Energia

Como acelerar nossa posição na corrida pela energia limpa

12 ago 2022

Mesmo com pressões por respostas imediatas à alta dos preços de energia, descarbonização avança (em meio a incertezas) na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil é preciso ter metas política e administrativamente factíveis.

No segundo semestre muitas atenções já começam a se voltar para a 27ª edição da Conferência das Partes, a COP 27, a ser realizada no Egito. Na sequência da pandemia e das recuperações econômicas com falta de sincronia nas cadeias de suprimento – problemas já conhecidos no ano passado –, um novo problema perturba as trajetórias de descarbonização. Os efeitos da guerra na Ucrânia aumentam preços de energia e alimentos e pressionam por respostas políticas hoje: as pessoas e as empresas enfrentam não apenas aceleração da inflação, mas também incertezas quanto à segurança do suprimento no curto e médio prazos. Por outro lado, as temperaturas recordes registradas no verão do hemisfério Norte dão uma visão concreta dos efeitos das mudanças climáticas. E reforçam a ideia de que os compromissos com a descarbonização são inarredáveis.

O atingimento do compromisso de neutralidade de carbono em uma data futura – a meta de Net Zero com o qual a maior parte dos países e uma miríade de empresas já se comprometeu –, resta incerto. Ainda assim, muitos estão dobrando a aposta na descarbonização, acelerando investimentos e emprego em energia limpa. Na Europa, a Enel Green Power está a frente da 3Sun GigaFactory, no que será a maior fábrica para produção de modelos fotovoltaicos de última geração. Localizada na Sicília, no sul da Itália, a expansão da planta está planejada para começar a operar em 2023. Os investimentos de € 600 milhões incluem €180 milhões provenientes do Fundo para Inovação da União Europeia (EU Innovation Fund).

Nos Estados Unidos, uma reviravolta na posição do Senador Joe Manchin, democrata de West Virginia que é grande defensor da indústria do carvão, abre caminho para a aprovação de um pacote de energia limpa. Esse pode vir a ser o maior pacote legislativo da agenda ambiental desde o Clean Air Act, garantindo investimentos de cerca de US$ 369 bilhões em clima e energia limpa. As medidas incluem: benefícios fiscais para tecnologias renováveis, como solar e eólica; ajuda aos estados para avançar na transição energética para eletricidade neutra em carbono; um acelerador de tecnologia limpa “clean energy technology accelerator” (US$ 27 bi para avançar tecnologias renováveis); e outras medidas para aumentar resiliência a mudanças climáticas.

Há vários sinais de que na Europa a prática se alinha à narrativa de um futuro descarbonizado. Em artigo a sair na Nature Climate Change, David G. Victor e coautores avaliam a credibilidade dos compromissos da política climática internacional. Essa agenda de pesquisa é importante, pois na estrutura do Acordo de Paris governos e empresas fazem pledges voluntários - as Nationally Determined Contributions ou NDCs; contudo, a capacidade de transformação do mundo em que vivemos depende da efetiva implementação de acordos. Logo, importa a factibilidade política e administrativa dos planos e promessas. Na análise do artigo, a Europa desponta em credibilidade: não apenas seus compromissos são ambiciosos; a avaliação de cientistas e negociadores que representam governos é de que serão cumpridos.

Muito relevante essa preocupação com entender o que é política e administrativamente factível e planejar com esse foco. Desde 2016 desenhamos e ensaiamos aprovação de reformas: o Ministro Fernando Coelho Filho e sua equipe se empenharam para estruturar uma proposta de futuro; entretanto, apesar de sua experiência política, não foi possível aprovar a reforma gestada. Na sequência, o Ministro Bento de Albuquerque e sua equipe trabalharam em proposta de modernização do setor por mais de três anos. Mais recentemente, o Ministro Adolfo Sachsida anunciou que pretende entregar 10 propostas de aperfeiçoamento do marco legal do setor de energia em novembro próximo. Tomara que se paute pela factibilidade.

Avanços essenciais na agenda de energia e clima dependem de investimento e(m) inovação. Novas tecnologias como hidrogênio verde e eólica offshore já estão no radar de governos e investidores. Como pontos de atenção, requerem investimentos vultosos, embutem grande incerteza e nosso custo de capital é mais elevado.

Ganhar posições na corrida pela energia limpa vai depender de uma estratégia ambiciosa. Mas isso não basta: é preciso que as metas sejam política – aprovadas no Congresso sem ser descaracterizadas ou adicionadas de penduricalhos custosos e ineficientes – e administrativamente factíveis. Uma boa narrativa pode até adicionar vantagem na largada, mas o sucesso na corrida depende de credibilidade das instituições e dos planos. E isso é algo que o mercado sabe avaliar.


Esta coluna foi publicada originalmente em 2/8, terça-feira, pelo Broadcast da Agência Estado.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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