Macroeconomia

Revisitando o paradoxo da produtividade

10 abr 2018

Em coluna de novembro passado (“O Novo Paradoxo da Produtividade”), comentei o chamado paradoxo da produtividade, ou seja, o fato de que apesar das inovações tecnológicas estarem cada vez mais presentes na nossa vida cotidiana, os indicadores de produtividade nos Estados Unidos e em grande parte dos países desenvolvidos estão em desaceleração desde meados dos anos 2000.

Várias explicações têm sido propostas. Uma possibilidade é que as novas tecnologias sejam menos promissoras do que parecem. De fato, alguns economistas, em especial Robert Gordon, argumentam que as inovações associadas à Segunda Revolução Industrial, como eletricidade e o motor de combustão interna, foram muito mais transformadoras que as decorrentes da Terceira Revolução Industrial, como computadores e internet, ou que as tecnologias que têm adquirido proeminência nos últimos anos, como inteligência artificial e automação.

Uma segunda possível explicação é que, como várias inovações que beneficiam o consumidor são gratuitas, seus efeitos não estariam sendo captados no PIB e, consequentemente, nos dados de produtividade.

A terceira possibilidade é que podem ser necessários vários anos para que o potencial das novas tecnologias seja plenamente explorado, por exigirem mudanças profundas na forma de organização das empresas.

Uma quarta hipótese, que tem sido explorada em estudos da OCDE, é que os efeitos positivos das novas tecnologias estejam sendo capturados por poucas empresas e, dessa forma, tenham pouco impacto na produtividade agregada. A interpretação é de que o problema seria que, ao contrário de décadas anteriores, o processo de difusão de tecnologias não estaria funcionando bem nas economias avançadas.

Embora certamente não exista escassez de hipóteses, vou discutir a seguir uma linha de investigação alternativa que tem ganhado espaço recentemente, liderada por John Haltiwanger e coautores. Em certa medida, ela está relacionada ao argumento dos economistas da OCDE de que os ganhos de produtividade não têm sido difundidos, mas ela aponta para um aumento das barreiras regulatórias, que estariam criando entraves para uma alocação eficiente dos recursos.

Os autores partem da observação de que, desde a década de 1980, e especialmente a partir de 2000, vários indicadores de dinamismo da economia americana, como a taxa de criação de empresas e o fluxo de criação e destruição de empregos, pioraram consideravelmente. Esse fenômeno foi particularmente pronunciado no setor de tecnologia da informação.

Outro indicador que sugere uma piora na eficiência da alocação de recursos foi o aumento da dispersão de produtividade entre as empresas no mesmo período, sendo também mais forte nos setores intensivos na produção e uso da informação, especialmente desde 2000.

Um aumento da dispersão de produtividade em si não caracteriza ineficiência, desde que seja acompanhado por uma realocação de recursos para seus usos mais produtivos. Ou seja, firmas que tiveram choques produtivos de produtividade deveriam expandir o emprego, enquanto as que foram negativamente afetadas deveriam contrair. No entanto, não é isso que tem sido observado na economia americana, pelo menos na intensidade que se verificava em décadas passadas.

Haltiwanger e coautores argumentam que essa perda de dinamismo da economia americana explica uma parte relevante da desaceleração do crescimento da produtividade desde meados dos anos 2000.

A importância relativa desse canal ainda é fonte de controvérsia. No encontro anual de Jackson Hole do ano passado, um estudo de Chang-Tai Hsieh e Peter Klenow argumentou que as estimativas da contribuição da perda de dinamismo para a desaceleração da produtividade americana estariam superestimadas, mas foram contestados por Haltiwanger. O debate, portanto, está em aberto.

O que parece cada vez mais consensual, no entanto, é que o grau de competição da economia americana tem diminuído consideravelmente nas últimas décadas. Várias barreiras regulatórias têm sido criadas, tanto pelo governo federal como pelos governos estaduais, abrangendo desde a necessidade de obtenção de licenças para o exercício de determinadas profissões a concessões excessivamente abrangentes de proteção da propriedade intelectual. Um trabalho recente estimou que a margem média (markup) em relação ao custo marginal aumentou de 18% em 1980 para 67% atualmente.

Além dos efeitos sobre a produtividade, existem evidências de que esse aumento do grau de monopólio teve várias implicações macroeconômicas, como a queda da participação da renda do trabalho no PIB, queda dos salários de baixa qualificação e aumento da rentabilidade média do capital, mesmo em um contexto de taxas de juros reais em queda.

Em várias dimensões, os Estados Unidos começam a lembrar cada vez mais o país capturado por monopólios do final do século XIX e início do século XX. Não é preciso concordar com Piketty para perceber que as consequências serão profundas.

Esta coluna foi publicada originalmente no Broadcast da Agência Estado.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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