Macroeconomia

Uma recessão feita em casa

4 mai 2017

Segundo o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE), a atual recessão brasileira começou no segundo trimestre de 2014. Depois de crescimento em 2014 (0,5%), houve uma contração, em termos reais, de 3,8%, e de 3,6% em 2015 e 2016, respectivamente. A última vez em que o país apresentou dois anos seguidos de crescimento real negativo do PIB foi em 1930 e 1931, logo após a Crise de 29, segundo a série histórica do Ipeadata. A queda, em termos reais, do biênio 2015-2016 foi de 3,7% ao ano, maior do que o recuo médio do biênio 1930-1931 (2,7% a. a., em média).

Uma grande questão é até que ponto a grande recessão atual é um fenômeno especificamente brasileiro, ligado a dinâmicas internas do próprio país, ou é parte de uma tendência mais global de nações com características semelhantes ao Brasil. Um trabalho meu recente indica que é bastante forte o componente doméstico na lamentável contração brasileira a partir de 2014.

Com o objetivo de analisar o desempenho da economia brasileira entre 1980 e 2015, com foco na desaceleração pós-2010, meu estudo “Desempenho da Economia Brasileira entre 1980 e 2015: Uma Análise da Desaceleração Brasileira Pós-2010” estimou um painel anual com efeitos fixos, em que a taxa real de crescimento anual do PIB per capita em dólares (preços constantes de 2010) é explicada por uma série de variáveis específicas – taxa de investimento como % do PIB; consumo do governo como % do PIB; PIB per capita em dólares defasado em um ano para cada país – bem como por variáveis externas – taxa real de crescimento anual do PIB mundial; taxa de juros de 10 anos dos EUA, média anual; e taxa de variação dos termos de troca. 

A amostra contém dados anuais entre 1980 e 2015. Ressalve-se que o painel é desbalanceado, pois para alguns países a amostra se inicia após 1980. Todas as variáveis são significativas a 5% e todos os coeficientes têm o sinal esperado. Os países da amostra foram 17 no total, sendo nove países selecionados da América Latina, e oito outros emergentes em geral.

Os resultados encontrados mostram que, segundo o estudo em painel, o Brasil, dentre uma amostra de países selecionados da América Latina (excluindo a Venezuela) e de outros emergentes, foi o país que apresentou piores resultados nos últimos anos, em especial no biênio 2014 – 2015, com as maiores diferenças entre os valores observados e previstos. O modelo do estudo em painel captou bem a trajetória de crescimento dos países desde a década de 1980. Outra conclusão importante do estudo em painel é que tanto para a amostra inteira, quanto para a média dos países latino-americanos (excluindo o Brasil e a Venezuela) e para a média dos outros países emergentes selecionados, tanto no período 2011-2015 quanto no biênio 2014-2015, os valores observados foram maiores do que os valores previstos, justamente o contrário do ocorrido no Brasil nesses dois períodos. No biênio 2014-2015, enquanto que o PIB per capita em dólares do Brasil recuou, em termos reais, 2,8% a.a. em média, o modelo indicava uma leve queda de 0,1%. Já a América Latina, excluindo o Brasil e Venezuela, cresceu 1,4%, contra 0,9% indicado pelo modelo nesse mesmo período.

No mesmo estudo também foi utilizado o método do controle sintético para a taxa real de crescimento anual do PIB per capita em dólares. Esse método permite determinar os melhores grupos possíveis de comparação para cada dimensão de desempenho avaliada, com o objetivo de avaliar o impacto de um evento (por exemplo, o ano inicial de um determinado governo) sobre a evolução de determinada variável (PIB per capita em dólares nesse estudo).  Para a construção do grupo de controle, ou seja, o país sintético (no caso, “Brasil sintético”), foram consideradas algumas variáveis domésticas de cada país da amostra, colocando o ano de 2011 (primeiro ano do governo da ex-Presidente Dilma Rousseff) como evento ou intervenção. E os resultados do controle sintético também estão em linha com os resultados encontrados no painel, mostrando que, de acordo com o modelo, havia um padrão parecido entre as taxas de crescimento do Brasil e do “Brasil sintético” ao longo do período analisado (2000–2015), com exceção do biênio 2014-2015 no Brasil, onde há um descolamento muito grande entre os valores observados e estimados.

Além desses dois métodos (painel e controle sintético), o estudo também fez uma análise comparativa desde 1980. Além de mostrar a forte desaceleração da economia brasileira nos últimos anos, em especial no biênio 2014-2015, o estudo indica o descolamento do desempenho da economia brasileira recentemente em relação a alguns grupos de comparação (AL e países emergentes selecionados), o que não ocorreu em outros períodos do passado, reforçando a visão de que essa perda de ritmo recente decorre, em grande medida, de fatores específicos da nossa economia.

 

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