Algumas considerações sobre produtividade e desenvolvimento (parte I)
O tema “produtividade” ganhou bastante destaque nas últimas semanas no debate econômico doméstico. Além da divulgação de um relatório da OCDE específico sobre o Brasil e de outro do Banco Mundial, também veio à tona excelente entrevista de Fernando Velloso à revista Conjuntura Econômica sobre esse tema.
Nesse contexto, meu objetivo na sequência de posts que se inicia com este é o de oferecer uma pequena contribuição a esse debate, levando em conta alguns estudos que já apresentei internamente no IBRE/FGV e que são um subproduto da agenda de estimação do PIB potencial/hiato do produto. Para facilitar a vida do leitor, vou evitar textos muito longos. Assim, irei dividir as postagens em três ou quatro partes.
Nesta primeira parte, vou focar mais na apresentação de dados históricos, lançando mão de uma base relativamente recente, a BCL Database. Os autores são três economistas do Banco da França, que construíram essa base para realizar um estudo muito interessante divulgado há uns dois anos pela OCDE, tentando reduzir um pouco a "ignorância" resumida na Produtividade Total dos Fatores observada ("resíduo de Solow"). Eles fizeram alguns exercícios buscando controlar pela qualidade do capital (por meio de estimativas da vida média do estoque de capital), da mão-de-obra (educação, mas apenas em termos quantitativos, sem usar medidas de qualidade, como o PISA) e também para duas grandes GPTs (General Purpose Technologies), energia elétrica e tecnologias de informação.
Tal base, além de ser bastante recente (foi divulgada em agosto do ano passado e pode ser acessada aqui), permite, para o caso brasileiro, realizar uma análise desde 1870 – uma vantagem imensa em relação às bases mais conhecidas, como as Penn World Tables (PWTs) e a Total Economy Database (TED) do The Conference Board, cujos dados se iniciam por volta de 1950. A principal desvantagem da BCL é que, até o momento, ela cobre apenas 23 países (Brasil inclusive). O gráfico abaixo compara alguns agregados macroeconômicos brasileiros em relação aos EUA, nos últimos 150 anos.
Como pode ser notado, o PIB per capita brasileiro, que chegou a equivaler a 30% do PIB dos EUA entre 1870 e 1880, afundou ainda no final do século XIX (a crise do Encilhamento, com uma queda de cerca de 25% do PIB per capita em 3 anos, configurou a pior recessão brasileira nesse período de cerca de 150 anos), chegando a cerca de 15% no início do século XX. Esse percentual se manteve, com algumas oscilações geradas pela Grande Depressão dos anos 1930 e pela II Guerra Mundial, até o início dos anos 1950. Ao longo das três décadas seguintes, o PIB per capita brasileiro avançou consideravelmente, sobretudo durante o regime militar, atingindo cerca de 25% do norte-americano no final dos anos 70. Ao longo dos anos 80, voltamos a retroceder, atingindo um “fundo do poço” de cerca de 17% em meados dos anos 2000. Dali em diante, voltamos a ganhar um pouco em relação aos EUA, chegando nos 22%-23%, mas a recessão de 2014-16 nos levou de volta aos 20%.
Notem, ainda com base no gráfico acima, que o PIB per capita e a Produtividade do Trabalho (Produto dividido pelo número total de horas trabalhadas) caminharam relativamente juntos desde o início do século XX (ambos em porcentagem daqueles dos EUA). Logo, boa parte da diferença entre o PIB total norte-americano e o brasileiro não pode ser atribuída à demografia e à oferta de mão-de-obra (combinação entre a taxa de atividade – PEA/PIA –, a taxa de desemprego de equilíbrio e a jornada média) e sim à produtividade do trabalho.
Sabemos, a partir de uma simples manipulação algébrica de uma função de produção do tipo Cobb-Douglas, que a Produtividade do Trabalho pode ser descrita como uma combinação da relação Capital/Trabalho e da Produtividade Total dos Fatores (PTF). Tendo isso em mente e voltando ao gráfico acima, é interessante notar que, em termos relativos, estamos piores no primeiro condicionante do que no segundo: embora a relação Capital/Trabalho tenha se elevado bastante ao longo de boa parte do século XX, ela praticamente se estagnou em algo próximo dos 18% dos EUA a partir dos anos 1980; já a PTF brasileira oscilou em torno de 35% da norte-americana durante boa parte do período 1890-2016, chegando a “ensaiar” patamares mais elevados, na faixa de 40-45%, durante algumas décadas no começo do século XX e durante boa parte da década de 1970.
Algo que sempre me incomodou nesse tipo de análise é que os EUA são sempre considerados como sendo o exemplo a ser seguido. De fato, a economia daquele país parece ser a principal referência em termos de eficiência econômica quando se observam diversos indicadores. Não obstante, crescimento econômico não é sinônimo de desenvolvimento econômico/social, o qual depende também de aspectos como equidade, longevidade/saúde, liberdade de expressão/política, tempo de lazer, dentre outros. E muitas vezes emerge um trade-off entre reformas que tendem a elevar a eficiência e outras que buscam atacar essas outras dimensões do desenvolvimento econômico, como aponta estudo recente de economistas do FMI.
E se a referência for dada por um país que aparentemente combinou melhor as dimensões eficiência e equidade, ambas importantes quando se fala de bem-estar e estabilidade política? O gráfico abaixo sugere que a França parece ser um referencial interessante, já que a renda per capita dos adultos que estão no grupo que engloba os 50% mais pobres da população quase dobrou entre o início dos anos 1970 e agora, ao passo que, nos EUA, o adulto “mediano” viu sua renda real ficar virtualmente estagnada nesse período de quase 50 anos. Vale lembrar que a Produtividade do Trabalho francesa equivalia a 98% da norte-americana em 2016 – ou seja, praticamente iguais. Assim, o PIB per capita francês – “apenas” 72% do norte-americano – é mais baixo por conta da demografia menos favorável e da menor oferta de mão-de-obra (jornada média mais baixa, desemprego de equilíbrio mais elevado etc.).
Uma outra dimensão do desenvolvimento econômico que não é captada muito bem pelas comparações apresentadas no primeiro gráfico, acima, é aquela associada à sustentabilidade ambiental. O gráfico abaixo aponta que a enorme eficiência econômica dos EUA, medida a partir das Contas Nacionais, esconde um custo relativo maior em termos “intensidade poluidora” (emissões de CO2 por unidade de PIB) do que França e Brasil, para ficar somente nesses três países.
Dito de outro modo: caso os custos com poluição fossem devidamente internalizados, sendo descontados do Valor Adicionado (= Produção menos Consumo Intermediário), a produtividade calculada dos EUA seria muito mais “penalizada” do que aquelas de França e Brasil. Vale notar que já há mercado hoje para emissões de carbono em algumas regiões do globo (como Canadá e Europa), com cotações próxima de US$ 5 a 10/tonelada. Caso os novos protocolos ambientais sejam cumpridos, alguns analistas apontam que esse preço pode chegar a até US$ 50 nos próximos 10/15 anos.
Um novo índice lançado pelo Fórum Econômico Mundial, “The Inclusive Development Index”, IDI, confirma essas impressões na comparação EUA vs França: o primeiro aparece em 23º no ranking, com uma nota de 4,6 (entre 1 e 7), ao passo que o segundo está em 18º, com nota 5,1. O primeiro no ranking, a Noruega, tinha uma nota de 6,1, ao passo que o Brasil está com 3,9.
Esse indicador leva em conta 15 aspectos diferentes em sua construção, tais como: PIB per capita; produtividade do trabalho; nível de emprego; expectativa de vida saudável; renda familiar mediana; índice de Gini (para renda e para riqueza); taxa de pobreza; taxa de poupança; taxa de dependência; dívida pública, em % do PIB; e nível de intensidade de emissões de carbono em relação ao PIB.
Feitas essas considerações, o gráfico abaixo repete o primeiro, mas agora comparando o Brasil à França. Há uma diferença importante em relação à comparação feita com os EUA: o PIB per capita brasileiro equivalia a cerca de 25% do francês no final do século XIX e está, hoje, no mesmo nível (30% e 20% no caso dos EUA, pela ordem). No mais, há semelhanças importantes, como o fato de que estamos relativamente piores na relação capital/trabalho do que na PTF.
Bem, essas são apenas algumas reflexões sobre desenvolvimento econômico. Nos posts seguintes vou focar na PTF brasileira, começando pela sua mensuração, passando pela identificação de alguns de seus condicionantes e chegando, por fim, em exercícios de simulação dos impactos de algumas reformas.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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