Cenários

Causas da desaceleração do crescimento da produtividade

18 mar 2024

Evidências de aumento da concentração sugerem que os ganhos de eficiência talvez não sejam disseminados. Isso indica que políticas de competição serão importantes para reverter a desaceleração do crescimento da produtividade.

Embora ainda não tenham se materializado nos dados, os ganhos potenciais de produtividade decorrentes da inteligência artificial (IA) generativa já afetam de forma significativa o valor de mercado das grandes empresas de tecnologia.

No entanto, as evidências das últimas décadas mostram que, apesar do surgimento de importantes tecnologias, como computação na nuvem, robótica e modalidades prévias de IA, o crescimento da produtividade desacelerou nas economias avançadas.

Um estudo de Ian Goldin e coautores da Universidade de Oxford publicado recentemente no Journal of Economic Literature (“Why is Productivity Slowing Down?”) faz uma análise minuciosa das possíveis causas da desaceleração do crescimento da produtividade nos Estados Unidos e outras economias desenvolvidas (França, Alemanha, Japão e Reino Unido).

Entre os períodos 1996-2005 e 2006-2017, o crescimento da produtividade por hora trabalhada nos Estados Unidos desacelerou de 2,6% ao ano (a.a.) para 1% a.a., uma redução de 1,6 pontos percentuais (p.p.) a.a.. Nos outros países, a desaceleração também foi significativa, variando de 0,8 p.p. a.a. no Japão a 1,8 p.p. a.a.  no Reino Unido.

Uma possível explicação da desaceleração seria uma piora nos erros de mensuração da atividade econômica decorrentes da dificuldade de captar nos índices de preços as melhorias de qualidade e o surgimento de novos produtos e serviços. Além disso, embora o capital físico intangível (que inclui pesquisa, marketing e design, por exemplo) tenha se tornado cada vez mais importante, sua mensuração no PIB ainda é incompleta.

No entanto, diversos estudos citados por Goldin e coautores mostram que, embora erros de mensuração sejam relevantes, eles não parecem ter aumentado de forma significativa ao longo do tempo. Segundo os autores, sua contribuição para a desaceleração nos Estados Unidos é inferior a 15%.

Para entender as causas da desaceleração, os autores fazem inicialmente um exercício de decomposição do crescimento para contabilizar a contribuição do capital físico (máquinas, equipamentos, estruturas, ativos intangíveis), capital humano (escolaridade e experiência) e produtividade total dos fatores (PTF).

A análise revela que a redução na acumulação de capital físico e no crescimento da PTF foram os principais fatores responsáveis pela desaceleração do crescimento da produtividade por hora trabalhada. Nos Estados Unidos, por exemplo, a PTF contribuiu com 56% da desaceleração, enquanto o capital físico foi responsável por 44%. Embora importante para o crescimento, o capital humano teve crescimento estável ao longo de todo o período, não contribuindo, portanto, para a desaceleração pós-2005.

Em seguida, os autores examinam várias razões para o menor crescimento do capital e da PTF no período 2006-2017. Embora a desaceleração do crescimento da produtividade tenha iniciado antes da crise financeira internacional de 2008, essa última contribuiu para a queda do investimento nas economias avançadas nos anos seguintes. Segundo os autores, a crise financeira foi responsável por cerca de metade da queda na acumulação de capital físico nos Estados Unidos.

A desaceleração do comércio internacional na última década, por sua vez, contribuiu para a redução do investimento e da taxa de crescimento da PTF. Essa última pode ter sido afetada por diversos canais, como uma diminuição de ganhos de especialização e redução da disseminação de tecnologia por meio da importação de máquinas e equipamentos.

Uma causa mais importante da desaceleração do crescimento da PTF, no entanto, foi a redução expressiva na eficiência alocativa das economias avançadas. De fato, vários estudos documentam uma queda no dinamismo econômico nas últimas duas décadas, com menor criação e saída de empresas do mercado, além de aumento da concentração e das margens de lucro, principalmente nos Estados Unidos.

O aumento da concentração não é necessariamente negativo para a produtividade, desde que seja consequência da expansão de empresas mais produtivas que se beneficiam de retornos crescentes de escala. No entanto, caso a maior concentração reflita a criação de barreiras à entrada de novos competidores, o impacto na produtividade tende a ser negativo.

Os dois efeitos parecem estar presentes nas economias avançadas. Um estudo de Thomas Philippon, por exemplo, encontra efeitos positivos da concentração na produtividade durante a década de 1990 e impactos negativos desde o início dos anos 2000. Segundo Goldin e coautores, a perda de eficiência alocativa foi responsável por cerca de 42% da desaceleração do crescimento da PTF nos Estados Unidos.

Outra possível causa da desaceleração do crescimento da PTF é o fato de que existe uma defasagem temporal entre o surgimento de uma tecnologia e seu efeito na produtividade, especialmente no caso de tecnologias que afetam a economia de forma profunda e disseminada, conhecidas como general purpose technologies.

Essas inovações exigem mudanças profundas na forma de organização das empresas e no ambiente regulatório para que seu potencial seja plenamente explorado. De fato, tanto a eletricidade como os computadores levaram décadas para serem integralmente incorporados ao processo produtivo e terem impactos significativos na produtividade. É possível que o mesmo fenômeno tenha ocorrido desde 2005 e que eventualmente os ganhos de produtividade de novas tecnologias, como IA, se materializem.

No entanto, as evidências de aumento da concentração sugerem que existe o risco de que os ganhos de eficiência não sejam disseminados na economia, o que reduziria seu impacto agregado. Isso indica que políticas de aumento da competição provavelmente serão importantes para reverter o processo de desaceleração do crescimento da produtividade.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 15/03/2024.

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