Energia

Por que não inovar nas concessões de distribuição de eletricidade no Brasil?

8 fev 2024

Leilões de telecomunicações nos EUA na década de 90 e em 2012, que tiveram participação do Nobel Paul Milgron, são bons exemplos de desenho de mecanismo que poderiam ser levados em conta nas concessões de eletricidade no Brasil.

Esta semana o Congresso Nacional retomou seus trabalhos depois do recesso parlamentar. A sessão solene foi realizada em 5 de fevereiro. Temas econômicos devem assumir maior prioridade, como as discussões acerca da Medida Provisória de isenção tributária.

Dois temas importantes para o setor elétrico são uma esperada Medida Provisória das tarifas e a decisão sobre as concessões de eletricidade. No intervalo das atividades no Congresso, o tema andou – ou talvez nem tanto. No dia 24 de janeiro, o Ministro Anastasia levou o assunto ao plenário do TCU. A decisão foi de que a Corte “fará acompanhamento individualizado, por meio de fiscalizações específicas dos processos que resultarão na celebração dos aditivos aos contratos (...)”.

Na prática, os ventos de interesse que sopram do Congresso talvez tenham afetado o ímpeto do TCU. Está certo que uma análise “caso-a-caso” pode ser sensata. Mas a falta de clareza acerca das diretrizes ou critérios de escolha que pautarão as decisões a serem encaminhadas pelo MME machuca ânimos e tende a ser precificada.

No Congresso, o Deputado Bacelar (PL-BA) já manifestou sua intenção de que o tema seja objeto de legislação específica. Mas a análise de sua proposta de PL para as concessões dependeria da aprovação de requerimento de urgência para entrar na pauta do plenário sem passar pelas Comissões. Resumo da história – ainda é grande a incerteza sobre o futuro das concessões. Mas o relógio não para. Passada a hora de decisões sobre o futuro das distribuições de eletricidade.

Não apenas no setor elétrico no Brasil, o futuro das concessões ou atribuições em infraestrutura é meio que atropelado pelo modelito desajustado. Mas há avanços notáveis no desenho de mecanismos e de leilões que têm permitido implementar soluções criativas, superando inclusive amarras legislativas de marcos aprovados no século passado. Esse é o caso do setor de telecomunicações – experiência que discuto sinteticamente aqui.

O desenho dos leilões de telecomunicações ou do espectro de rádio frequência nos Estados Unidos na década de 90 é exemplo seminal de como o conhecimento de desenho de mecanismos pode contribuir para implementar soluções eficientes do ponto de vista alocativo. O mecanismo adotado à época foi um leilão ascendente simultâneo de múltiplas rodadas. Seu emprego viabilizou a atribuição do espectro de rádio frequência naquilo que chegou a ser chamado de o maior de todos os leilões.  Permitiu arrecadar, entre 1994 e 2014, mais de 120 bilhões de dólares a valores nominais. Investimentos vultosos e grandes volumes de capitais foram atraídos, viabilizando uma expansão sem precedentes do setor. E seus ensinamentos percolaram em diversos países na Europa, na Austrália e outros que leiloaram direitos de uso do espectro para o 3G.

Mas o tempo passou e novas tendências começaram a revelar a inadequação entre a alocação pré-existente do espectro e as novas necessidades, fruto do maior uso de banda larga e satélite. Desde o advento do iPhone e a disseminação dos smartphones, a demanda pelo uso só faz aumentar.

Paul Milgrom – economista que recebeu Nobel em economia em 2020 por sua contribuição à economia de leilões e que havia trabalhado na concepção dos leilões da década de 1990 –  foi novamente acionado pela FCC em 2011, antes do Congresso aprovar legislação sobre o tema, em fevereiro de 2012. A tarefa agora era mais desafiadora: para atribuir novas áreas seria necessário liberar algumas estações em uso. O novo leilão deveria realocar licenças para viabilizar novos investimentos sem conflitar com a segurança jurídica característica de ambientes em que há direitos de propriedade bem definidos e transacionáveis – pilar de mercados funcionais.

O problema era (computacionalmente) complexo, com literalmente milhões de restrições.  Seria necessário considerar as interferências do espectro e os direitos daqueles detentores iniciais de licenças – alguns atendendo mercados muito prósperos, outros nem tanto. Também demandaria definir um conjunto de canais a serem liberados em nível nacional, respeitando restrição orçamentária e sem recorrer a recursos do Tesouro dos EUA. As licenças a serem adquiridas não poderiam custar mais do que a receita a ser arrecadada com a realocação.

Para promover as trocas capazes de maximizar o valor a ser gerado, o leilão de incentivos (Incentive Auction, IA) contou com quatro componentes: (i) um leilão voluntário reverso para identificar o conjunto das estações que seriam adquiridas e os preços que seriam pagos; (ii) um leilão forward para vender aquelas que foram negociadas nas porções do espectro liberadas na fase (i); (iii) um plano de reatribuição para designar canais a estações que continuariam no ar; e (iv) um mecanismo de market clearing para definir quantas licenças seriam liberadas.

A combinação de sólidos conhecimentos de econômicos, de otimização e ciências da computação produziu a recomendação de um leilão de incentivos, capaz de maximizar o valor social da atribuição final das licenças. Realizado em 2016 e 2017, o leilão liberou 84 MHz de espectro a serem usados para banda larga e prestação de outros serviços. Os vencedores no leilão reverso da primeira etapa receberam US$ 10 bilhões em troca da liberação de faixas e de seus direitos de uso. Os operadores pagaram US$ 20 bilhões pelas licenças negociadas, o que garantiu saldo de US$ 10 bilhões.

O leilão de incentivos descrito nos parágrafos anteriores levou seis anos entre a contratação inicial de Paul Milgrom pela FCC e o final de sua implementação, em 2017. Mas os trabalhos não se encerraram aí. Na sequência, muitas pesquisas foram feitas para avaliar as escolhas que tinham sido feitas e em que medida poderiam ser melhoradas.

A principal lição que emerge do leilão de incentivos usado para a realocação dos direitos de propriedade do uso de espectro de telecomunicação é que existem, sim, mecanismos capazes de voluntariamente produzir novas atribuições de licenças em mercados já ocupados.  As realocações de direitos podem ser benéficas para incumbentes e entrantes, contribuindo para melhor acomodar novas demandas da sociedade.  

Fiquei me perguntando em que medida seria possível estender o aprendizado de experiências como essa para gerar melhorias no ambiente das concessões de distribuição de eletricidade no Brasil. Pouco provável que haja tempo hábil para boas soluções inovadoras para os 20 contratos a vencer entre 2026 e 2031. Mas certamente vale pensar se há oportunidades de ganhos de eficiência alocativa para as decisões das mais de 30 concessões que vencem a partir da próxima década, talvez pavimentando caminho para reconfiguração das áreas – sem contar as possibilidades na transmissão ou geração.


Esta coluna foi publicada originalmente em 30/1/2024, terça-feira, pelo Broadcast da Agência Estado.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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