Macroeconomia

Revisitando o cenário econômico pós-pandemia

7 ago 2023

A incerteza teve queda significativa nos últimos quatro meses, refletindo uma melhoria do ambiente de estabilidade política e fiscal. Caso o avanço dos últimos meses tenha continuidade, o crescimento econômico pode acelerar. 

Em maio de 2020, analisei as perspectivas para o cenário econômico pós-pandemia no Brasil. Depois de mais de três anos de mudanças intensas no Brasil e no mundo, parece um bom momento para revisitar essa discussão à luz das novas informações.

Minha avaliação era que, diante da perspectiva de um nível de incerteza no período pós-pandemia ainda mais elevado que o que prevaleceu desde 2015, provavelmente teríamos um cenário de baixo crescimento, informalidade elevada e produtividade em queda, como ocorreu entre 2017 e 2019.

Dentre as razões para acreditar que a incerteza permaneceria elevada, enumerei riscos referentes à situação fiscal, ao ambiente de negócios e de natureza política. Em particular, manifestei preocupação com a sustentabilidade das contas públicas após a grande expansão de gastos para conter os efeitos da pandemia e com a turbulência política decorrente dos conflitos frequentes de Bolsonaro com o Legislativo e o STF.

Também citei a possibilidade de piora do ambiente de negócios caso fossem aprovados vários projetos que, sob o pretexto de combate à pandemia, interferiam em preços e contratos privados, ressuscitando intervenções no mercado que tiveram consequências econômicas desastrosas no passado.

O retrocesso do ambiente de negócios felizmente acabou não se confirmando. Ao contrário, ocorreram avanços importantes desde 2020, como a aprovação do novo marco regulatório do saneamento, privatização da Eletrobras, melhorias legislativas na área de infraestrutura e autonomia do Banco Central.

Mas o teto de gastos foi inviabilizado após sucessivas excepcionalizações de natureza populista e a aprovação da PEC da Transição no final do ano passado. A instabilidade política também não deu trégua, culminando em um processo eleitoral muito polarizado e uma transição de governo bastante turbulenta.

O início do governo Lula foi pouco promissor no sentido de endereçar essas dificuldades. Além da baixa preocupação com a contenção do crescimento dos gastos públicos evidenciada na PEC da Transição, o novo governo deixou clara sua intenção de reverter várias reformas aprovadas recentemente pelo Congresso. Também não houve inicialmente nenhuma preocupação no sentido de articular uma maioria sólida no Congresso e reduzir a instabilidade política.

Passados sete meses, no entanto, houve progresso nessas dimensões. Embora o novo arcabouço fiscal dependa excessivamente do aumento de receitas e não seja suficiente para estabilizar a trajetória da dívida pública, ele evita um colapso imediato e pode assegurar alguma previsibilidade até o final do mandato.

Em relação às reformas, o governo e o Legislativo tiveram o grande mérito de aprovar a PEC da reforma tributária na Câmara dos Deputados, que pode contribuir de maneira significativa para aumentar a produtividade da economia. Além disso, o Legislativo teve atuação decisiva no sentido de evitar reversões de reformas fundamentais, como a do novo marco regulatório do saneamento.

Como evidenciado pelos avanços na tramitação de projetos importantes do governo, a articulação entre Executivo e Legislativo melhorou consideravelmente. Dependendo do resultado das negociações com o Centrão em torno da reforma ministerial, o governo pode obter uma maioria confortável no Congresso.

Como observou esta semana o cientista político Carlos Pereira em sua coluna no Estadão, seria a coalizão com maior número de partidos e ideologicamente mais heterogênea da história do presidencialismo multipartidário brasileiro. Diante das dificuldades de coordenação e falta de identidade programática dos partidos envolvidos, é difícil saber se essa coalizão vai funcionar de forma coesa. Mas, como resume Pereira, seria uma volta ao “business as usual” do jogo do presidencialismo multipartidário, o que pode assegurar alguma estabilidade política nos próximos anos.

Esses avanços recentes parecem estar sendo captados pelo Indicador de Incerteza da Economia Brasil (IIE-Br) do FGV IBRE. Com início em janeiro de 2000, o IIE-Br é padronizado de modo a ter média 100 e desvio-padrão 10 no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2015. Em setembro de 2015, quando o Brasil perdeu o grau de investimento da Standard & Poor´s, o IIE-Br saltou para 136,8, e se manteve em média em torno de 115 até o início de 2020. Com a eclosão da pandemia, o IIE-Br atingiu em abril de 2020 o patamar mais alto da série histórica (210,5).

Embora tenha tido uma redução expressiva na medida em que os efeitos da crise sanitária diminuíram, em março deste ano o indicador ainda se encontrava em nível elevado (116,7). No entanto, nos últimos quatro meses houve uma queda significativa, fazendo com que o IIE-Br atingisse 103,5 em julho, o que representa o menor nível desde novembro de 2017.

Como tenho argumentado neste espaço, as reformas aprovadas nos últimos anos têm o potencial de aumentar a produtividade, desde que seja assegurado um ambiente de estabilidade política e fiscal. Caso o avanço nessas dimensões verificado nos últimos meses tenha continuidade, existem oportunidades promissoras para acelerar o crescimento econômico.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 04/08/2023.

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