Como medir a performance da regulação
Estudo mostra taxas de retorno reguladas maiores que custo de capital em utilities dos EUA, podendo levar a sobreinvestimento em ativo físico. Será que vale para o Brasil, onde preço de setores regulados evolui acima da inflação?
Apesar de algumas experiências anteriores, a mais importante agência pioneira em regulação é a Massachusetts Board of Railroad Commissioners, de Massachusetts, nos Estados Unidos. Estabelecida na segunda metade do século XIX, sua criação é muito fruto do trabalho de Charles Francis Adams, filho e neto de presidentes do país, que redigiu sua legislação, fez lobby por sua criação, e se tornou o primeiro dirigente de comissão reguladora (commissioner) na história dos EUA.
O modelo inaugurado pela agência de Massachusetts já trazia os dilemas que acompanham a regulação até hoje – a determinação de uma taxa de retorno “razoável” ou justa seria sempre permeada por subjetividade. A precisão científica seria sempre uma impossibilidade prática. Como infraestrutura é negócio que envolve investimentos vultosos, o retorno é crucial.
O caso interessante seria quando a taxa de retorno estabelecida pelo regulador fosse maior que o custo do capital, o que em geral acontece. Porém, o resultado desse incentivo é perverso, na forma de um excesso de investimento em ativos físicos na busca de lucros maiores. Esse comportamento ficou conhecido como efeito Averch-Johnson, em prestígio aos autores que primeiro o apontaram.
A preocupação com distorções na determinação da taxa de retorno pelo regulador é tema atual. Na prática, ainda hoje as utilities recuperam custos de capital por meio de taxas de retorno que incidem sobre dívida e capital próprio (equity) aplicadas a seus investimentos. Analisar como evolui esse processo é uma forma de mensurar a performance da regulação no tempo e seus impactos sobre empresas e pessoas.
Em artigo recente, Karl D. Werner e Stephen Jarvis investigam a experiência norte-americana com determinação da taxa de retorno para gás e eletricidade ao longo de quatro décadas. Os autores buscam responder se as companhias reguladas de energia estariam auferindo excessos de retorno sobre capital investido; qual é o efeito desse retorno em relação às decisões de investimento das companhias; e, seu impacto nos custos incorridos pelos consumidores.
Os autores trazem evidências de que, apesar de os custos de capital de ativos arriscados e livre de risco mostrarem queda nesse período, as taxas de retorno das utilities não acompanhou esse movimento. Abriu-se, portanto, um gap, que é crescente. As análises abrangem mais de 3000 processos de determinação de taxas de retorno nesse período. Combinam resultados da regulação com dados econômico-financeiros e de rating das companhias. Seus resultados são de que o retorno sobre equity auferido pelas companhias de energia seria de 0,5 a 5,5 ponto percentual (pp) maior que o custo de capital, dependendo dos benchmarks analisados e das relações históricas consideradas.
Os dados analisados ao longo desse período evidenciam ainda que as taxas de retorno regulado têm comportamento assimétrico: choques positivos geram aumentos dos retornos e preços em velocidade que pode ser duas vezes mais rápida do que as quedas em resposta a choques negativos. Esse fenômeno é conhecido na literatura como “rockets and feathers”. A analogia é que os aumentos de preços ocorrem na velocidade do foguete, mas as quedas são como as de plumas ou penas.
Por fim, os autores estimam que esse excesso de retorno regulado em relação ao capital custa anualmente aos consumidores algo entre US$ 2 bilhões ou US$ 20 bilhões, conforme a referência.
Os resultados encontrados por Werner e Jarvis são coerentes com a preocupação de Charles F. Adams no final do século XIX: a determinação da taxa de retorno para remunerar o capital aplicado em setores regulados é subjetiva. Mas o viés atua em uma direção, o que é coerente com o que apontava Sam Peltzman, de que as companhias reguladas têm mais incentivos e capacidade para influenciar o processo regulatório e obter resultados favoráveis.
Fica a dúvida sobre quais seriam as respostas às três perguntas de Werner e Jarvis para os retornos das empresas de energia por aqui. A evolução dos preços de setores regulados – acima da inflação no período – suscita indagações acerca da performance da regulação no Brasil. Esse tema é ainda mais importante quando se aproxima o término de um conjunto importante de concessões de eletricidade. Como será que tem evoluído as taxas de retorno reguladas relativamente ao retorno requerido sobre o capital? Vamos às contas.
Esta coluna foi publicada originalmente em 31/05/2023, quarta-feira, pelo Broadcast da Agência Estado.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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