de forte perda de produto.
 

Observação: o cálculo de quantos anos levará para a economia brasileira alcançar o produto per capita observado em 2014, célula da última linha e última coluna, foi obtido sob a hipótese de crescimento em 2017 de 0,8%, em 2018 de 2,5% (cenário Ibre), e, para os anos subsequentes, de 3%. Dados de PIB a preços de 2013 foram obtidos no Ipeadata e a informação de população no IBGE.

Desde o início do século XX, como escrevi no artigo para a Folha de São Paulo, houve cinco episódios de forte perda de desempenho da economia brasileira. O primeiro coincide com o início da Primeira Guerra Mundial em 1914. Trata-se do fim do longo século XIX de Hobsbawm, que se inicia com a Revolução Francesa e termina com a eclosão da Primeira Guerra. O segundo episódio corresponde à Grande Depressão americana de 1929 e o terceiro à crise da dívida externa em 1981. O quarto e o quinto episódios têm uma natureza mais doméstica: a crise da hiperinflação brasileira, iniciada em 1990, e a crise do petismo, iniciada em 2014. O início de cada episódio, primeira coluna na tabela, representa o primeiro ano em que houve queda do PIB per capita.

Na segunda coluna da tabela representamos a perda de termos de troca, em percentagem, ocorrida entre o valor médio dos termos de troca em uma janela de cinco anos antes da crise e os cinco anos seguintes.

Na terceira coluna temos a medida de profundidade da recessão, dada pela variação máxima de PIB per capita, tomando como base o ano imediatamente anterior ao início da crise. Na quarta coluna está representado o ano em que houve essa variação máxima. Finalmente, na quinta coluna está a medida de extensão da crise, dada pelo número de anos que levou para que o PIB per capita atinja o pico anterior ao início da recessão. Em relação à atual crise, se a economia crescer 0,8% em 2017 e 2,5% em 2018, como estimamos no Ibre, e, em seguida, passar a crescer ao ritmo de 3% ao ano, levará oito anos para que o PIB per capita ultrapasse o pico de 2013.

A conclusão da tabela 1 é que a crise recessiva atual tem a segunda pior perda de PIB per capita – com queda de 9,4% em 2017 em comparação a 2013, menor do que os 12,4% de perda de PIB per capita em 1983 em comparação a 1981. Se nosso cenário de crescimento para os próximos anos se materializar, a atual crise será a mais extensa, levando oito anos desde seu início para que o PIB per capita ultrapasse o pico de 2013.

Outra característica das últimas duas crises é que elas não resultaram de forte perda de termos de troca. Não houve um choque externo apreciável. Considerando a média dos termos de troca para o período 2007-2011 e a média de 2012-2017, houve perda de 8%. Para a crise da hiperinflação brasileira, considerando a média de 1985-1989 e a média de 1990-1994, a perda foi nula. A mesma comparação para os três episódios anteriores produz perdas de, em ordem cronológica, 46%, 27% e 33% (esta última para a crise da dívida externa).

Minha interpretação para essa alteração – antes, crises que são fruto de fortíssimos choques externos, e, mais recentemente, crises fruto de fatores domésticos – é a de uma sociedade que se democratiza, mas tem dificuldade de construir consensos neste novo contexto político. Isto é, de negociar internamente um pacote de política econômica que produza crescimento com estabilidade macroeconômica e políticas públicas que reduzam a desigualdade.

Esse fato é claríssimo quando comparamos o atual episódio com a crise da dívida externa dos anos 80. Naquela oportunidade a perda de termos de troca foi de 33%, ante 8% no episódio atual e, adicionalmente, houve nos anos 80 fortíssima reversão da política monetária americana, com grande elevação dos juros internacionais nominais e reais, o oposto do que ocorreu recentemente.

A crise atual, a segunda mais profunda dos últimos 120 anos, não resultou de perda apreciável de termos de troca e é, provavelmente, a mais extensa nesse longo período. Tudo isso se considerarmos o PIB per capita como medida de desempenho. Como aponta Bráulio, o PIB per capita é uma medida que acompanha melhor a evolução do bem-estar e, como também indica Bráulio, “sabemos que, quanto maior o crescimento populacional, mais fácil tende a ser o crescimento do PIB”. Contudo, esta última afirmação é válida para longos períodos de tempo, em que o mercado de trabalho é uma restrição real da economia. Mas não para depressões profundas em que a taxa de desemprego é elevada, não há falta de trabalho, e, pelo contrário, sobram trabalhadores. Nessas situações, é bem provável que forte taxa de crescimento populacional seja até uma restrição adicional à política econômica, pois o crescimento populacional agrava a crise social nesses episódios. Assim, para avaliar o desempenho – não o bem-estar certamente – em eventos agudos de perda de produto, a melhor variável é o PIB absoluto e não o PIB por habitante.
 

Observação: o cálculo de quantos anos levará para a economia brasileira alcançar o produto observado em 2014, célula da última linha e última coluna, foi obtido sob a hipótese de crescimento em 2017 de 0,8% e de crescimento em 2018 de 2,5%, cenário Ibre. Dados de PIB a preços de 2013 foram obtidos no Ipeadata e a informação de população do IBGE.

A tabela 2 reproduz a tabela 1 considerando o PIB em vez do PIB per capita. Considero como início da crise o ano em que o PIB apresenta a primeira queda. Assim, para alguns episódios – o atual e aquele da época da Grande Depressão –, a queda do PIB iniciou-se um ano antes da queda do PIB per capita. Empregando essa métrica, o episódio atual é o pior e o de maior extensão. Levará seis anos para que o pico prévio seja ultrapassado.

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