Economia Global

China, passado e futuro: Redução da velocidade de crescimento

26 jan 2024

Sempre tivemos uma visão menos otimista a respeito do crescimento de 2023, e a evolução do cenário nos deu razão. Há questões conjunturais e estruturais que deprimem velocidade de crescimento, e isso continuará válido em 2024.

Como foi 2023: Nossa visão se mostrou correta - Iniciamos o ano com uma visão, não-consensual, de que a China passaria por dificuldades em 2023[1][2]: o tempo mostrou que estávamos certos. A diferença em relação às visões mais otimistas do mercado estava na importância da retomada do consumo doméstico, após o fim da política de Covid-zero dinâmica (dez/2022). A vertente mais otimista dos analistas, majoritária no início de 2023, sustentava que a população chinesa iria liberar poupança previamente acumulada, acelerando o crescimento através do consumo. Uma vertente minoritária, da qual fazíamos parte, argumentava que a direção estava correta, mas a intensidade do movimento seria insuficiente – fosse porque as famílias chinesas seguiam contraídas e temerosas, fosse porque o choque em consumo teria que ser anormalmente elevado para compensar a desaceleração em curso em outros setores, tal como no imobiliário e nas vendas externas.

Atingir a meta de crescimento de “ao redor de +5,0%” não foi simples, exigindo grande atuação governamental. Sem vetores tão intensos no lado do consumo (interno ou externo), caberia ao governo estimular a economia através do seu receituário clássico – expansões fiscais e monetárias, priorizando os investimentos e a construção de infraestrutura. O governo, de fato, enveredou por esse caminho, mas a eficiência dos impulsos foi moderada: o crescimento de +5,2% em 2023 é, nesse aspecto, uma vitória agridoce do governo chinês.

Questões de fundo têm se tornado cada vez mais relevantes, e nem sempre são compreendidas. As dificuldades em dinamizar a economia combinam questões estruturais (como o decaimento populacional), uma conjuntura particularmente negativa (sinofobia e redução global da demanda por bens, especialmente aqueles produzidos na China), problemas patrimoniais nas famílias e nas empresas (nisso incluindo debates, que consideramos exagerados, sobre recessão de balanços) e, acima de tudo, uma carência consistente de demanda, tanto externa como interna. Essa foi a tônica de 2023 e será, com ajustes, também a de 2024.

Há uma severa crise de confiança em curso, e são parcos os sinais de normalização no curto prazo[3]. Ao final de 2023, emergiram sinais moderadamente positivos no consumo das famílias chinesas, especialmente em serviços e durante o grande feriado (Golden Week) do último trimestre do ano. Mas, sem normalização da confiança e da segurança patrimonial (aqui passando tanto pela geração de renda, via emprego, como pela geração de riqueza, via ativos), não há razões para acreditar em grande ímpeto consumista do chinês médio. Uma pedra angular do cenário de baixa confiança está no relevante ajuste do mercado imobiliário, que segue sem dar sinais de que terminou. Nesse cenário, a economia passou por deflação em 2023, seja nos preços ao produtor, seja nos preços ao consumidor.

O que esperamos de 2024: Os desafios são relevantes e o crescimento tende a ser menor

O sarrafo para taxas de crescimento mais robustas está elevado – e nos parece que o governo entende isso. As questões estruturais e conjunturais que têm afetado o crescimento chinês continuam em vigor, ainda que passando por naturais ajustes. A China enfrentará desafios internos e externos importantes em 2024, com a herança estatística mais baixa da série histórica, uma mudança para novos motores de crescimento (consumo interno, tecnologias verdes, serviços) ainda incompleta e um mundo que segue hostil aos desejos e aos produtos oferecidos pela China.

Não enxergamos um fim próximo para o ajuste do mercado imobiliário chinês. Atuação recente do governo tem tentado disciplinar a derrocada do setor, flexibilizando certas restrições do lado da demanda e aumentando o suporte às incorporadoras, pelo lado da oferta. As medidas nos parecem descalibradas, com excessiva ajuda às empresas e poucas garantias aos compradores. Sem o fortalecimento da demanda, o ajuste do setor não será completo. Os dados mais recentes de estoques implícitos e de preços do setor imobiliário seguem mostrando um segmento em queda livre, e não vemos sinais de estabilização, pelo menos, até meados do ano.

A demanda seguirá fraca, e isso manterá a inflação deprimida. Temores de que a China esteja ”japonizando” nos parecem exagerados, ao menos por enquanto, mas é fato que a redução da demanda está tendo efeitos sobre a dinâmica inflacionária. A deflação nos preços ao consumidor e ao produtor abre espaço para mais estímulos monetários durante 2024, mas, sem resolver a questão da confiança, os cortes de juros tendem a ser pouco efetivos para estimular a atividade econômica. Não esperamos nova deflação em 2024, especialmente nos preços ao consumidor, mas certamente não teremos grandes elevações dos preços no decorrer do ano.

A saída pela infraestrutura será prejudicada pela posição fiscal dos governos subnacionais chineses. Um efeito colateral importante do ajuste imobiliário é a redução das receitas derivadas de leilões de terra, parte central da estrutura arrecadatória dos governos subnacionais. Sem vendas imobiliárias, não há demanda por terras; sem demanda por terras, não há leilões e não há receita. O governo central tem aumentado as cotas de acesso a títulos especiais (do Tesouro e de propósito especial)[4] pelos governos subnacionais, que usam esses proventos para suprir parte da carência arrecadatória. Um ciclo de investimentos mais vigoroso exigirá nacionalização dos empreendimentos, posto que os governos subnacionais, principais executores dos investimentos, se encontram com finanças combalidas.

O governo chinês já deu mostras de que ampliará os estímulos monetários e fiscais – priorizando o segundo tipo de iniciativa. Consideramos a estratégia correta, ainda que seja necessário, em nossa visão, uma mudança dos gastos na direção da rede de seguridade social – o que aplacaria a insegurança das famílias e poderia destravar o consumo. Não vemos, no entanto, qualquer disposição do governo para modificar a sua atuação. A eficiência das políticas de estímulo tenderá a ser menor este ano, ressuscitando, com o passar do tempo, o debate sobre o excessivo endividamento da sociedade chinesa.

Esperamos crescimento de +4,4% em 2024, com o governo reconhecendo uma redução, estrutural, do patamar de crescimento. Nesse sentido, esperamos que a meta de crescimento de 2024, a ser conhecida em março, seja menor do que a do ano passado – ao redor de 4,5% ou entre 4,5% e 5,0%. Caso a meta seja igual a de 2023, ficaremos mais preocupados, sendo essa uma sinalização clara de que o governo priorizou o curto prazo, em detrimento de ajustes mais profundos, e necessários, na economia. Ressaltamos, mais uma vez, que esse não é o nosso cenário-base.

Foco no novo Plano Quinquenal, que dará diretrizes de médio prazo para a economia. Detalhes serão divulgados em março, em paralelo à meta de crescimento de 2024, na 3ª Plenária do Congresso do Partido Comunista Chinês. É amplamente esperada uma mudança de foco, priorizando novos setores (tecnologia, transição energética, manufaturas de elevado valor adicionado, consumo interno) em detrimento dos setores mais tradicionais (indústria de base, imobiliário, exportações). Note-se, no entanto, que uma mudança de foco não implica transição imediata para os novos vetores, e nem em abandono dos vetores mais antigos. Entender como o governo calibrará essa troca de guarda será central não somente para entender o comportamento da atividade em 2024, como, e principalmente, para avaliar os caminhos da China até o fim da década.

O último trimestre do ano terá um momento de grande tensão: as eleições presidenciais americanas. Relações sino-americanas passam por momento delicado, com sucessivas rodadas de restrição comercial (bilateral) e eleição de um governo separatista em Taiwan. Uma eventual vitória de Donald Trump certamente trará mais histrionismo ao debate, tornando a contraposição entre as duas grandes economias mais aberta. Haverá ruído, não somente nas relações entre China e EUA, mas também em todo mundo.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] Esse artigo faz parte de Destaque BRCG | Cenário 2024| Passado e futuro. Temperatura em elevação. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[2] Destaque BRCG | China: Mal-estar ao final de 2022. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[3] Destaque BRCG | China: Quando a realidade se impõe. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[4] Os títulos especiais do Tesouro (Special Treasuary Bonds, ou STB) são emitidos pelo governo central por motivos estratégicos, sendo tipicamente associados a alguma emergência ou catástrofe natural. Já os títulos de propósito especial (Special Purpose Bonds, ou SPB) estão tipicamente associados às obras de infraestrutura, capitaneadas pelos governos subnacionais. A cota anual de SPB´s foi de RMB 3,8tri (US$ 550bi) em 2023, sendo complementada, em outubro de 2023, por uma emissão de STB´s de RMB 1,0tri (US$ 139bi).

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