Macroeconomia

Mercado de trabalho no Brasil ainda continua muito fragilizado: Uma análise a partir dos dados mensalizados da Pnad Contínua

22 abr 2021

Os eventos associados à pandemia da Covid-19 elevaram de forma extraordinária o nível de incerteza em relação ao desempenho da economia e tiveram impactos negativos sobre a atividade econômica e em especial sobre o mercado de trabalho brasileiro. O objetivo deste texto é fazer uma atualização desses impactos, tomando como referência a recente divulgação pelo IBGE dos dados da Pnad Contínua para o mês de janeiro de 2021, que agrega os principais indicadores de mercado de trabalho, permitindo assim, uma análise completa do atual momento do emprego no país. Esses dados divulgados mensalmente, no entanto, se referem sempre ao trimestre móvel, de modo que temos para cada mês a média de diversas variáveis no mês de referência e nos dois anteriores.

Diante do atual cenário de elevadas distorções causadas pelo avanço da pandemia do coronavírus, as informações de alta frequência são cada vez mais relevantes para que possamos entender os seus desdobramentos na economia brasileira. Em função disso, diversos pesquisadores têm estudado formas de mensalizar os indicadores da Pnad Contínua, de modo a terem informações mais precisas do atual momento do mercado de trabalho, eliminando, assim, os efeitos da média móvel e obtendo fatos estilizados para cada um dos meses. Dentre esses trabalhos, podemos citar o artigo de Hecksher (2020), pesquisador do IPEA, e o trabalho em boxe do Relatório de Inflação de junho de 2020, divulgado pelo Banco Central. Embora usem métodos diferentes, os dois trabalhos encontram resultados similares.

O objetivo deste texto é aplicar a metodologia proposta pelo Banco Central a fim de que possamos traçar um diagnóstico das principais causas da queda de emprego no Brasil e sua lenta recuperação, observada nos últimos meses, bem como do aumento na taxa de desemprego. Tal como proposto pelo Banco Central, para mensalizar as informações da Pnad Contínua iremos utilizar um modelo de espaço de estado para mensalização da série de média móvel trimestral.[1]

O Gráfico 1 mostra a evolução da taxa de crescimento mensalizada, em relação ao mesmo mês do ano anterior, da população ocupada no Brasil.

Gráfico 1: Taxa de crescimento da população ocupada (em % e em relação ao mesmo mês do ano anterior) – Brasil.

Elaboração do FGV IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

Podemos notar, pelo Gráfico 1, que, ao longo da recessão iniciada no segundo trimestre de 2014, e que durou até o quarto trimestre de 2016, houve forte redução do emprego no Brasil, principalmente no final de 2016, quando as quedas observadas na população ocupada foram de quase 3%, em relação ao mesmo mês do ano anterior. Desde então, a população ocupada no Brasil estava crescendo a taxas robustas, chegando a apresentar um crescimento de 2,9% em maio de 2019.

Podemos notar, no entanto, que após esse longo período de expansão da população ocupada, houve, a partir de março, forte retração do emprego no país. Após crescer 1,8% em fevereiro de 2020, em relação ao mesmo mês do ano anterior, a população ocupada no Brasil apresentou queda de 2,5% em março, 9,2% em abril, 10,7% em maio, 12,1% em junho, chegando ao patamar de queda de 14,2% em julho, a maior já observada ao longo da série histórica mensalizada, superando largamente as quedas observadas ao longo da recessão de 2014-2016.[2] Desde então, temos observado uma recuperação ainda muito lenta do emprego, quando se compara com os mesmo meses do ano anterior. Em particular, em janeiro de 2021 a queda do emprego foi de 8,3%, em comparação com o observado em janeiro de 2020.

Uma outra forma de analisar a dinâmica do emprego é a partir dos dados dessazonalizados, cujo crescimento toma como base o mês imediatamente anterior. No Gráfico 2, mostramos a taxa de crescimento mensal da população ocupada a partir desta métrica.

Gráfico 2: Taxa de crescimento da população ocupada (em % e em relação ao mês imediatamente anterior) – Brasil.

Elaboração do FGV IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

Quando analisamos o crescimento do emprego na margem é possível notar que o mês cuja queda foi mais dramática foi abril, com recuo em relação a março de 7,1%. Os três meses subsequentes também foram de queda, embora em patamar bem menor. Desde agosto temos observado recuperação na margem do emprego, de modo que as taxas de crescimento, quando comparadas com os meses imediatamente anteriores, têm sido positivas. Em particular, em janeiro de 2021 o emprego avançou 0,7%, quando comparado a dezembro de 2020.

Diante dos fatos apresentados, entender os fatores que explicam a forte queda do emprego e sua lenta recuperação ajuda a traçar os diagnósticos corretos da situação atual do mercado de trabalho no Brasil. Em primeiro lugar, vale destacar que a redução de emprego foi generalizada e atingiu praticamente todos os setores da economia. No Gráfico 3, mostramos a taxa de crescimento da população ocupada na indústria e no setor de serviços.

Gráfico 3: Taxa de crescimento da população ocupada na indústria e no setor de serviços
(em % e em relação ao mesmo mês do ano anterior) – Brasil.

Elaboração do FGV IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

Podemos notar, que ao longo da recessão iniciada no segundo trimestre de 2014, e que durou até o quarto trimestre de 2016, houve forte redução do emprego na indústria no Brasil, principalmente no final de 2016, quando as quedas observadas foram de quase 10%, em relação ao mesmo mês do ano anterior. Após esse período, foi possível notar desaceleração nas quedas do emprego, de modo que, entre o final de 2016 e meados de 2019, os recuos se tornaram progressivamente menores, tendo inclusive ocorrido crescimento levemente positivo em alguns meses. Entre junho de 2019 e fevereiro de 2020, o emprego na indústria estava crescendo de forma robusta, chegando a alcançar o patamar de 3,9% em janeiro de 2020. Desde março do ano passado, no entanto, a população ocupada na indústria despencou e interrompeu o ciclo de crescimento que estávamos vendo desde meados de 2019. Em julho de 2020, por exemplo, a queda do emprego, em relação ao mesmo mês do ano anterior, foi de 17,7%, a maior já observada na série histórica. Desde então, temos visto uma desaceleração nas quedas do emprego alocado nesse setor, permanecendo, porém, em patamar ainda muito elevado. Em particular, em janeiro a queda de emprego na indústria foi de 9,7%.

No setor de serviços, o principal da economia, que concentra cerca de 70% do emprego gerado no país, as medidas de distanciamento social necessárias à contenção do vírus levaram a população ocupada nesse setor a apresentar forte redução, com início em março de 2020. Nesse mês, o emprego no setor de serviços havia recuado cerca de 1%. Nos meses de abril, maio, junho e julho, as quedas ficaram bem mais intensas: em relação ao mesmo mês do ano anterior, respectivamente, 8,5%, 10,7% e 11,5% e 14,5%. Para se ter uma ideia, ao longo da recessão observada entre 2014 e 2016, que havia sido o pior momento do setor até então em termos de emprego, a população ocupada não chegou a apresentar quedas dessa dimensão. Desde julho, temos visto desaceleração nas quedas do emprego alocado no setor de serviços, indicando lenta recuperação da mão de obra. Em particular, em janeiro a queda foi de 9,4%, menor do que as observadas em meados do ano passado, mas ainda assim muito intensa.

A forte queda de emprego observada no setor de serviços e na indústria, em particular na construção, civil pode estar associada à elevada informalidade presente nestes dois setores.[3] A queda no emprego informal, por exemplo, foi determinante para queda do emprego observada desde março de 2020, como veremos no gráfico a seguir.

Gráfico 4: Taxa de crescimento da população ocupada alocada em ocupações formais e informais
(em % e em relação ao mesmo mês do ano anterior) – Brasil. [4]

Elaboração do FGV IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

Desde o final da recessão de 2014-2016, a contribuição da informalidade para a recuperação do emprego foi muito elevada, destoando inclusive do padrão observado em recessões anteriores.[5] O avanço da pandemia do coronavírus, no entanto, levou a forte destruição do emprego informal, ainda mais elevada do que a observada no emprego formal. Este último, por exemplo, apresentou intenso recuo de 9,5% em julho de 2020, quando comparado com o mesmo mês do ano anterior. Após essa queda, temos notado grande dificuldade de recuperação do emprego formal. Em particular, em janeiro de 2021 a queda do emprego formal foi de 7,8%, em comparação com o mesmo mês do ano passado, valor próximo ao observado no mês de julho de 2020, que foi o de maior recuo nessas ocupações.

Já a população ocupada no setor informal, que em fevereiro de 2020 havia crescido 2,2%, apresentou em março queda de 6,7% em relação ao mesmo mês do ano anterior, além de nova redução, de 17,2%, em abril e recuo de 18,2% em maio. Desde meados do ano passado, no entanto, temos observado desaceleração nas quedas do emprego informal, dada a maior flexibilidade que esses trabalhadores têm de voltar ao mercado de trabalho. Em particular, após atingir a maior queda em junho de 2020 (-20,8%), os recuos observados no emprego informal têm ficado cada vez menores, embora ainda permaneçam num patamar elevado, tendo chegado a janeiro com queda interanual de -9,2%.

Evidencia-se, assim, que a pandemia do coronavírus, de fato, destruiu mais ocupações no mercado de trabalho informal da economia.[6]

Além disso, é importante notar que, além do forte recuo no emprego, a crise causada pela Covid-19 reduziu drasticamente o número de pessoas que se encontram na força de trabalho, e, consequentemente, a taxa de participação da economia brasileira, como mostra o Gráfico 5.

Gráfico 5: Evolução da Taxa de Participação e da Taxa de crescimento da força de trabalho
(em % e em relação ao mesmo mês do ano anterior) – Brasil.

Elaboração do FGV IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

Nota-se que, ao longo da série histórica iniciada em 2012, a taxa de participação no Brasil sempre foi próxima de 62%. Podemos notar, no entanto, que houve ruptura desse padrão após o início da pandemia do coronavírus em março de 2020, quando a taxa de participação recuou para o patamar de 59,6%. Entre abril e julho, houve queda ainda maior na taxa de participação no Brasil, de modo que, nesses meses, ela passou de 55,9% para 54%, sendo este último valor o menor já observado ao longo dessa série histórica. Desde então, temos notado recuperação, mesmo que lenta e gradual, da taxa de participação no Brasil. Em janeiro de 2021, por exemplo, ela atingiu o patamar de 56,7%, maior que o observado em julho, mas ainda bem menor do que o do período pré-pandemia.

Além da forte queda na taxa de participação, podemos notar ainda que, desde o início da pandemia, tem ocorrido forte redução da força de trabalho no Brasil, revertendo, assim, o crescimento, embora baixo, observado no início de 2020 (próximo de 1% em janeiro e fevereiro). Em março de 2020, a força de trabalho recuou 2,2% em relação ao mesmo mês do ano anterior, passando para quedas de 8,4% em abril, de 9,9% em maio, de 9,8% em junho e de 11,3% em julho, a maior já observada ao longo da série histórica, refletindo assim forte saída de mais pessoas da atividade econômica. Desde julho, no entanto, temos notado recuperação da força de trabalho no Brasil, embora ela ainda esteja num patamar distante do observado no período pré-pandemia. Essa melhora, fruto do retorno de mais pessoas à atividade econômica, provocou desaceleração na queda da força de trabalho, de modo que ela atingiu em janeiro de 2021 patamar próximo a 5,6%.

Por último, foi possível notar, na série mensalizada, um avanço na taxa de desemprego nos últimos meses, tal como apresentado no Gráfico 6.

Gráfico 6: Evolução da taxa de desemprego – Brasil.

Elaboração do IBRE com base nos dados da Pnad Contínua/IBGE (dados mensalizados).

Nesse gráfico, podemos notar aceleração na taxa de desemprego mensalizada, fruto da combinação de forte queda da população ocupada e aumento no número de pessoas desocupadas (alta de quase 15% na série mensalizada) em janeiro de 2021. A taxa de desemprego, que estava girando em torno de 12,9% entre março e maio de 2020, contida em parte pelo aumento expressivo do número de pessoas que estavam fora da força de trabalho, saltou para 14,7% em agosto de 2020, a maior taxa observada na série histórica mensalizada.[7] Desde então, foi possível observar ligeira desaceleração, de modo que, entre setembro e dezembro do ano passado, a taxa de desocupação passou de 14,6% para 14,1%. Em janeiro de 2021, no entanto, a taxa de desemprego, com base na série mensalizada, atingiu o patamar de 14,5%.

Fizemos também um exercício adicional que consiste em calcular a taxa de desemprego, caso a queda na força de trabalho fosse um pouco menor do que de fato ocorreu, a metade, por exemplo. Mantida a queda de emprego oficialmente divulgada, teríamos forte alta no número de desempregados no Brasil, levando a taxa de desemprego para patamares nunca antes observados, chegando a 18,9% em agosto de 2020, e desacelerando até janeiro deste ano (16,9%). Esse exercício simples ajuda a entender os motivos pelos quais a taxa de desemprego não avançou tanto mesmo com a pandemia. No entanto, é possível que vejamos aumentos mais fortes na taxa de desemprego nos próximos meses, à medida que as pessoas comecem a procurar emprego e haja uma confirmação do processo de normalização da força de trabalho no Brasil.

Enfim, os dados apresentados neste artigo mostram as principais causas que levaram ao esgotamento do mercado de trabalho desde o início da pandemia do coronavírus. Vimos que a queda de emprego foi generalizada, atingindo os principais setores da economia, em especial a indústria e os serviços, bem como as ocupações informais. Além disso, notamos um aumento na taxa de desemprego em 2020.

Referência

Hecksher, Marcos. Valor Impreciso por Mês Exato: Microdados e Indicadores Mensais Baseados na PNAD Contínua. Nota Técnica 62. IPEA. 2020.

Relatório de Inflação. Estimativa para dados “mensalizados” da PNAD Contínua. Volume 22, nº 2. Banco Central do Brasil. 2020.


[1] Neste modelo define-se uma equação de sinal: Xt = (xt + xt-1 + xt-2)/3 e uma equação de estado: xt = xt-1 + stocht, onde stocht = ?.stocht-1 + ?t , ?~N(0, ?). Nessa equação, ? e ? são parâmetros estimados pelo modelo e x é a série mensalizada resultante. Vale destacar que as estimativas mensais dos indicadores da Pnad Contínua são mais imprecisas do que as estimativas trimestrais, mas, dada a relevância do atual cenário de elevada incerteza, faz-se necessário o esforço de desenvolvimento de técnicas que possam capturar os impactos mensais da pandemia no mercado de trabalho brasileiro.

[2] Vale ressaltar que os resultados observados, entre março e julho, na série de emprego que considera a média móvel trimestral foram atenuados devido à inclusão de meses em que a população ocupada havia crescido de forma mais robusta ou caído menos. Nessa série original, por exemplo, houve baixo crescimento do emprego em março de 2020, algo próximo a 0,4%, em relação ao mesmo trimestre móvel do ano anterior, e quedas de 3,4%, 7,5%, 10,7% e 12,3% em abril, maio, junho e julho, respectivamente. Já no trimestre móvel terminado em janeiro de 2021, a queda do emprego foi de 8,6%, quando comparada com o trimestre móvel terminado em janeiro de 2020. No ano de 2020, o recuo do emprego no Brasil foi de 7,9%.

[3] No setor de serviços e na construção civil, a taxa de informalidade foi, em 2020, próxima de 36,5% e 68,3%, respectivamente.

[4] Consideramos como informais os trabalhadores que trabalham sem carteira assinada, os que trabalham por conta própria sem CNPJ, os empregadores sem CNPJ e o trabalhador familiar auxiliar.

[5] Veloso, Matos e Peruchetti (2020) detalharam o comportamento do emprego informal e formal, bem como sua contribuição para o crescimento do emprego ao longo das recessões, desde meados da década de 1990. Os autores concluíram que o padrão recente de recuperação do mercado de trabalho, caracterizado pelo aumento expressivo da informalidade, é diferente do verificado em outros períodos de recuperação da economia. Para maiores detalhes acesse o texto no link: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/padrao_de_recuperacao_do_emprego_apos_a_ultima_recessao_e_sua_relacao_com_a_produtividade_do_trabalho_final_16032020.pdf

[6] Em particular, enquanto  no emprego informal houve redução de 12,6% em 2020, no emprego formal ocorreu queda de 4,2%. Em artigo recentemente publicado no Observatório da Produtividade Regis Bonelli, Veloso, Matos e Peruchetti (2021) mostraram que, além dos informais, as maiores perdas de emprego no ano de 2020 se concentraram entre os trabalhadores de baixa escolaridade, com redução de 20,6% e 15,8% no emprego de pessoas com até 3 anos de estudo e entre 4 e 7 anos de escolaridade, respectivamente. Por outro lado, houve em 2020 um aumento de 4,8% no emprego de pessoas com 15 anos ou mais de estudo. O estudo completo pode ser acessado pelo link: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/indicadores_trimestrais_de_produtividade_do_trabalho_-_4t2020_-_final.pdf

[7]Entre março de 2020 e janeiro de 2021, a taxa de desemprego no conceito de média móvel trimestral foi de: 12,2%, 12,6%, 12,9%, 13,3%, 13,8%, 14,5%, 14,6%, 14,3%, 14,1%, 13,9% e 14,2%, respectivamente.

Esta é a seção Em Foco do Boletim Macro Ibre de abri/2021

As opiniões expressas no documento no link são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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