Cenários

A dependência dos municípios do Nordeste das transferências intergovernamentais

7 out 2024

Municípios nordestinos têm forte dependência de fontes externas de receita, como transferências. Essa dependência vem do baixo dinamismo econômico e alta informalidade. Algumas tecnologias recentes podem mitigar o fenômeno.

A região Nordeste do Brasil, segundo dados do IBGE, possui uma população total de 54,6 milhões de habitantes, representando, aproximadamente, 25% da população brasileira. Apesar desse tamanho em termos populacionais, a participação do PIB Nordestino no PIB nacional foi de 14,2% em 2020, muito desse valor adicionado concentrado em apenas 3 estados: Ceará, Bahia e Pernambuco. A comparação entre o tamanho populacional e o PIB da região ilustra a baixa produtividade e o pouco dinamismo da região, tendo como consequência direta a reduzida capacidade de gerar receitas fiscais para fazer frente a necessidade por políticas públicas.

A figura 1 ilustra a baixa capacidade de geração de receitas fiscais pelos municípios nordestinos em 2023, com base nos dados da Secretaria do Tesouro Nacional. A figura apresenta a média da razão, em 2023, entre o total de transferências intergovernamentais (federal ou estadual) sobre a receita corrente dos municípios, agregados por região. O gráfico mostra que em média 90,17% das receitas dos municípios nordestinos é proveniente de transferências intergovernamentais. Ou seja, na média dos municípios nordestinos, pouco menos de 10% da receita corrente dos municípios é fruto de receitas geradas pelos próprios municípios com tributação. Para se colocar em perspectiva, essa razão é de 81,79% na região Norte e de 84,20% no Brasil.

Analisando por outra dimensão, a geração de receita própria (receita corrente descontada as transferências intergovernamentais) per capita no Nordeste é de 536,19 reais anuais, ou seja, cada pessoa no Nordeste gera em média 44,68 reais mensais de receita corrente para o município onde reside. No Sudeste esse valor é de 101,31 reais mensais, aproximadamente 126% a mais que no Nordeste. Na região Sul, a receita própria per capita é de 145,66 reais mensais e na região Centro-Oeste, este valor é de 133,75 reais. A região Norte possui receita própria per capita de 55,44 reais. Por óbvio, esses valores levam em consideração o tipo de atividade econômica em cada região. No entanto, enfatizam os quão diferentes tais atividades econômicas importam para a capacidade arrecadatória.

Figura 1: Transferências intergovernamentais sobre receita
corrente dos municípios nordestinos em 2023

Fonte: Elaboração dos autores, com base
em dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN)

Este fenômeno não é específico de nenhum estado do Nordeste em particular. A figura 2 apresenta o percentual do total de transferências sobre receita corrente para os municípios nordestinos, agregando-os por estados da região.  Os estados do Maranhão, Piauí, Paraíba, Bahia e Rio Grande do Norte possuem municípios em que 90% da receita total é em média proveniente de transferências intergovernamentais. Já o estado de Pernambuco, que possui municípios com menor percentual, em média 87% da receita corrente dos municípios é decorrente de transferências.

Figura 2 - Transferências intergovernamentais sobre receita
corrente dos municípios nordestinos em 2023 por UF

Fonte: Elaboração dos autores, com base
em dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN)

O mapa abaixo (Mapa 1) confirma que o fenômeno da dependência das transferências não possui um componente geográfico aparente. Para desenhar o mapa consideramos os municípios que possuem a razão transferência intergovernamental por receita corrente acima de 90%. Estes municípios estão em vermelho. Por sua vez, em cinza escuro estão os municípios cuja a razão é menor que 90%. No estado do Maranhão 77% dos municípios estão nessa condição de ter razão transferências por receita corrente acima de 90%. Na Paraíba, Piauí e Bahia essa razão é próxima de 70% dos municípios. Já Alagoas (47%) e Pernambuco (35%) são os estados que possuem os menores percentuais de municípios nessa condição.

Mapa 1 – Municípios nordestinos com percentual de razão transferências
intergovernamentais por receita corrente acima de 90%

Fonte: Elaboração dos autores, com base em dados
da Secretaria do Tesouro Nacional (STN)

Para entendermos em mais detalhes a distribuição das fontes de receitas próprias dos municípios nordestinos, observe a figura 3 que apresenta o percentual das três principais fontes de receitas próprias dos municípios brasileiros sobre a receita corrente, agregados em média pelas regiões. A região Centro-Oeste destaca-se na arrecadação de impostos devido principalmente ao agronegócio. Sudeste, Sul e Norte arrecadam aproximadamente 9,30% das suas receitas por meio de impostos. Esse valor cai para 5,17% no Nordeste.

Figura 3. Fontes de receitas tributárias média dos municípios brasileiros por região 

Fonte: Elaboração dos autores, com base em dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN)

As taxas são uma fonte pouco rentável para os municípios do Nordeste. Apenas 0,34% da receita desses municípios decorre desse mecanismo de tributação. Importante considerar que as taxas é uma espécie tributária cuja cobrança é vinculada a atuação do estado. O baixo valor relativamente as outras regiões menos populosas denotam que nem mesmo as máquinas públicas tem sido utilizadas pelos contribuintes, gerando menos recursos provenientes da atuação estatal.

O que se conclui inicialmente é que o baixo dinamismo da região afeta a capacidade de geração de recursos dos municípios do Nordeste. No entanto, a comparação das fontes de receitas entre as regiões sugere que os municípios nordestinos tem potencial espaço para aumentar sua receita própria. Dito de outra forma, embora parte da explicação da forte dependência das transferências intergovernamentais seja causada pelo baixo dinamismo econômico e pela elevada informalidade, a ineficiência na capacidade arrecadatória também parece ter um papel relevante.

Este ponto é importante por que o custo social de aumentar o dinamismo econômico na região é bem menor do que o custo aumentar a capacidade fiscal dos municípios nordestinos.

O que pode ser feito para aumentar a eficiência arrecadatória no Nordeste?

Recentemente, a literatura sobre o tema tem buscado entender empiricamente quais intervenções são mais efetivas para elevar a capacidade fiscal de entes subnacionais em países em desenvolvimento. O desafio é enorme dado a elevada informalidade e pobreza que marcam tais países e que também são características presentes na região Nordeste. Em particular, em 2022, 56,9% das ocupações no Nordeste eram informais segundo o IBGE. O desafio reside em como incentivar os contribuintes a pagar seus tributos sabendo que a pobreza faz com que a partilha da renda com o estado tenha um custo marginalmente elevado e onde a informalidade impede que mecanismos tradicionais de enforcement sejam aplicados?

A literatura tem focado sua atenção em tentar criar intervenções que modifiquem a arquitetura de escolha dos contribuintes por meio de técnicas de economia comportamental, como nudges. Uma das tentativas parte do pressuposto de que obrigações não rotineiras são constantemente esquecidas pelos indivíduos. Em teoria, o não pagamento de tributos pode estar associado a um problema informacional. Os agentes econômicos não lembram das suas obrigações, talvez nem mesmo saibam que possuem tais obrigações ou não conhecem as consequências sociais do descumprimento de obrigações fiscais. Assim, o uso de mensagens (reminders) que lembram aos contribuintes de suas obrigações constituem uma alternativa barata e potencialmente efetiva para incentivá-los a pagar seus tributos.

Variações nos tipos de mensagens parecem ter efeitos diferentes no cumprimento das obrigações tributárias. Dois tipos de conteúdo das mensagens têm sido recorrentemente testados. O primeiro tipo busca afetar a motivação intrínseca dos contribuintes em cumprir suas obrigações fiscais, conhecida como Tax Morales. As mensagens tendem a ressaltar aspectos de justiça social ou de oferta de bens públicos decorrente do pagamento de tributos ou ressaltar normas sociais, destacando que muitos indivíduos cumprem suas obrigações fiscais.

 Já as segundas tendem a ressaltar as consequências individuais dos contribuintes caso não cumpram suas obrigações tributárias, destacando potenciais penalidades, auditorias, etc. Isto é, buscam modificar a percepção dos contribuintes acerca do risco e consequências do não cumprimento das suas obrigações legais.

Uma recente meta-análise (ANTINYAN e ASATRYAN, 2021) mostrou que o envio de mensagens que buscam afetar a motivação intrínseca de pagar tributos não é efetiva para elevar o cumprimento das obrigações fiscais entre os contribuintes. Possivelmente, o custo marginal de pagar tributos para indivíduos pobres seja superior ao benefício moral do pagamento de impostos ou taxas. Por outro lado, estratégias de nugdes que ameaçam contribuintes sobre o risco de auditorias ou penalidades por descumprimento legal tendem a ter efeitos positivos, porém pequenos e de pouca duração. Estes resultados são dependentes do contexto analisado e da forma que as mensagens são entregues: se são entregues pessoalmente ou não. Em resumo, o que tal estudo demonstra é que apesar de haver um aumento relativo do cumprimento de obrigações legais, soluções via o envio de mensagens não são uma “bala de prata” e não substituem políticas que usem incentivos econômicos.

Outra alternativa é a realização de auditorias aleatórias nos contribuintes. Dado que a realização de auditorias é custosa, realizá-las de forma aleatórias pode ser efetivo para induzir comportamentos para além dos indivíduos que são alvo direto das auditórias. Essa alternativa parece ser mais atrativa quando aplicada no contexto dos municípios brasileiros em empresas e para o recolhimento de tributos relativos a propriedades imóveis, como IPTU.

A despeito dos potenciais impactos, os prefeitos e prefeitas e seus representantes exibem interesse em elevar seus tributos e parecem estar abertos a inovações científicas sobre o tema. Hjort et al (2021) realizaram um experimento randomizado no Brasil cuja intervenção apresentava aos prefeitos os benefícios de enviar reminders para seus contribuintes. Eles encontraram evidência de que os prefeitos ou seus representantes que participaram da intervenção aumentaram em 10 pontos percentuais a probabilidade de implementarem políticas deste tipo.

Embora tais iniciativas tenham alguma efetividade, é preciso considerar que a capacidade fiscal dos municípios, entendida como a capacidade de coletar tributos, passa necessariamente pela qualidade da burocracia local e pelos incentivos econômicos que os municípios recebem para implementar estratégias arrecadatórias. Um recente estudo de Ferraz, Foremny e Santini (2024) encontra evidências causais de que municípios que perdem recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) em comparação aos que ganham na margem tendem a aumentar os esforços de coleta de tributos seja por melhorar a qualidade da burocracia, seja pela adoção de novas tecnologias ou melhor monitoramento, seja pelo ajuste nos tributos cobrados.

Em resumo, os municípios do Nordeste brasileiro têm uma baixa capacidade arrecadatória, que complementada com o baixo dinamismo econômico da região e a elevada informalidade, fazem com que a região tenha uma forte dependência de transferências governamentais. Existem inúmeras opções de políticas disponíveis para elevar o esforço fiscal dos municípios e há, a priori, interesse dos gestores municipais em entender e implementar tais iniciativas.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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