Respostas impulsivas e impensadas a eventos climáticos extremos
Há estimativas de que o enterramento total das redes em SP excederia R$ 80 bilhões, o que poderia impactar em mais de 50% as tarifas. Mas essa resposta é errada: enterramento total não é solução suficiente, nem necessária.
No dia 3 de novembro, a região metropolitana de São Paulo foi arrebatada por uma tempestade e ventos que derrubaram mais de 2000 árvores. Além de perda de vidas, houve desabamentos e disrupção no fornecimento de eletricidade na área atendida pela concessionária ENEL SP. O que se sabe com certeza é que esse não é o mais severo dos eventos por vir. Desenvolver resiliência nas redes de eletricidade é tema deste artigo.
Infraestrutura resiliente e inclusiva é tema prioritário em grupos de trabalho em plataformas como G7, G20 e painéis de adaptação a mudanças climáticas. O aumento da severidade e da frequência dos eventos extremos (High Impact Low Frequency, ou HILF em inglês) atrai a atenção e demanda respostas e prevenção, principalmente nas chamadas infraestruturas críticas. Há casos bem-sucedidos, como a experiência da Flórida, onde companhias de eletricidade investiram bilhões de dólares em resposta a furacões que causaram devastação nos anos de 2004 e 2005. Os reguladores demandaram ações que incluíam melhoria no gerenciamento da vegetação, e planos para áreas abrangendo hospitais, escolas e outras infraestruturas críticas. Nos eventos subsequentes, o reestabelecimento do sistema elétrico foi mais rápido, comprovando que os programas foram custo-efetivos.
Tempestades e eventos extremos que devastam redes de eletricidade não são tema novo. A bomba d’água que caiu sobre a serra fluminense no ano de 2011 já tinha levado governo e empresas a buscarem instrumentos para reestabelecer sistemas em resposta. Mas o tempo passou e o assunto caiu na escala de prioridades. Ficaram na memória e nas intenções o aperfeiçoamento do arcabouço da regulação.
O evento de São Paulo reacende o debate na arena política. O prefeito Ricardo Nunes retoma agenda do passada. No melhor estilo Rainha de Copas, da história de Lewis Carroll, ordena: “Enterrem-se as redes”. Em 2005 foi publicada lei municipal obrigando a conversão de redes para cabeamento subterrâneo para todas as companhias prestadoras de serviço público que usavam redes aéreas, principalmente a AES Eletropaulo. A decisão não era factível nem do ponto de vista técnico, nem econômico, nem financeiro. Em parceria com a McKinsey e USP, o FGV CERI desenvolveu proposta implementável para a conversão gradual das redes em uma área que seria o centro estendido. A benção do regulador seria fundamental, pois distribuição de eletricidade não é negócio de restaurante: o investidor pode fazer aquilo que o regulador considera prudente; do contrário, o retorno não vem.
Agora no advento da tempestade – ou no olho do furacão regulatório – surgem estimativas de que o enterramento total das redes excederia R$ 80 bilhões, o que poderia impactar em mais de 50% as tarifas dos usuários. Mas essa resposta é errada: enterramento total não é solução suficiente, nem necessária.
O aumento da resiliência tem método: começa com análise meteorológica que permita simular os eventos climáticos com maior precisão (na medida do possível e com base na ciência); passa por avaliar os efeitos esperados nas redes e estimar os investimentos necessários nas infraestruturas para diminuir sua vulnerabilidade. Os investimentos que se justificam são aqueles que passam na avaliação de custo-benefício. E a cereja do bolo é o regulador reconhecer esses investimentos como prudentes. Não é ciência de foguete. Seguindo melhores práticas, o FGV CERI recentemente finalizou projeto com dois parceiros para a CPFL no âmbito de programa de P&D da ANEEL. O estudo aplica conhecimentos de ciências do clima, engenharia e economia e finanças. Mediante adaptação da regulação, os impactos estimados nas tarifas são modestos e cabem no bolso dos usuários. Tudo sujeito ao regramento regulatório e sugerindo aperfeiçoamentos concretos e factíveis que repercutem positivamente na qualidade da prestação dos serviços.
Riscos e incertezas aumentadas característicos de nosso tempo demandam adaptação e capacidade de antecipação (preparedness) para entregar infraestrutura resiliente e inclusiva. Esse objetivo é uma das prioridades do G20, que o Brasil sedia em 2024. Nada mais razoável que a regulação de eletricidade – a mais desenvolvida do país em infraestrutura, na avaliação da OCDE –, avance para direcionar investimentos que nos preparem para os eventos extremos por vir.
Esta coluna foi publicada originalmente em 14/11/2023, terça-feira, pelo Broadcast da Agência Estado.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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