Economia Global

EUA, passado e futuro: Incerteza, volatilidade e queda dos juros

29 jan 2024

Juros americanos serão reduzidos em 2024, mas timing está em aberto. Sinalização errática da autoridade monetária dos EUA e múltiplos riscos do ano devem causar fortes oscilações e volatilidade no cenário e preço de ativos.

Como foi 2023: Um ano complicado na política monetária americana - O FOMC passou o ano com severos problemas de comunicação[1]. Desde o início do ciclo de aperto monetário, ainda em 2021, a comunicação do FOMC com o mercado foi bastante truncada, atrapalhando, sobremaneira, a adequada formação da estrutura a termo. Durante quase todo o ciclo de aperto monetário, o mercado duvidou das intenções da autoridade monetária, ou não entendeu as sinalizações feitas pelo FOMC. Fatores externos atrapalharam, mas o FOMC teve a sua parcela de culpa nessa falta de compreensão do mercado.

Sempre ressaltamos que só haveria espaço para cortes de juros em 2024[2] – o que acabou se confirmando. As taxas de juros atingiram a faixa 5,25% - 5,50%a.a. na reunião de julho, e, apesar da opção por uma elevação adicional, ao final do ano, ter sido mantida quase até o final de 2023, resultou claro, já no 3º trimestre, que ela não ocorreria. Quanto mais próximo do pico, a estrutura a termo apontou cortes de juros em velocidade muito mais rápida do que seria razoável, inclusive ainda em 2023. Tal precificação nunca fez sentido, e os cortes de juros ficaram para 2024.

Uma parte pequena desses problemas de comunicação foi derivada de fatores exógenos. O ano foi marcado por choques relevantes, com uma breve crise financeira no 1º semestre (eventos de crédito no SVB e no First Republic Bank, intrinsecamente associadas à gestão ineficiente nestas instituições), downgrade da dívida soberana americana (no 3º trimestre), múltiplas incertezas na evolução das variáveis fiscais americanas, nisso incluindo o cronograma de emissões do Tesouro americano, e um cenário externo conturbado. Todos esses fatores conspiraram para uma grande volatilidade da estrutura a termo, não só nos Estados Unidos, como também em todo o mundo.

A maior parte das questões, no entanto, derivou da própria condução da política monetária. É inegável que o comportamento da atividade e do mercado de trabalho foi mais forte do que o inicialmente esperado em 2023, com expansão do PIB ao redor de 2,5% e desemprego encerrando o ano em 3,7%. Combinados a uma inflação em trajetória inconsistente com o cumprimento da meta no horizonte relevante, criou-se um cenário de repetidas contestações à atuação do FOMC. O mercado se mostrou altamente sensível a narrativas de curto prazo, a movimentos nos dados de alta frequência e a temores de uma desaceleração mais rápida da atividade, operando, não raro, em resposta a ruídos. Grande parte dessa hipersensibilidade derivou da frágil comunicação da autoridade monetária, muitas vezes vacilante e errática.

Durante todo esse processo, o FOMC teve postura muito mais passiva do que ativa na condução da precificação dos juros. Os grandes choques nas taxas de juros longas resumem bem as dificuldades de condução da política monetária. Partindo de um patamar de 3,50%a.a. em janeiro, as taxas de juros de 10 anos atingiram 5,00%a.a. no final de outubro – com crescimento de 100bps somente a partir de agosto. Múltiplas narrativas foram criadas para explicar esse fenômeno, passando por má condução da política monetária, piora estrutural da posição fiscal, explosão da aversão a risco e questões técnicas no mercado de títulos públicos que estariam levando a um excesso de oferta nos vértices mais longos da estrutura a termo. Da mesma forma que vieram, essas narrativas sumiram com a forte queda dos juros longos entre novembro e dezembro, encerrando o ano pouco abaixo de 3,90%a.a..

Ao final do ano, ocorreu uma forte mudança de tom na comunicação do FOMC – e o mercado ainda tenta digerir isso. De forma absolutamente inesperada, e, em nossa visão, inconsistente com a evolução do cenário, o FOMC (comitê de política monetária) promoveu uma grande mudança na sua comunicação prospectiva ao final do ano passado. Os juros médios esperados para o biênio 2024-2025 foram reduzidos, mesmo com a inflação projetada atingindo a meta somente em 2026, e foi ressaltado o risco, para a atividade, de se manter juros elevados por período excessivo. Mais ainda, o presidente do FOMC, Jerome Powell, destacou que os juros começarão a cair muito antes da inflação atingir a meta, reconhecendo, também, que o timing desses cortes já estaria em discussão. O mercado entendeu, corretamente, que os juros americanos começarão a cair já no 1º semestre de 2024 (e, potencialmente, ao final do 1º trimestre do ano), mas resta observar, nos dados, razões para uma mudança tão brusca de avaliação.

O que esperamos de 2024: Redução dos juros, com múltiplos ruídos na comunicação e no cenário

Há sinais de redução do crescimento e da inflação, mas nada que corrobore a drástica mudança de visão do FOMC ocorrida em dezembro de 2023. A direção do cenário parece clara, com evidências de redução do crescimento no início do ano e progressiva, mesmo que relativamente lenta, diminuição da inflação ao consumidor. A velocidade de ajuste, no entanto, parece inconsistente com nova sinalização do FOMC, especialmente se observarmos o comportamento dos núcleos de inflação (com CPI pouco abaixo de 4,0% e PCE em torno de 3,0% ao final de 2023). Das duas uma: ou a autoridade monetária americana deliberadamente está dando mais peso à atividade, em seu mandato dual, ou o FOMC enxerga um grande choque negativo na atividade, em curto espaço de tempo, e este não está sendo captado pelo mercado.

Há uma tentativa de disciplinar a estrutura a termo, mas o cenário segue excessivamente instável. Ao final de 2023, chegou-se a precificar quase 85% de chance de o corte de juros começar em março de 2024, com quase 20% de chance do primeiro movimento ocorrer na reunião do FOMC de janeiro. Com sinais de uma inflação um pouco mais elevada ao final de 2023, certa resiliência nos indicadores de atividade, incluindo mercado de trabalho, e ajustes na comunicação feitos por membros do FOMC, virtualmente aboliu-se o corte em janeiro e se tem 40% de chance de os juros começarem a cair em março[3]. A hipersensibilidade a dados de altíssima frequência continua, o que, em nossa visão, é um indicador claro de que as mazelas na condução monetária continuarão presentes em 2024.

Entendemos que a mudança de visão do FOMC é forte demais para ser ignorada, e ela nos levou a uma reavaliação do cenário prospectivo. Reafirmamos que não vemos, nas informações disponíveis, razão para uma mudança tão brusca na sinalização. É fato, no entanto, que ela ocorreu. Esperamos que os juros americanos comecem a cair na reunião de março de 2024, e que o ciclo de ajuste monetário seja mais intenso do que o sinalizado pela autoridade monetária. Em nosso cenário, a taxa referencial de juros atingirá a faixa 4,00%-4,25%a.a. até o final de 2024.

O cumprimento da meta de inflação nos parece estar em 2º plano. Com esse cenário de juros, a inflação não atingirá a meta no horizonte relevante (até o final de 2025), ainda que se mantenha em trajetória declinante. O mercado de trabalho seguirá forte e, salvo algum choque inesperado, não vemos recessão na economia americana. É importante notar que aumentam riscos prospectivos nas searas fiscal, política e geopolítica, nublando a avaliação prospectiva.

Haverá enorme volatilidade durante o ano, tanto externa como interna. A piora do cenário geopolítico global, especialmente nas questões do Leste Europeu e do Oriente Médio, será ponto de tensão para a condução da política econômica americana – tanto na seara monetária como na seara fiscal. Um recrudescimento do cenário no Oriente Médio tenderá a pressionar as cotações de petróleo, aqui reconhecendo que o choque já esperado ao final de 2023 não se materializou. Em paralelo, é importante notar que as escolhas de policy não poderão ser dissociadas das eleições presidenciais americanas (nov/24), trazendo uma nova componente de risco ao cenário.

Haverá mais falta de coordenação entre as políticas fiscal e monetária, e isso fará preço. Não há sinal de consolidação fiscal nos EUA, e, com a emergência de riscos externos (geopolítica) e internos (eleição presidencial), não se deve esperar qualquer iniciativa para disciplinar gastos no curto prazo. Com isso, aumentarão as contestações à sustentabilidade fiscal de médio prazo – o que nos parece exagerado – e a pressão para emissão no Tesouro americano – o que, inclusive, já é observável nas próprias expectativas do Tesouro americano. Juros elevados aumentarão os custos de rolagem da dívida, tanto do governo quanto das empresas americanas, constituindo ponto de estresse adicional para a condução das políticas públicas neste ano.

Foco nas eleições presidenciais de novembro de 2024. Tudo se encaminha para um novo embate entre Biden e Trump. Com um governo errático e percebido (tanto dentro como fora dos EUA) como fraco, Biden não parece estar em posição vantajosa na disputa. Seu melhor cabo eleitoral tende a ser a rejeição a Trump, mas é notório que, dentre os republicanos, Trump tem mostrado uma avaliação mais positiva do que muito supunham. O mundo olha com atenção para o resultado desta eleição, que, em caso de vitória (provável) de Trump, criará ondas de choque por todo o globo.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.


[1] Este artigo faz parte de Destaque BRCG | Cenário 2024 | Passado e futuro: Temperatura em elevação. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[2] Destaque BRCG | EUA: 2023 em cinco (longos) parágrafos. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

[3] Data de corte em 22 de janeiro de 2024.

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