Macroeconomia

O que a China tem a oferecer ao mundo em termos de tecnologia para segurança pública

21 nov 2019

É comum ouvir que a construção de cidades inteligentes (Smart Cities) e o uso de inteligência artificial, especialmente o uso de câmeras de reconhecimento facial, vão revolucionar a Segurança Pública. A China é hoje o país referência nesse assunto. Em uma viagem ao país, visitei três das principais empresas que dominam essa tecnologia. Conhecendo o que as empresas já têm pronto a oferecer, fica claro que o potencial da tecnologia é de fato impressionante.

As câmeras já conseguem identificar perfis a partir de imagens, caracterizá-los (gênero, idade aproximada, etnia, altura), identificar o caminho percorrido pela pessoa na área coberta por câmeras e responder imediatamente se a pessoa é procurada a partir de um cruzamento com uma lista de pessoas procuradas. Com esses dados, é possível aprimorar absurdamente a investigação ao permitir o cruzamento de informação de perfis que transitaram no local, com o padrão temporal e local de crime e levantar possíveis suspeitos e mesmo ter a imagem do crime sendo cometido. Há ainda soluções mais simples tecnologicamente, mas com potencial enorme para aprimorar controle de recursos policiais (visualização de policiais no terreno, câmeras corporais) e monitoramento de presos.

As soluções para aprimorar o trânsito (sim, acidentes de trânsito são assunto de segurança pública!) são ainda mais impressionantes. Os sinais de trânsito podem ser regulados automaticamente de acordo com o fluxo de carros em cada via. Através da análise do padrão da direção do carro, é possível detectar barbeiragens de motoristas, como cruzar três faixas em 100 metros para pegar uma saída ou fazer ultrapassagens arriscadas. As câmeras têm precisão para identificar motoristas dentro dos carros, o que permite identificar quem está sem cinto, falando no celular ou dirigindo sem carteira (cruzando com o banco de dados de carteira de motorista). As multas são aplicadas por padrões de direção identificados pelo computador e cada motorista tem um escore baseado no seu padrão de direção que permite inferir se a pessoa está apta a renovar carteira, por exemplo. Essas soluções de trânsito já são usadas há dois anos pela cidade de Hangzhou, onde uma empresa gerencia o Centro Integrado de Comando e Controle em conjunto com a polícia local.

Na minha visita a China fui também no laboratório de ciência criminal da China Police University. Conversei com o Peng Chen, que dirige o laboratório. Ele falou que o conceito de Smart Cities começou a ser ventilado em meados dos anos 90, mas uso de câmeras de inteligência artificial que identificam criminosos e suas trajetórias é algo recente, uma realidade dos últimos dois anos. O Dr. Chen disse que as cidades mais ricas como Shenzhen, Shanghai e Hangzhou têm liderado a ideia de Smart Cities porque têm muito dinheiro. As câmeras, especialmente de inteligência artificial, são caras e seu uso ainda é limitado em Beijing. A cidade, no entanto, tem muitas câmeras comuns. Ninguém olha em tempo real para elas, mas é possível acessá-las quando há suspeita de um crime. Ele me contou sobre um bairro com alto índice de assaltos a residência e com grande número de moradores ilegais. O problema foi resolvido com um projeto de instalar câmeras de reconhecimento facial como “porteiro eletrônico”. As câmeras foram instaladas pelas residências e conectadas com a polícia, na linha da sugestão feita acima. Os números de crimes a residência em um ano caíram de 43 para 19 e taxa de esclarecimento chegou a 100% (frente a 7% inicial).

Ele me contou um pouco também como funciona a National Police University, que oferece graduação e mestrado. 90% dos alunos que se formam viram policiais ou fazem mestrado, mas a entrada não é automática. É preciso fazer um exame de qualificação após a faculdade para entrar na polícia. O caso do Chen chama atenção. Ele fez doutorado em Crime Science na prestigiosa Tsinghua University, com período de intercâmbio no Jill Dando Institute of Security and Crime Science da Universidade College London, instituição pela qual eu e Chen nos conectamos. Chen só entrou na polícia após concluir seu doutorado. Esse tipo de trajetória ainda é rara no Brasil e é difícil imaginar como poderemos ter uma polícia que faz uso intensivo de dados sem treinamento específico para isso. Terminamos discutindo sobre para onde os recursos policiais vão se deslocar. Concordamos que com as soluções que já existem hoje, o crime de rua irá acabar na China e a atenção da polícia se concentrará em crimes cibernéticos.

Soluções baseada em câmeras de reconhecimento fácil terão muito mais dificuldades de serem aplicadas em outros países devido às questões de proteção da privacidade individual e já começaram a ser questionadas nos EUA e Inglaterra. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados trará uma série de restrições, como o armazenamento de informações que permitam identificar pessoas sem sua autorização. Há ainda inúmeros outros desafios para implementá-las em larga escala no Brasil, que serão debatidos em outro post. Mas certamente o uso de câmeras estará no centro do debate da Segurança Pública nas próximas décadas.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 

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FERNANDO LYRA

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