Foco no prêmio (de risco): transformando potencial em desenvolvimento sustentável
Potencial brasileiro em energia renovável é imenso nas tecnologias já viáveis, e o país é excelente candidato para as que virão, como hidrogênio de baixo carbono e eólicas offshore. Mas custo de capital elevado é entrave.
Em evento realizado na Fundação Getulio Vargas, no dia 30 de novembro, o deputado Fernando Coelho Filho falou que a aprovação da reforma do setor elétrico deve ficar para a próxima legislatura. Essa posição se alinha ao pleito das equipes de transição do governo eleito, de evitar decisões irreversíveis no fim desse mandato. Mauricio Tolmasquim, integrante formal do time de energia, que falou na sequência, enfatizou esse princípio.
Ainda que haja (mais) tempo para a aprovação da reforma, ele não é longo. Melhor aproveitar essa janela de oportunidades para pensar políticas e regulação adaptadas para acelerar uma transição energética justa. E refletir sobre o que faz um processo dessa natureza efetivo. Nesse artigo, abordo o tema sob a lente de desenvolvimento.
A transição energética não é um fim em si mesma. É antes um meio para atendimento dos objetivos de neutralidade climática – abraçados por países nos quais vivem mais de 90% da população mundial. Deve, portanto, ser desenhada e gerenciada sob uma perspectiva mais ampla, na qual energia é vetor de desenvolvimento. E que demanda um caráter inclusivo.
No caso brasileiro, a narrativa é alvissareira: nosso potencial para energia renovável é imenso nas tecnologias já viáveis. Somos também excelentes candidatos para as que virão, a exemplo do hidrogênio de baixo carbono e das eólicas offshore.
Segundo avaliação da Bloomberg New Energy Finance, o custo nivelado de produzir hidrogênio no Brasil é o menor dentre uma amostra relevante de 29 países, variando de US$ 1,50 a US$ 3,37/kg. Essa vantagem se explica em grande parte pelo alto fator de capacidade da geração eólica onshore. Além do mais, contamos aqui com melhor infraestrutura comparativamente ao Chile, o segundo colocado, no qual o custo nivelado se situa no intervalo de US$ 2,24 a US$ 4,52/kg.
Mas se nossa dotação de recursos é inegavelmente vantajosa, os custos de capital aqui são relativamente maiores. Mesmo que a irradiação solar seja relativamente mais favorável e estável em certas regiões do país, e a qualidade dos ventos seja fator de destaque no onshore, os mercados de capitais podem reverter essas vantagens comparativas.
Os custos de capital no Brasil são maiores do que em alguns pares emergentes, como Índia, Indonésia, México e África do Sul. Esses são os resultados do Observatório do Custo de Capital, recentemente lançado pela Agência Internacional de Energia (IEA). O dashboard estima custos de acesso a financiamento para um projeto solar de 100 MW e uma central de geração a gás natural de 250 MW.
Na disputa por atrair capital, que é abundante, nossa posição na largada já não é tão boa. Em seu artigo na edição de dezembro da Finance and Development, do FMI, Ricardo Haussman destaca o impacto da boa governança das instituições e do adequado gerenciamento macroeconômico na determinação do custo de capital. E aqui novamente não vamos muito bem: no observatório da IEA, o risco regulatório aparece como maior fator a explicar o prêmio de risco.
Apesar de nossa dotação favorável de recursos, a combinação com custo de capital elevado e fragilidade das instituições resulta em uma conta salgada para os usuários. O efeito líquido é ainda mais perverso diante do quadro de aumento da pobreza no país. Nossos dados mostram que no terceiro decil de renda, em que se situam famílias provavelmente não beneficiadas pela Tarifa Social de Energia Elétrica – ou seja, que pagam tarifa cheia –, a esmagadora maioria dos consumidores nos estados do Norte e Nordeste compromete mais de 6% da sua renda (threshold na literatura de pobreza energética) para consumir 100 kWh/mês. Esse patamar é aquele associado a um nível de consumo “decente”. Mais ainda, metade das famílias no Amazonas e no Rio de Janeiro comprometem mais de 5% da sua renda disponível com a fatura de eletricidade (dados do FGV CERI Affordability Dashboard). E não tem bala de prata que resolva esse problema: apenas desenho e avaliação cuidadosa de políticas com foco nos grupos que demandam proteção social.
Ricardo Haussman enfatiza a importância de fazer apostas e gerenciar riscos tecnológicos. A elevada incerteza na corrida tecnológica pelas energias limpas ainda oferece boas oportunidades para mais participantes do que o tradicional grupo da OCDE. Mas dentre as economias emergentes, apenas a China aumentou investimentos e financiamento a tecnologias de energia limpa desde o Acordo de Paris, em 2015. Nas demais, os fundos públicos são (crescentemente) escassos e as políticas não articuladas dificultam o acesso a uma boa posição nessa competição. Por isso, o ambiente de incerteza que caracteriza a transição energética requer um olhar ao mesmo tento atento, curioso e aberto de parte dos governos. Bons exemplos vêm de Israel e Singapura, onde há cientistas-chefe integrando as pastas de assuntos econômicos. Ali, a função desses agentes públicos é antecipar mudanças e ajudar a fazer apostas informadas em Pesquisa, Desenvolvimento & Demonstração (PD&D).
Nossa performance na transição para energias limpas e em uma economia descarbonizada precisa ser avaliada sob a lente de desenvolvimento. O país conta com muitas vantagens comparativas: além de uma matriz energética com grande participação de renováveis, a boa dotação de recursos cria espaço para novas apostas tecnológicas em energia limpa. Por outro lado, precisamos enfrentar problemas como elevados custos de capital, dificuldades no ambiente macroeconômico e governança das instituições – que hoje impactam negativamente a capacidade de pagamento de usuários e a equidade. Mas novos desafios criam oportunidades para novos players. Para quem souber enfrentá-los. De modo oportuno.
Esta coluna foi publicada originalmente em 06/12/2022, terça-feira, pelo Broadcast da Agência Estado.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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