Cenários

Fatores condicionantes do impacto das reformas

4 mar 2024

Os efeitos das reformas sobre a produtividade dependem de outros determinantes, como a escolaridade e a eficiência do sistema judicial. Vamos precisar progredir nessas dimensões para que as reformas tenham o impacto desejado.

Tenho discutido neste espaço vários aspectos de um survey da literatura sobre reformas e crescimento da produtividade no Brasil (“Productivity and Growth in Brazil”) que divulguei recentemente no Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE (disponível em aqui).

Embora as pesquisas mostrem que várias reformas implementadas desde a década de 1990 tiveram efeitos positivos sobre a produtividade e outras medidas de desempenho econômico, as evidências indicam que seus efeitos foram mitigados por distorções que permaneceram ou foram criadas, como subsídios creditícios, isenções tributárias para setores específicos e políticas de conteúdo local.

Neste artigo vou discutir evidências de que deficiências em outros determinantes da produtividade, como escolaridade, gestão empresarial e sistema judicial, também podem ter diminuído o impacto das reformas sobre a produtividade.

Um estudo de Gabriel Ulyssea mostra que apenas 9,3% das firmas informais no Brasil são mantidas fora da formalidade devido aos altos custos regulatórios. Uma proporção significativa (41,9%) consiste em firmas informais que são produtivas o suficiente para sobreviver no setor formal, mas optam por permanecer informais para não ter que pagar impostos e cumprir obrigações regulatórias. A maior proporção de firmas informais no Brasil (48,8%) corresponde a firmas que são improdutivas demais para se tornarem formais.

Essas estimativas indicam que os efeitos potenciais de políticas de formalização focadas na redução dos custos de entrada no setor formal são provavelmente limitados. Por outro lado, políticas de capital humano (escolaridade e gestão empresarial) que aumentem as competências dos empreendedores informais podem ter efeitos significativos. Além disso, políticas de fiscalização podem ser bastante efetivas, ao coibir a possibilidade de que firmas improdutivas sobrevivam graças ao descumprimento da legislação.

A abertura comercial da década de 1990 oferece outro exemplo da interação entre reformas e capital humano. Estudos mostram que a liberalização comercial elevou de forma significativa a produtividade da indústria de transformação. Além disso, existem evidências de que a importação de máquinas e equipamentos foi um mecanismo importante de absorção de tecnologia.

No entanto, em vez de serem contratados pelas empresas mais produtivas que se beneficiaram da abertura, muitos trabalhadores que perderam seus empregos migraram para serviços de baixa produtividade, informalidade ou desemprego.

Segundo um estudo de Rafael Dix-Carneiro, a dificuldade de realocação de trabalhadores para atividades orientadas para a exportação no Brasil está associada a custos elevados de ajustamento. Em particular, os trabalhadores mais velhos, com menor escolaridade e as mulheres enfrentam barreiras elevadas à mobilidade entre setores.

A implementação da Lei de Falências, por sua vez, evidencia a importância do sistema judicial para que a reforma atinja seus objetivos. A legislação reforçou a proteção dada aos credores, aumentando a sua ordem de prioridade no recebimento dos recursos e permitindo-lhes participar ativamente no processo de recuperação. Existem evidências de que a Lei de Falências reduziu o custo da dívida e aumentou o montante da dívida total e de longo prazo no Brasil.

No entanto, um estudo de Jacopo Ponticelli e Leonardo Alencar mostra que existe grande heterogeneidade na aplicação da lei. As empresas que operam em municípios com varas judiciais menos congestionadas por um alto volume de processos experimentaram uma expansão no uso de empréstimos com garantia, bem como um aumento no investimento e no valor da produção nos anos após a reforma.

As decisões judiciais de falência também são frequentemente influenciadas pelo objetivo de preservar o emprego em empresas em dificuldades financeiras. Um estudo de Aloisio Araujo e coautores mostra que isso acaba sendo prejudicial aos próprios trabalhadores dessas empresas, que apresentaram rendimentos 4,5% mais baixos três a cinco anos após o pedido de recuperação judicial.

O Judiciário também afeta a eficácia de outras reformas do mercado de crédito. As pesquisas mostram que a falta de garantias adequadas é um dos principais fatores que explicam nosso elevado spread bancário. Várias reformas do mercado de crédito nos anos 2000, como alienação fiduciária, crédito consignado e Lei de Falências, aprimoraram o uso de colateral, o que reduziu as taxas de juros para indivíduos e empresas.

A aprovação do novo marco de garantias no ano passado representou um passo positivo nessa direção, ao viabilizar a retomada extrajudicial de garantias em caso de inadimplência no pagamento de um empréstimo. Esse dispositivo foi vetado pelo presidente, sob a alegação de que a medida é inconstitucional e afetaria os direitos e as garantias individuais. Posteriormente o veto foi derrubado pelo Congresso, mas existe o risco de judicialização, o que pode colocar em risco a eficácia da reforma.

Em resumo, os efeitos das reformas sobre a produtividade dependem de outros determinantes, como a escolaridade, a qualidade da gestão empresarial e a eficiência do sistema judicial. Vamos precisar progredir muito nessas dimensões para que as reformas tenham o impacto desejado.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 01/03/2024.

Comentários

Ana Paula Rocha
Muito interessante as questões levantadas pelo artigo, mas gostaria de saber como foram feitas as estimativas citadas. Quais dados foram utilizados para os cálculos apresentados? Grata Ana Paula Rocha

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