Infraestrutura

O papel da engenharia de custos na continuidade das obras de infraestrutura e seus impactos na economia

22 out 2025

Brasil lida com dilema estrutural: a crônica crise das obras públicas paralisadas. Este problema tem um duplo prejuízo, já que estagna bilhões de reais em capital e posterga a entrega de infraestruturas vitais à população.

O DILEMA DO INVESTIMENTO E A CRISE DAS OBRAS PARALISADAS

O investimento em infraestrutura é fundamental para o crescimento econômico e o desenvolvimento social. O efeito multiplicador do investimento em infraestrutura na economia é notório, ampliando a produtividade e a competitividade, otimizando custos logísticos e oportunizando o desenvolvimento sustentável. Além disso, projetos bem-sucedidos contribuem direta e indiretamente na geração de empregos. Estima-se a criação de, em média, 15 novos postos de trabalho para cada megawatt (MW) instalado em energia eólica[1]. No setor de transportes, a relação é ainda mais intensa: cerca de 32 novos empregos são criados para cada milhão de reais investido[2]. Adicionalmente, o aprimoramento do saneamento básico proporciona um retorno de investimento de longo prazo. As evidências demonstram que, além do impacto positivo na saúde, a expansão do saneamento gera melhorias diretas na produtividade, nos índices educacionais e na valorização imobiliária. Reforçando esse argumento, a ONU Água (2015) projeta um retorno de US$ 5 a US$ 28 por dólar investido neste setor em países em desenvolvimento[3].

Em um cenário de pactos globais firmados, a exemplo do Acordo de Paris e da Agenda 2030, a busca por sustentabilidade e resiliência se torna imperativa, demandando um aumento significativo nos aportes financeiros para o atingimento das metas estabelecidas. Neste contexto global, a necessidade de investimento é expressiva: estimativas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), do Banco Mundial e das Nações Unidas indicam que o investimento em infraestrutura, para ser compatível com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o Acordo de Paris, requer um aporte anual de aproximadamente US$ 6,9 trilhões até 2030[4]. Especificamente para a América Latina e o Caribe, a demanda de investimento em saneamento, energia, transportes e telecomunicações totaliza cerca de US$ 2,2 trilhões, exigindo anualmente, no mínimo, 3,12% do Produto Interno Bruto (PIB) da região até o final desta década[5].

Contudo, a efetividade dos investimentos não depende apenas da captação de recursos, mas sim da sua aplicação concreta e exitosa. O Brasil, nesse sentido, lida com um dilema estrutural: a crônica crise das obras públicas paralisadas. Este problema tem um duplo prejuízo, uma vez que estagna bilhões de reais em capital e posterga a entrega de infraestruturas vitais à população[6]. A dimensão deste gargalo é atestada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) que aponta que, até abril de 2025, 50,7% das contratações federais vigentes encontravam-se interrompidas. Esse percentual corresponde a cerca de 11.469 empreendimentos. Os principais setores impactados pelas paralisações são Educação, Saúde, e Infraestrutura e Mobilidade (ver Figura 1).

Figura 1. Obras paralisadas por setor de infraestrutura.

Fonte: Obras paralisadas – TCU. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/paineis-de-informacoes. Acesso em: 19 de out. 2025.

Elaboração dos autores.

O custo financeiro dessa paralisação já inclui R$ 15,9 bilhões em recursos federais aplicados e uma previsão total de investimentos travados de R$ 34,7 bilhões (ver Figura 2).

Figura 2. Valores de investimentos previstos e recursos alocados por setor de infraestrutura.

Fonte: Obras paralisadas – TCU. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/paineis-de-informacoes. Acesso em: 19 de out. 2025.

Elaboração dos autores.

 

As causas dessa estagnação são diversas, mas a origem do problema, invariavelmente, remete à fase de planejamento e estimativa de custos dos empreendimentos. Há, nesses casos, uma comum predominância de otimismo excessivo em relação aos custos, benefícios e prazos projetados. Uma pergunta central então é: por que os planejadores, de forma geral, falham ao antecipar os custos?[7] Sem buscar responder exaustivamente a essa pergunta, argumentamos que uma parte significativa dessas falhas poderia ser mitigada pela aplicação rigorosa dos princípios da Engenharia de Custos.

PAPEL DA ENGENHARIA DE CUSTOS

A Engenharia de Custos constitui um ramo da engenharia dedicado ao planejamento, à estimativa, ao controle e à otimização dos custos de um empreendimento, abrangendo todo o seu ciclo de vida[8]. Sua missão é garantir a viabilidade técnica e econômica do projeto. Esta disciplina transcende o mero cálculo orçamentário, configurando-se como uma ferramenta de gerenciamento que integra controle de escopo, gestão de riscos e monitoramento financeiro contínuo.

Para o setor público brasileiro, a aplicação rigorosa da engenharia de custos é um imperativo de compliance e governança. A negligência na adoção desses princípios está diretamente associada a problemas como sobrepreço, superfaturamento e outras irregularidades que comprometem a integridade e a efetividade dos gastos públicos.

O histórico de fiscalizações de obras públicas federais, consolidadas pelo TCU no Fiscobras, serve como evidência. Entre 2008 e 2024, em 1.961 fiscalizações, as ocorrências de sobrepreço e falhas nas composições de custo estiveram entre as mais prevalentes (ver Figura 3).

Figura 3. Principais ocorrências observadas durante a fiscalização de obras públicas.

Fonte: Fiscobras – TCU. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/paineis-de-informacoes. Acesso em: 19 de out. 2025.

Elaboração dos autores.

O aprofundamento nos achados do Tribunal revela inconsistências frequentes: a ausência de detalhamento das composições de custos unitários em editais e contratos, a inclusão indevida de itens no cálculo dos Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) e a falta de discriminação dos custos diretos de mobilização e canteiro[6].

A falha na estruturação de custos possui um nexo causal direto com o sobrepreço e o superfaturamento, pois um erro na precificação gera um valor de referência artificial que expõe o contrato a vulnerabilidades. Assim, a deficiência na engenharia de custos pode iniciar um ciclo vicioso destrutivo: o planejamento falho leva a um orçamento irreal, resultando em sucessivos aditivos, atrasos na execução, confrontos com o controle externo e, como consequência final, a interrupção total da obra.

A LEI Nº 14.133/2021

A Lei nº 14.133/2021, Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, consolidou o rigor orçamentário como princípio estruturante do processo licitatório, exigindo detalhamento técnico e aderência normativa para prevenir projetos e orçamentos mal fundamentados.

A legislação estabelece que os estudos técnicos preliminares e os orçamentos detalhados de cada contratação devem apresentar estimativas devidamente embasadas em custos unitários de mercado, com documentação comprobatória e justificativas técnicas consistentes. Ao subsidiar a elaboração das memórias de cálculo e da definição do valor estimado da contratação, a Engenharia de Custos contribui não apenas para a transparência e a economicidade do processo licitatório, mas também para a validação da viabilidade e da exequibilidade das propostas apresentadas pelos licitantes, reforçando o controle público e a governança das contratações.

Neste processo, os sistemas referenciais desempenham um papel crucial. O Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (SINAPI), para obras civis e edificações, e o Sistema de Custos Referenciais de Obras de Infraestrutura de Transportes (SICRO), para obras de transportes, permanecem como os principais parâmetros oficiais para a Administração Pública[9].

Embora prioritários, esses sistemas não são exclusivos. Ambos oferecem composições unitárias, insumos padronizados e detalhamento metodológico que conferem uniformidade às estimativas. A adoção desses referenciais assegura a padronização e a rastreabilidade dos custos, além de constituir importante mecanismo de controle de produtividade e de coerência entre preços e parâmetros de mercado[10].

Para aumentar a aderência dos preços dos serviços às realidades locais e torná-los mais atrativos aos mercados regionais, diversos entes da Administração Pública têm investido na criação e gestão de seus próprios sistemas referenciais de custos. Muitos desses sistemas são públicos e disponibilizam detalhamento metodológico acessível. Essa prática é observada em Prefeituras, em Autarquias como os Departamentos de Estradas de Rodagem e em Companhias Estaduais de Saneamento Básico. O rigor técnico é mantido através de estudos aprofundados, que incluem o cálculo específico do BDI e a detalhada especificação dos insumos utilizados, garantindo que o valor de referência reflita, de forma justa e exequível, a realidade regional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A paralisação de obras no Brasil impõe um custo social e econômico que transcende os bilhões de reais estagnados. A resolução deste problema crônico exige uma abordagem sistêmica e o reconhecimento como uma verdadeira prioridade de Estado, demandando uma mudança cultural que cesse a negligência histórica com a fase de planejamento que precede a execução.

É imperativo que a Administração Pública, e seus diferentes organismos, invistam na qualificação de seus quadros técnicos, aprimorem a fiscalização orçamentária e implementem metodologias para assegurar que os orçamentos de referência sejam justos, exequíveis e transparentes. Somente por meio do rigor, da precisão e da técnica, a fase inicial dos projetos de infraestrutura nacional deixará de ser um gargalo e se converterá, de fato, no pilar de sustentação indispensável para um desenvolvimento sustentável, eficiente e alinhado aos compromissos globais do país.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

REFERÊNCIAS

1. Melo, E. (2013). Fonte eólica de energia: Aspectos de inserção, tecnologia e competitividade. Estudos Avançados, 27(77), 125–142. https://doi.org/10.1590/S0103-40142013000100010

2. FGV IBRE, & DNIT. (2025). Economia da Infraestrutura. Boletim da Infraestrutura, 2, 5–7.

3. UN Water. (2015). Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos: Água para um mundo sustentável. WWAP.

4. OECD. (2024). Infrastructure for a Climate-Resilient Future. OECD. https://doi.org/10.1787/a74a45b0-en

5. Brichetti, J. P., Mastronardi, L., Rivas, M. E., Serebrisky, T., & Solís, B. (2021). The Infrastructure Gap in Latin America and the Caribbean: Investment Needed Through 2030 to Meet the Sustainable Development Goals. Inter-American Development Bank. https://doi.org/10.18235/0003759

6. Brasil. (2016). Fiscobras: 20 anos. TCU.

7. Pereira, A. K. (2018). As políticas de infraestrutura no Brasil e o paradoxo das grandes obras: Estudos de caso de empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento. Em A. Á. Gomide & A. K. Pereira (Ed.), Governança da política de infraestrutura: Condicionantes institucionais ao investimento (p. 189–209). Ipea.

8. Hollmann, J. K. (2013). Required Skills and Knowledge of Cost Engineering. AACE International.

9. STJ. (2021). Manual de orientação de pesquisa de preços. STJ.

10. Dias, P. R. V., Camargo, F. J. da R., & Fernandes, D. R. de M. V. (2020). Emprego Adequado dos Sistemas Referenciais de Custos Unitários em Obras  Públicas. IBEC.

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