Macroeconomia

Dificuldades do arcabouço fiscal

2 mai 2023

O problema central do arcabouço é que ele não assegura a estabilidade da dívida pública. O projeto também acaba com a obrigatoriedade de cumprimento das metas de resultado primário, o que precisa ser alterado pelo Congresso. 

Após intensa discussão na mídia, o governo apresentou recentemente o projeto de lei complementar que cria o arcabouço fiscal que substituirá o teto de gastos, conforme previsto na PEC da Transição (Emenda Constitucional 126/22). Também foi enviado ao Congresso o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024.

Vários analistas já se debruçaram sobre diversos aspectos da regra fiscal e outros dispositivos do projeto de lei e do PLDO. Neste artigo vou me concentrar nos pontos que considero mais importantes.

Em primeiro lugar, é preciso levar em consideração que o ponto de partida é bastante desfavorável por decisão do atual governo, que obteve uma autorização do Congresso para aumentar as despesas em 2023 em cerca de R$ 200 bilhões com a PEC da Transição. Como discuti neste espaço naquela ocasião (“PEC da Transição: Transição para Onde?”), esta elevação era excessiva e colocaria a dívida em trajetória de forte aumento nos próximos anos.

A PEC apresentada pelo Senador Tasso Jereissati teria sido uma alternativa muito melhor para conciliar responsabilidade social com responsabilidade fiscal. A PEC propunha uma expansão de R$ 80 bilhões no limite das despesas primárias do Poder Executivo para 2023, que seria incorporada definitivamente ao teto de gastos nos anos seguintes. Com este montante seria possível elevar o valor básico do Bolsa Família para R$ 600 e dar um aumento real de 1,4% do salário mínimo, além de recompor despesas sociais subestimadas na proposta orçamentária, como Merenda Escolar e Farmácia Popular. Além disso, seria compatível com a estabilização da dívida em meados da década, seguida de queda nos anos seguintes.

Diante da aprovação da PEC da Transição, minha avaliação era de que “parece pouco provável que, diante do apetite por mais gastos demonstrado pelo governo eleito e pelo Congresso, venha a ser aprovada uma regra fiscal que represente um aprimoramento do teto de gastos.”

De fato, o problema central do arcabouço é que ele não assegura a estabilidade da dívida pública como proporção do PIB ao longo do tempo. Em particular, as metas de resultado primário propostas (-0,5% do PIB em 2023, 0% em 2024, 0,5% em 2025 e 1% em 2026, com intervalo de tolerância de 0,25 pontos percentuais para cima ou para baixo) são inferiores ao superávit mínimo necessário para estabilizar a dívida, de cerca de 1,5% do PIB.

Além disso, a regra que limita o crescimento real da despesa de um ano a 70% do aumento real da receita do ano anterior (ou a 50% do aumento da receita caso a meta de resultado primário não tenha sido atingida no ano anterior) é insuficiente para que sejam atingidas as metas propostas de resultado primário.

Isso é agravado pelo fato de que o teto de 2,5% estabelecido para o crescimento real da despesa é muito elevado, superando o crescimento médio do PIB no passado recente. Além disso, o crescimento real da despesa não será inferior a 0,6%.

A esse respeito, Gabriel Hartung e Mario Carvalho levantam um ponto importante em artigo divulgado no Blog do IBRE, que é o fato de que a combinação da nova regra fiscal com a elevada volatilidade do PIB brasileiro pode criar dificuldades adicionais para a sustentabilidade fiscal. A razão é que a despesa real irá aumentar 0,6% mesmo quando a receita crescer pouco ou tiver queda. Isso aconteceu com certa frequência na última década e provavelmente continuará a acontecer nos próximos anos, especialmente se a solvência das contas públicas não estiver assegurada.

Para que as metas de resultado primário sejam atingidas, será necessário um grande aumento da receita. Em artigo recente, Marcos Lisboa, Marcos Mendes e coautores estimam que seria necessária uma elevação da receita líquida do governo em pelo menos 2 pontos percentuais do PIB até 2027.

Os autores apontam ainda que existe uma incompatibilidade entre as regras do arcabouço e a promessa do governo de oferecer aumentos reais do salário mínimo e dos vencimentos dos servidores, além de restabelecer a vinculação das despesas de saúde e educação com a receita. A consequência será uma compressão insustentável de despesas importantes que não estão indexadas ou vinculadas a receitas, ou o descumprimento das metas de resultado primário.

Além das dificuldades apontadas, o projeto de lei complementar enviado ao Congresso tem problemas adicionais. Por exemplo, o cálculo da variação de receitas reais que condiciona o aumento das despesas é inadequado e pode levar a um forte aumento de gastos ano que vem. O mais grave é alteração de dispositivos fundamentais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Em particular, o projeto acaba com a obrigatoriedade de cumprimento das metas de resultado primário e a necessidade de contingenciamento em caso de risco de descumprimento.

Será muito importante que o Congresso restabeleça a governança da LRF e estabeleça metas de resultado primário e parâmetros de crescimento das despesas e receitas que sejam compatíveis com a sustentabilidade das contas públicas.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 28/04/2023.

Comentários

Fábio
Em suma o País estará a caminho de uma situação pior do que foi deixada de Dilma. O Brasil é o país das oportunidades perdidas.

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