Economia Comportamental em Quatro Atos: Raízes, Rupturas, Aplicações e Perspectivas

I. Introdução
Nas últimas décadas, a economia comportamental firmou-se como um campo fundamental para compreender as decisões econômicas a partir de uma perspectiva mais realista sobre o comportamento humano. Diferentemente da abordagem neoclássica tradicional – que modela os agentes como perfeitamente racionais, de preferências estáveis e cálculo otimizador –, a economia comportamental incorpora insights da psicologia para reconhecer que os seres humanos reais são dotados de limitações cognitivas, emoções e influências de contexto social.
Em outras palavras, a figura caricatural do homo economicus – totalmente racional, imune a emoções e sempre maximizador de utilidade – dá lugar a uma visão de agentes humanos com atenção limitada, memória imperfeita, tendências a procrastinar e suscetíveis a vieses sistemáticos em seu julgamento. A Economia Comportamental não veio para negar a racionalidade, mas apenas para lembrar que somos seres humanos, agentes psíquicos, carregados de vieses.
A incorporação dessas ideias representou uma mudança significativa na ciência econômica, aproximando-a de sua tradição original. Já em 1759, Adam Smith – conhecido como o pai da economia – destacava fatores psicológicos em sua obra Teoria dos Sentimentos Morais. Por exemplo, Smith observou que as pessoas tendem a sofrer mais com uma perda do que se alegram com um ganho equivalente, uma intuição precursora do que hoje se denomina aversão à perda e que seria formalizada dois séculos depois na Teoria do Prospecto de Kahneman e Tversky (1979).
Entretanto, ao longo do final do século XIX e início do século XX, à medida que a economia se consolidava como disciplina autônoma, ocorreu um distanciamento deliberado da psicologia em nome de uma pretensa maior objetividade científica. A chamada revolução neoclássica privilegiou modelos matemáticos e axiomas de racionalidade, como os de utilidade esperada (von Neumann e Morgenstern, 1944) e utilidade descontada no tempo (Samuelson, 1938), frequentemente assumindo capacidades cognitivas ilimitadas por parte dos agentes econômicos.
Esse paradigma racionalista dominou a teoria econômica por boa parte do século XX, mas não sem contestações. Diversos pensadores identificaram anomalias e limitações nas hipóteses de racionalidade estrita. Herbert Simon, já na década de 1950, introduziu o conceito de racionalidade limitada ao argumentar que os tomadores de decisão enfrentam restrições cognitivas e de informação, não conseguindo otimizar plenamente suas escolhas. Simon propôs que, em vez de maximizar, os indivíduos frequentemente satisfazem – isto é, escolhem uma alternativa que é “boa o suficiente” dadas suas limitações, em vez da solução ótima inalcançável. Em 1978, Simon receberia o Prêmio Nobel por essa contribuição, sendo considerado por muitos como um dos precursores da economia comportamental.
Além dele, críticos como Maurice Allais e Daniel Ellsberg demonstraram paradoxos (respectivamente em 1953 e 1961) onde preferências reais violavam os axiomas da utilidade esperada, indicando que as premissas da teoria tradicional nem sempre descreviam o comportamento observado. Essas e outras evidências prepararam terreno para o surgimento de uma nova abordagem.
O ponto de inflexão veio na década de 1970, quando os psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky iniciaram uma série de experimentos que revelariam de forma sistemática as falhas da racionalidade prevista pelos modelos econômicos. Seus trabalhos seminais mostraram que as pessoas usam heurísticas – regras de bolso mentais – para tomar decisões sob incerteza, o que leva a vieses cognitivos previsíveis em seus julgamentos. Em 1974, publicaram na revista Science o influente artigo “Julgamento sob Incerteza: Heurísticas e Vieses”, demonstrando três heurísticas fundamentais (representatividade, disponibilidade e ancoragem) e os erros de julgamento associados a elas. Poucos anos depois, em 1979, introduziram a Teoria do Prospecto como uma alternativa à teoria da utilidade esperada, capturando fenômenos como a aversão à perda e efeitos de enquadramento que a teoria clássica não explicava. A partir daí, a economia comportamental ganhou ímpeto. No início dos anos 1980, economistas como Richard Thaler começaram a incorporar esses insights para explicar anomalias econômicas – por exemplo, Thaler investigou fenômenos como o efeito dotação e a contabilidade mental no comportamento do consumidor.
O reconhecimento institucional do campo veio nas décadas seguintes: em 2002, Daniel Kahneman recebeu o Nobel de Economia por integrar insights psicológicos à análise econômica; em 2017, Richard Thaler foi laureado por suas contribuições à economia comportamental, consolidando de vez a legitimidade do campo. Hoje, a influência da economia comportamental é onipresente: mais de uma centena de universidades e institutos de prestígio oferecem programas ou pesquisas dedicadas ao tema, milhares de artigos acadêmicos sobre o assunto foram publicados especialmente a partir dos anos 2000, e diversos governos criaram unidades especializadas (as “nudge units”) para aplicar seus conceitos na formulação de políticas públicas.
Trata-se de um campo verdadeiramente interdisciplinar, mesclando métodos da psicologia experimental, da economia e mais recentemente das neurociências e ciências computacionais, para construir um retrato mais fiel de como as pessoas tomam decisões.
Este artigo estrutura-se em cinco seções, além desta introdução. Na seção de Raízes Histórica, detalhamos a evolução das ideias que culminaram na economia comportamental, desde as intuições psicológicas de economistas clássicos, passando pelo afastamento entre economia e psicologia no período neoclássico, até a reaproximação promovida por pesquisadores como Simon, Kahneman, Tversky e Thaler.
Na Discussão Teórica, exploramos os avanços conceituais trazidos pelos artigos fundacionais de Kahneman e Tversky (1974; 1979), explicando as principais heurísticas e vieses identificados e como eles desafiaram os pilares da racionalidade tradicional (como os princípios de dominância e invariância). Na seção de Evidências Empíricas, apresentamos de forma clara diversos exemplos e experimentos clássicos que ilustram os principais conceitos da economia comportamental – racionalidade limitada, contabilidade mental, aversão à perda, enquadramento e nudges – tornando os conceitos vívidos e compreensíveis, sem perder a profundidade analítica.
Em Perspectivas Futuras, discutimos caminhos promissores e fronteiras emergentes do campo, incluindo a integração com a neuroeconomia (que investiga os correlatos neurais da decisão), o uso de modelos computacionais e simulações de agentes para entender fenômenos complexos, a difusão de políticas públicas inspiradas em comportamento (behaviorally-informed policies) e também os dilemas éticos que surgem ao se aplicar intervenções comportamentais em grande escala. Por fim, as Considerações Finais resumem os insights e argumentam sobre a contribuição da economia comportamental para uma ciência econômica mais realista e humanizada, refletindo sobre sua originalidade epistemológica e suas potencialidades enquanto a disciplina avança.
II. Raízes Histórica
A relação entre economia e psicologia possui raízes que antecedem em muito o termo “economia comportamental” propriamente dito. De fato, pode-se traçar origens históricas do pensamento comportamental em economia retornando aos escritos de Adam Smith no século XVIII. Em A Riqueza das Nações (1776), Smith lançou os alicerces da economia clássica ao descrever o comportamento motivado pelo interesse próprio e a famosa “mão invisível” do mercado. Porém, em sua obra anterior em 1759, Teoria dos Sentimentos Morais, Smith demonstrou aguçada percepção psicológica sobre o comportamento humano, analisando fenômenos como simpatia, sobreconfiança e aversão a perdas.
Conforme já mencionado, ele observou que “a dor de uma perda é mais pungente do que o prazer de um ganho equivalente” – uma formulação notavelmente próxima do conceito de aversão à perda formalizado apenas em 1979. Smith também comentou sobre a tendência das pessoas de terem uma confiança desmedida em si mesmas, aludindo ao viés de excesso de confiança, e sobre a dificuldade de resistir a tentações presentes em detrimento de benefícios futuros, antecipando o que hoje chamamos de desconto hiperbólico ou preferência pelo presente.
No século XIX, à medida que a economia buscava se firmar como ciência autônoma, houve simultaneamente um afastamento metodológico da psicologia. Economistas da chamada era marginalista (Jevons, Menger, Walras) e seus sucessores neoclássicos privilegiaram modelos matemáticos abstratos de equilíbrio e otimização, tratando o comportamento econômico de forma cada vez mais dedutiva e “desencarnada” de fatores psicológicos. No virar do século XX, essa mudança de enfoque ficou evidente: os economistas passaram a considerar a análise psicológica “não científica”, concentrando-se em construções analíticas como a utilidade marginal decrescente e a maximização de satisfação sob restrições, assumindo agentes plenamente racionais.
Como nota Camerer, Loewenstein e Rabin (2004), por volta de 1900 prevaleceu a visão positivista de autores como Vilfredo Pareto, Irving Fisher e outros de que a economia deveria se ater a escolhas observadas e abandonar conjecturas psicológicas internas. Economistas proeminentes recomendavam “não tentar inventar psicologia, mas tomar a natureza humana como dada” – conselho infame de John Maurice Clark (1923), citado frequentemente para ilustrar porque por tanto tempo a economia preferiu ignorar a psicologia e desenvolver seus próprios modelos normativos independentes.
Apesar desse mainstream, algumas correntes minoritárias e pensadores isolados mantiveram vivas as preocupações comportamentais durante a primeira metade do século XX. Antes mesmo da consolidação da “economia comportamental” moderna, havia o que alguns autores chamam de “velha economia comportamental”. Nela incluem-se economistas como Harvey Leibenstein (1966), George Katona (1951) e Tibor Scitovsky (1951), que nas décadas de 1950-60 estudaram temas como consumo conspícuo, saturação de preferências e comportamento não-utilitarista, introduzindo elementos psicológicos em suas análises.
Contudo, possivelmente o nome mais influente desse período foi Herbert A. Simon. Em 1955, Simon criticou frontalmente o modelo de “racionalidade substantiva” da economia neoclássica – aquele que supõe agentes com capacidade de computação ilimitada e acesso irrestrito a informações, capazes de antecipar todas as contingências futuras. Simon argumentou que, no mundo real, incertezas genuínas e complexidade tornam impossível satisfazer os ideais de otimização global. Em lugar disso, propôs a ideia de racionalidade limitada: os agentes tomam decisões usando heurísticas e buscando soluções satisfatórias (e não ótimas), dadas as limitações de tempo, informação e capacidade de processamento. Ele cunhou também o termo “satisfice” (do inglês satisfy + suffice), para descrever a estratégia de escolher a primeira opção que atenda a um nível de aspiração adequado, em vez de buscar exaustivamente a melhor opção possível. Essas ideias – inicialmente recebidas com ceticismo pelos economistas – plantaram as sementes para a reintrodução da psicologia na análise econômica. Simon seria agraciado com o Nobel de Economia em 1978, e hoje é reconhecido como um precursor cujas ideias se alinham profundamente com os objetivos da economia comportamental.
Paralelamente, outras fissuras apareciam na ortodoxia da racionalidade. Um marco notável foi o Paradoxo de Allais (1953). Maurice Allais, economista francês, apresentou escolhas de loterias em que participantes exibiam preferências inconsistentes com o axioma da independência da teoria da utilidade esperada – preferindo garantias em alguns casos e arriscando em outros, de forma incompatível com um mesmo conjunto de preferências de utilidade. Esse experimento mostrou empiricamente que as predições da teoria de decisão clássica podiam falhar, pois indivíduos violavam princípios racionais básicos quando confrontados com certas estruturas de risco.
Poucos anos depois, em 1961, Daniel Ellsberg identificou outro desvio sistemático: a aversão à ambiguidade. No Paradoxo de Ellsberg, as pessoas preferiam opções de risco com probabilidade conhecida a opções com probabilidades ambíguas, mesmo quando a expectativa de ganho era semelhante – comportamento que contradiz a teoria da utilidade esperada e evidenciava que a incerteza imprecisa (ambiguidade) repugna os decisores, algo não previsto pelos modelos tradicionais. Esses achados de Allais, Ellsberg e outros (como o próprio Milton Friedman notando comportamentos de consumo não-consistentes com a teoria clássica, e Modigliani com a miopia em expectativas) prepararam terreno para uma mudança mais profunda.
O florescimento efetivo da moderna economia comportamental, entretanto, é usualmente creditado aos trabalhos de Daniel Kahneman e Amos Tversky nos anos 1970. Kahneman (psicólogo cognitivo) e Tversky (psicólogo matemático) formaram uma parceria frutífera que, partindo do campo da psicologia, impactou enormemente a economia. Eles faziam parte de uma linha de pesquisa chamada behavioral decision research dentro da psicologia cognitiva. Em 1974, publicaram o artigo “Judgment Under Uncertainty: Heuristics and Biases” na revista Science, que rapidamente ganhou notoriedade também entre economistas.
Nesse estudo, Kahneman e Tversky mostraram que, ao tomar decisões sob incerteza, as pessoas frequentemente recorrem a estratégias simplificadas de pensamento (as heurísticas) em vez de cálculos formais de probabilidade e utilidade, o que conduz a erros sistemáticos (vieses) nas estimativas e escolhas. Três heurísticas fundamentais foram descritas:
Heurística da representatividade: ao julgar a probabilidade de um evento pertencente a uma categoria, as pessoas avaliam o quão representativo (típico) aquele evento é da categoria, em vez de usar as probabilidades base (frequências objetivas). Isso explica, por exemplo, por que muitos acreditam que a sequência de moeda “cara-coroa-cara-coroa-cara-coroa” é mais provável que “cara-cara-cara-coroa-coroa-coroa” – a primeira parece mais “aleatória” ou representativa do que esperamos, embora ambas tenham igual probabilidade. O viés resultante é ignorar as probabilidades a priori (negação da base-rate) e outros erros como a falácia do jogador (crença de que resultados aleatórios passados influenciam resultados futuros para “compensar” padrões).
Heurística da disponibilidade: ao estimar a frequência ou probabilidade de um evento, julgamos pela facilidade com que exemplos nos vêm à mente. Eventos que são mais vívidos, recentes ou emocionalmente marcantes tendem a ser considerados mais prováveis. Por exemplo, após assistir a notícias sobre um acidente de avião, um indivíduo pode superestimar a probabilidade de desastres aéreos em comparação a acidentes de carro, simplesmente porque os exemplos de queda de avião estão mais disponíveis em sua memória. O viés disso decorrente é superestimar riscos salientes e subestimar riscos menos memoráveis (por exemplo, temer mais ataques de tubarão do que afogamentos, embora estes sejam muito mais comuns).
Heurística da ancoragem e ajustamento: diante de estimativas numéricas incertas, as pessoas começam a partir de um valor de referência (uma âncora, muitas vezes arbitrária) e então ajustam a estimativa a partir dele – mas geralmente de forma insuficiente. O resultado é que o valor inicial “ancorado” influencia desproporcionalmente a estimativa final. Em experimentos clássicos, Tversky e Kahneman pediam para participantes girarem uma roleta (que caía em um número qualquer) e, em seguida, perguntavam quantos países africanos existiam na ONU; aqueles que haviam obtido um número alto na roleta davam estimativas de países muito maiores do que aqueles que obtiveram número baixo, evidenciando o poder da ancoragem numérica irrelevante.
Essas heurísticas, conforme Kahneman e Tversky salientavam, não eram “erros tolos” – na verdade, elas geralmente servem para simplificar julgamentos complexos e são eficientes em muitas situações. Contudo, elas conduzem a erros sistemáticos previsíveis quando aplicadas fora de contexto ou de forma ingênua. A revelação importante aqui foi: os desvios do modelo racional não ocorrem de maneira aleatória ou caótica, mas sim tendem a seguir padrões sistemáticos (vieses), justamente porque derivam de processos mentais comuns a todos. Essa ideia foi revolucionária porque forneceu uma psicologia de escolha coerente para substituir (ou complementar) a visão econômica tradicional. Em vez de tratar erros como meros ruídos, Kahneman e Tversky ofereciam um arcabouço para entendê-los e até prevê-los em determinadas condições.
Em 1979, Kahneman e Tversky levaram a crítica adiante ao publicar “Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk” na revista Econometrica. Esse artigo atacou diretamente o núcleo da teoria de decisão econômica – a Teoria da Utilidade Esperada de von Neumann-Morgenstern – argumentando que, embora esta fosse um bom modelo normativo (isto é, de como as pessoas deveriam decidir caso fossem racionais), ela falhava como modelo descritivo do comportamento real. Os autores mostraram classes de escolhas simples em que as preferências das pessoas violavam sistematicamente os axiomas da utilidade esperada (como transitividade e independência).
Dois efeitos-chave identificados foram: o efeito certeza e o efeito isolamento. O efeito certeza refere-se à observação de que as pessoas dão um peso desproporcional a resultados certos em comparação com resultados meramente prováveis. Por exemplo, indo contra a linearidade da probabilidade na utilidade esperada, indivíduos preferem um ganho certo de menor magnitude a um ganho maior apenas provável – aversão ao risco em ganhos –, mas preferem arriscar uma perda maior com alguma chance de não perder nada do que aceitar uma perda certa menor – busca de risco em perdas.
Isso se deve a um valor psicológico especial atribuído à certeza (certainty effect). Já o efeito isolamento se refere à tendência de as pessoas simplificarem escolhas complexas ignorando componentes comuns entre opções e focando apenas nas diferenças – o que pode levar a decisões inconsistentes quando a mesma escolha é apresentada de formas diferentes. Em particular, uma implicação dramática do efeito isolamento é a violação do princípio da invariância: preferências podem se inverter conforme a forma de apresentação do problema (também conhecido como efeito de enquadramento ou framing).
Para explicar esses fenômenos, Kahneman e Tversky propuseram a Teoria do Prospecto, que substitui os pilares da teoria clássica por novos elementos descritivos. As premissas centrais da Prospect Theory incluem:
• As utilidades (chamadas de valores na teoria do prospecto) são atribuídas não a estados absolutos de riqueza, mas a ganhos e perdas relativos a um ponto de referência. Ou seja, as pessoas pensam em termos de mudanças em relação à sua situação atual ou algum status quo, e não em termos de níveis absolutos de riqueza.
• A função de valor resultante tem um formato assimetricamente em forma de S, sendo côncava para ganhos (refletindo sensibilidade marginal decrescente a ganhos, o que gera aversão ao risco em ganhos) e convexa para perdas (sensibilidade decrescente a perdas adicionais, gerando busca de risco em perdas). Crucialmente, a função é muito mais inclinada na região de perdas do que na de ganhos, expressando a aversão à perda – quantitativamente, usualmente estima-se que uma perda dói cerca de duas vezes mais do que um ganho equivalente satisfaz. Assim, a curva de valor é mais íngreme abaixo do ponto de referência (perdas) do que acima (ganhos).
• Em lugar das probabilidades objetivas, introduz-se a ideia de pesos de decisão: as pessoas não ponderam resultados pela probabilidade linearmente, mas sim transformam as probabilidades através de uma função de ponderação. Geralmente, probabilidades muito pequenas são superestimadas (o que explica, por exemplo, por que loterias e seguros contra acidentes raros são mais atrativos do que uma análise racional sugeriria – uma pequena chance de ganho enorme parece psicologicamente maior do que é, e um pequeno risco de desastre pesa mais no medo do que deveria). Por outro lado, probabilidades moderadas e altas tendem a ser subestimadas em seu peso (contribuindo para o efeito certeza: um evento certo é muito mais impactante do que um de 95%, pois 95% é subponderado em comparação à certeza). Essa ponderação probabilística captura fenômenos como otimismo exagerado com pequenas chances e complacência com riscos prováveis.
A combinação desses elementos permitiu à Teoria do Prospecto explicar uma série de violações empíricas da teoria clássica. Por exemplo, a aversão ao risco em ganhos e propensão ao risco em perdas emergem naturalmente: dado o formato da função valor, um ganho certo é preferido a um prospecto arriscado equivalente (pois a utilidade adicional de um ganho maior não-certo não compensa a perda de valor da incerteza), enquanto para perdas ocorre o oposto – evitar uma perda certa dolorosa justifica correr o risco de possivelmente não perder nada, mesmo que a perda potencial seja maior.
Igualmente, a dependência de referência explica o viés do status quo e o efeito dotação: uma vez que algo é possuído, seu valor de referência muda e qualquer remoção é vista como perda – por isso tende-se a exigir mais para vender um item possuído do que se estaria disposto a pagar para adquiri-lo, uma assimetria amplamente confirmada experimentalmente. Ademais, os autores demonstraram como o enquadramento (framing) de resultados como ganhos ou perdas em relação a um certo ponto de referência pode inverter preferências (violando a invariância).
Um experimento célebre ilustrando o efeito de enquadramento foi apresentado por Tversky e Kahneman em 1981, conhecido como o “Problema da Doença Asiática”. Nesse experimento hipotético, foi dito aos participantes que uma doença asiática rara estava prestes a matar 600 pessoas, e eram propostas duas estratégias de combate. Na versão com enquadramento positivo, a opção A salvaria 200 pessoas com certeza, enquanto a opção B tinha 1/3 de chance de salvar todos os 600 e 2/3 de chance de não salvar ninguém. Diante dessa formulação, a grande maioria (72%) dos participantes preferiu a opção A (salvar 200 com certeza), revelando aversão ao risco quando os resultados são apresentados em termos de vidas salvas (ganhos).
Porém, a outro grupo de participantes foi apresentada a mesma situação de forma negativamente enquadrada: a opção C levaria à morte de 400 pessoas com certeza (equivalente a salvar 200), enquanto a opção D dava 1/3 de chance de ninguém morrer e 2/3 de chance de 600 morrerem (equivalente à anterior). Nessa moldura, a preferência se inverteu dramaticamente – 78% dos participantes preferiram a opção arriscada, buscando o risco na tentativa de evitar as 400 mortes certas.
Note-se que, logicamente, as opções A e C são idênticas, assim como B e D, diferindo apenas na descrição (vidas salvas vs. vidas perdidas). Ainda assim, a maioria das pessoas escolheu de formas opostas dependendo do enquadramento, em clara violação ao princípio de invariância da racionalidade clássica. A Teoria do Prospecto explica isso: no primeiro caso, as escolhas são percebidas como ganhos (vidas salvas), e a função valor concava torna a opção certa mais atraente; no segundo caso, são percebidas como perdas (vidas que morrerão), e a convexidade para perdas torna o risco mais palatável. Esse e vários outros experimentos consolidaram o efeito de enquadramento como um viés cognitivo robusto, pelo qual mudanças na forma de apresentação das opções – sem alteração do conteúdo substantivo – podem alterar as decisões.
As contribuições de Kahneman e Tversky foram altamente influentes na economia. Eles demonstraram, de maneira convincente, que os modelos clássicos não eram apenas “imperfeitos” mas sistematicamente desviantes da realidade, e forneceram ferramentas conceituais para incorporar essas anomalias em uma estrutura teórica. Como consequência, abriu-se espaço para uma reaproximação entre economia e psicologia a partir dos anos 1980.
Richard Thaler, então um jovem economista, foi um dos primeiros a abraçar essas ideias. Em uma série de artigos pioneiros, Thaler documentou fenômenos que contradiziam a racionalidade estrita do consumidor, introduzindo conceitos como contabilidade mental e explorando a implicação econômica de vieses como o efeito dotação e preferências dependentes de referência. Por exemplo, em 1980 ele discutiu o “valor de transação” e porque consumidores às vezes pagam preços irrazoáveis por uma cerveja se estiverem em um resort de luxo (devido a normas contextuais), e em 1985 formalizou o conceito de contabilidade mental – a ideia de que as pessoas alocam dinheiro em “contas mentais” separadas e não fungíveis, o que leva a decisões que violam a equivalência monetária (como tratar um bônus de forma mais permissiva nos gastos do que o salário regular).
Outro subcampo que floresceu foi as finanças comportamentais. Economistas como Robert Shiller começaram a aplicar insights psicológicos para entender anomalias nos mercados financeiros, como bolhas especulativas e volatilidade excessiva de preços, desafiando a hipótese dos mercados eficientes. Em 1985, Werner De Bondt e Richard Thaler mostraram que o mercado de ações apresenta inversões de retorno consistentes com vieses de representatividade (investidores super-reagem a notícias e depois corrigem), e inúmeras evidências de comportamentos não totalmente racionais de investidores se acumularam, incluindo a aversão a perdas levando investidores a manter ações perdedoras por tempo demais (relutância em realizar perdas) e vender ações ganhadoras cedo demais (realização rápida de ganhos), em linha com a Teoria do Prospecto.
Ao longo dos anos 1990, consolidou-se a comunidade de pesquisadores dedicados à economia comportamental. Foram criadas revistas especializadas (como o Journal of Behavioral Decision Making, Journal of Economic Behavior & Organization, e posteriormente o Journal of Behavioral Finance), bem como conferências interdisciplinares. A consagração veio no início do século XXI: em 2002, o Nobel concedido a Kahneman (Tversky falecera em 1996) colocou a psicologia econômica no holofote. Kahneman era apenas o segundo não-economista a receber tal prêmio, e o comitê ressaltou “sua integração de insights da pesquisa psicológica na ciência econômica, especialmente no que se refere ao julgamento humano e tomada de decisões sob incerteza”.
A partir de então, conceitos comportamentais passaram a figurar em currículos de economia e manuais padrão. Em 2008, o best-seller Nudge de Thaler e Cass Sunstein popularizou junto ao grande público (e formuladores de políticas) a ideia de que é possível orientar escolhas das pessoas de forma a melhorar seu bem-estar, sem coercitividade – uma aplicação direta dos achados comportamentais em políticas públicas. Uma década depois, em 2017, Thaler também foi laureado com o Nobel de Economia, por suas contribuições para incorporar premissas psicologicamente realistas na análise econômica e por lançar as bases da teoria do empurrão (nudge theory).
Em suma, a revisão histórica revela que a economia comportamental é, em certo sentido, um retorno às origens da economia – retomando preocupações com comportamento humano real que já estavam presentes em autores clássicos –, mas também uma fronteira inovadora, que rompeu com décadas de ortodoxia ao desafiar as suposições “não realistas” dos modelos neoclássicos. Hoje, como evidenciado pelo número de programas acadêmicos, publicações e centros de pesquisa dedicados, ela está totalmente integrada ao mainstream, influenciando desde as salas de aula até estratégias de governos e empresas. No entanto, esse sucesso levanta questões sobre sua originalidade epistemológica, que discutiremos adiante: teria a economia comportamental criado um novo paradigma científico ou apenas incorporado fatos estilizados da psicologia ao arcabouço existente? Antes de abordar essas reflexões, entretanto, consolidaremos os pilares teóricos que sustentam o campo.
III. Discussão Teórica: Heurísticas, Vieses e Racionalidade
Conforme delineado na seção histórica, os achados de Kahneman e Tversky nos anos 1970 e início dos 80 formam o núcleo teórico da economia comportamental. Nesta seção, examinamos com mais detalhe esses conceitos teóricos chave – heurísticas, vieses cognitivos e Teoria do Prospecto – e como eles representam desafios diretos aos axiomas da racionalidade neoclássica. Também relacionaremos esses conceitos com a noção de racionalidade limitada de Simon, oferecendo uma visão integrada das limitações cognitivas que afetam decisões econômicas.
Princípios da Racionalidade Clássica vs. Evidências Comportamentais
A teoria econômica tradicional baseia-se em alguns axiomas ou princípios considerados fundamentais para uma decisão racional. Entre eles destacam-se:
Princípio da Dominância: se a opção A é pelo menos tão boa quanto B em todos os aspectos, e estritamente melhor em pelo menos um aspecto, então A deve ser preferida a B. Esse é um critério lógico de consistência – escolher B quando A domina B seria irracional porque A oferece mais em tudo sem custo adicional.
Princípio da Invariância (ou Extensionalidade): as preferências entre alternativas não devem depender da forma de apresentação ou descrição das opções, mas apenas em suas consequências substantivas. Em outras palavras, diferentes representações do mesmo problema de escolha (que são extensionalmente equivalentes) deveriam levar à mesma decisão. Violar a invariância significa que fatores irrelevantes (como enquadramento verbal ou formato de apresentação) estão influenciando a decisão, o que não deveria ocorrer para um agente perfeitamente racional.
Transitividade das preferências: se uma pessoa prefere X a Y e prefere Y a Z, então deve preferir X a Z. Essa propriedade garante consistência interna no ordenamento de preferências. Sem transitividade, escolhas poderiam se tornar cíclicas e exploráveis (Money Pump argument), algo que a racionalidade exclui.
Independência de alternativas irrelevantes e o axioma da independência na utilidade esperada: na utilidade esperada, se uma loteria A é preferida a B, então uma combinação probabilística de A com uma terceira opção C deve ser preferida à mesma combinação de B com C. Essencialmente, preferências entre A e B não devem ser afetadas pela adição de um mesmo componente comum C (isso se relaciona ao efeito isolamento discutido).
Consistência temporal (ou Desconto exponencial): nas decisões intertemporais, assumia-se que os agentes descontam o futuro de forma exponencial consistente, implicando preferências temporais estáveis (o quão eu valorizo um bem daqui a 2 períodos vs. 1 período, deve ser consistente com a taxa de desconto anual, etc.). Violações disso levariam a preferências mutáveis no tempo (inconsistência dinâmica).
A economia comportamental emergiu justamente ao documentar que, na prática, as pessoas não seguem estritamente esses princípios. Em vez de enxergar isso como “ruído” ou irracionalidade aleatória, pesquisadores comportamentais buscaram padrões e explicações psicológicas para tais violações.
Examinemos mais de perto os exemplos já citados:
Violação da Invariância (Framing Effect): o Experimento da Doença Asiática exemplifica como uma mera mudança de enquadramento (vidas “salvas” vs. vidas “perdidas”) produziu preferências opostas, em contradição com a invariância. Outro exemplo de enquadramento encontrado em estudos: apresentar um incentivo como “multa por atraso” se paga depois do prazo vs. “desconto por pagamento adiantado” antes do prazo leva a diferenças de comportamento. Em um experimento real, 93% dos estudantes de pós-graduação se registraram na data de matrícula quando lhes foi dito que haveria uma multa por atraso, mas apenas 67% o fizeram quando, equivalentemente, foi oferecido um desconto por pontualidade. Psicologicamente, a ameaça de uma multa é enquadrada como uma perda (ativa a aversão à perda, motivando ação), enquanto o desconto como um ganho (menos efetivo em motivar ação do que evitar perda). Assim, mesmo resultado financeiro pode ter impacto distinto conforme enquadrado, violando a invariância e confirmando que “as preferências podem ser revertidas pela mudança de quadro”, como Tversky e Kahneman argumentaram em 1981.
Violação da Dominância e da Transitividade: embora menos comum, há situações em que preferências reveladas empiricamente podem falhar em dominância ou transitividade. Um exemplo clássico são as chamadas preferências lexicográficas ou baseadas em heurísticas como “eliminar aspectos”: às vezes um decisor rejeita uma opção baseada em um único atributo ruim, sem considerar compensações – isso pode levá-lo a preferir A sobre B (porque A tem melhor atributo X), B sobre C (porque B tem melhor atributo Y), mas C sobre A (porque C tem melhor atributo Z ignorado anteriormente). Em escolhas de consumo complexas, essas violações de transitividade já foram observadas quando a carga cognitiva é alta e as pessoas simplificam usando diferentes critérios locais de decisão.
Efeito Contexto / Alternativas Irrelevantes: Economistas comportamentais também estudaram a violação da independência de alternativas irrelevantes, por exemplo através do decoy effect (efeito isca). Se existem duas opções A e B, introduzir uma terceira opção C que é claramente pior que B mas parecida com B, aumenta a chance de B ser escolhida (C funciona como “isca” que torna B relativamente mais atraente). Isso contraria a ideia de independência de alternativas irrelevantes, já que C não deveria influenciar a preferência entre A e B caso fosse irrelevante. A heurística de comparação relativa e aversão à escolha extrema explicam esse efeito.
Inconsistência Temporal (Desconto Hiperbólico): Economistas comportamentais como George Ainslie (1975) e, posteriormente, David Laibson (1997) demonstraram que as pessoas apresentam preferências temporais inconsistentes, preferindo antecipar ganhos pequenos para hoje em detrimento de ganhos maiores amanhã, mas essa “impaciência” decresce para trade-offs mais distantes. Ex: muitos preferem receber $100 hoje a $110 em um mês, mas também preferem $110 em 13 meses a $100 em 12 meses, violando a consistência. Esse comportamento é modelado por desconto hiperbólico ou quasi-hiperbólico (modelo beta-delta), ao contrário do desconto exponencial constante assumido no modelo racional clássico. Isso gera fenômenos como procrastinação e arrependimento, conectando-se à noção de falta de autocontrole (self-control) já intuída por Adam Smith e formalizada por Thaler e Shefrin (1981) no modelo de planejador versus fazedor. A chave para entender essas violações está na cognição humana limitada: não possuímos capacidade (nem disposição) de calcular utilidades esperadas complexas ou de avaliar cada decisão sob todos os ângulos normativos. Em vez disso, usamos atalhos mentais (heurísticas) e somos influenciados por motivações psicológicas (desejo de evitar perdas, de se conformar ao contexto, de obter recompensas imediatas etc.).
Herbert Simon resumiu poeticamente essa ideia comparando o ser humano a uma formiga caminhando na praia – seu trajeto parece complicado, mas isso se deve às irregularidades do terreno (o ambiente), não à complexidade do inseto. Analogamente, o comportamento humano deve ser compreendido considerando tanto as limitações internas (capacidade cognitiva) quanto a estrutura do ambiente onde a decisão ocorre. Simon argumentava que grande parte do comportamento aparentemente racional surge porque o mundo fornece estruturas que as pessoas exploram; quando essas estruturas faltam, ou quando deliberadamente manipuladas, o comportamento se desvia do ótimo.
Heurísticas e Vieses: Detalhando Representatividade, Disponibilidade e Ancoragem
A seguir seria oportuno aprofundar a compreensão das três heurísticas identificadas por Tversky e Kahneman, pois elas constituem a base de inúmeros vieses estudados posteriormente:
Representatividade
Além do exemplo da sequência de moeda já dado, outro clássico é o problema de Linda (introduzido em Tversky & Kahneman, 1983). Nesse problema, os participantes leem uma breve descrição de Linda, dizendo que na faculdade ela era engajada em causas anti-discriminação e movimentos sociais. Depois pergunta-se: o que é mais provável? (A) “Linda é caixa de banco”; ou (B) “Linda é caixa de banco e ativa no movimento feminista”. A maioria absoluta escolhe a opção B como mais provável, violando a regra da probabilidade, já que B é logicamente uma intersecção mais específica (caixa de banco e feminista) e, portanto, não pode ser mais provável que A (caixa de banco). Esse é o viés da conjunção, diretamente decorrente da representatividade: a descrição de Linda se encaixa melhor no estereótipo de feminista, então “caixa e feminista” parecem mais “representativo” ou plausível que apenas “caixa”, apesar de ser probabilisticamente mais restrito. Esse viés ilustra como a mente usa semelhança em vez de probabilidade e leva a erros.
Disponibilidade
Muitos vieses de percepção de risco e frequência derivam dela. Por exemplo, pessoas acham mais provável morrer em um acidente de avião do que de ataque asmático, quando na verdade as mortes por asma são significativamente mais numerosas. Acidentes aéreos ocupam muito espaço na mídia e memória; crises asmáticas fatais são raramente noticiadas – logo as primeiras vêm fácil à mente, as segundas não, distorcendo o julgamento. Outro efeito ligado à disponibilidade é o viés de memória: nossa avaliação de períodos (como qual ano teve mais desastres naturais, ou se determinado mês teve mais dias chuvosos) é influenciada pelo quão salientes são as ocorrências (um furacão devastador ou uma enchente marcante podem fazer um ano parecer repleto de desastres, mesmo que estatisticamente não tenha sido).
Ancoragem e Ajustamento
Essa heurística se manifesta inclusive em contextos numéricos triviais. Se perguntarmos a alguém: “A população da Turquia é maior ou menor que 40 milhões?” e em seguida “Qual é a população da Turquia?”, a resposta numérica final tenderá a ficar em torno de 40 milhões. Mas se perguntarmos inicialmente “... maior ou menor que 80 milhões?”, a estimativa final será significativamente maior. O valor inicial (40 ou 80) “ancora” a intuição do respondente. Esse fenômeno foi documentado em situações desde julgamentos jurídicos (valores de indenizações propostas ancoram o júri) até negociações salariais (a primeira oferta serve de âncora). O ajustamento posterior das pessoas, mesmo quando tentam corrigir a influência, geralmente não é suficiente para eliminar o viés. A ancoragem explica também comportamentos como adesão ao status quo: o estado atual serve de âncora, de modo que mudanças são avaliadas como grandes (mais do que realmente são), levando a preferir deixar “como está” – algo alinhado ao viés de status quo/inercias.
Importante salientar que heurísticas não são intrinsecamente “más” – elas são indispensáveis no cotidiano. O próprio Kahneman, em seu livro Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar (2011), sistematiza essa ideia com o modelo dos “Sistema 1 e Sistema 2” de cognição. O Sistema 1 é rápido, intuitivo, automático e associações heurísticas; o Sistema 2 é lento, deliberativo e esforçado, responsável pelo pensamento analítico. A maior parte de nossos julgamentos corriqueiros é feita pelo Sistema 1 usando heurísticas; o Sistema 2, embora capaz de raciocinar formalmente, opera parcimoniosamente (pois consome energia e tempo).
Assim, as heurísticas são o “modo padrão” de decidir. Os vieses surgem quando o Sistema 2 não detecta o erro potencial da intuição e não corrige o julgamento. Isso acontece frequentemente porque estamos ou desatentos, ou confiantes demais em nossa intuição, ou porque o próprio Sistema 2 também tem limitações (por exemplo, pode saber a fórmula da utilidade esperada, mas não ter dados ou disciplina para aplicá-la). Essa estrutura teórica permite entender quando as heurísticas falham: tipicamente sob incerteza, problemas mal estruturados, ou pressões de tempo e emoção – condições nas quais o Sistema 1 domina.
Teoria do Prospecto e suas Implicações
Como já detalhado, a Teoria do Prospecto formaliza um modelo de decisão sob risco que acomoda os vieses observados empiricamente. Vamos reforçar algumas de suas implicações e extensões:
Aversão à Perda
É talvez o conceito mais difundido da economia comportamental. Além dos exemplos qualitativos, foi quantificada por Kahneman & Tversky e outros: em média, para que alguém aceite uma aposta 50%/50%, o ganho potencial precisa ser cerca do dobro da perda potencial. Por exemplo, poucas pessoas topam cara-e-coroa se perder $100 ou ganhar $120; mas muitos aceitam se for perder $100 ou ganhar $200. A aversão à perda gera fenômenos interessantes.
O Efeito Dotação é um exemplo: indivíduos atribuem mais valor a bens que possuem do que a bens idênticos que não possuem. Em um estudo famoso (Kahneman, Knetsch & Thaler, 1990), metade dos participantes de uma turma recebeu uma caneca de brinde e metade não. Depois de alguns minutos, foi perguntado aos que tinham a caneca por quanto venderiam (valor de venda) e aos que não tinham, quanto pagariam por uma caneca (valor de compra).
Em teoria econômica clássica, como todos atribuem utilidade ao objeto de forma semelhante, o valor médio de compra e venda deveria ser igual. Mas encontraram que, em média, os detentores só vendiam por cerca de $7, enquanto os outros pagariam apenas cerca de $3 – ou seja, simplesmente ganhar a caneca criou um efeito dotação que dobrou seu valor subjetivo. Por quê? Porque perder a caneca (para quem já a possui) é sentido como uma perda e deve ser compensado com mais dinheiro, enquanto ganhar a caneca (para quem não tem) é apenas um pequeno ganho potencial.
A assimetria tem profundas implicações para mercados: explica em parte por que há menos transações do que o modelo friccional sugere (os vendedores exigem mais do que os compradores estão dispostos a pagar, devido à perda percebida pelo primeiro ser maior que o ganho percebido pelo segundo). Também ajuda a entender vieses como a avaliação inflada de patrimônio (pessoas tendem a superestimar o valor de mercado de suas casas ou posses, porque consideram a venda como uma perda do bem) e a resistência a reformas (mudanças que tiram algum benefício existente enfrentam oposição forte, mesmo que ofereçam outro benefício equivalente, pois o mal-estar da perda fala mais alto).
Efeito de Reflexão
Uma consequência da curva valor em S é que as preferências se refletem entre ganhos e perdas. Ou seja, aversão ao risco para ganhos (curva côncava) e preferência ao risco para perdas (curva convexa) são como imagens espelhadas. Isso explica porque as mesmas pessoas que evitam loterias favoráveis (por exemplo, rejeitar 50% de ganhar $120 / 50% de perder $100) podem comprar seguros (pagar prêmio para evitar risco de perda grande) – aversão a risco em ganhos; e ao mesmo tempo porque alguém pode apostar quantias altas para tentar recuperar perdas anteriores (busca de risco para evitar concretizar perdas). Esse comportamento no mercado financeiro é conhecido: investidores muitas vezes seguram ações em queda esperando “voltar ao zero” (não aceitam a perda certa vendendo agora, preferem arriscar mais) e vendem ações em alta cedo (garantem logo o ganho, com medo de perder o lucro), resultando em desempenhos subótimos.
Pesos Decrescentes de Probabilidade
A função de ponderação de probabilidade da Prospect Theory, posteriormente ajustada na versão “Cumulative Prospect Theory” (1992), geralmente mostra sensibilidade diminuída a diferenças de probabilidade longe dos extremos. Por exemplo, a diferença entre 0% e 1% de chance de um evento parece maior do que entre 30% e 31%. Isso leva a preferências não-lineares. Um fenômeno ilustrativo é a busca por riscos muito pequenos com alto retorno (compra de bilhetes de loteria, investimentos altamente especulativos): 1% de chance de ganhar muito é sobreponderado, tornando o prospecto atraente mesmo quando a utilidade esperada é negativa.
Simetricamente, um risco de 1% de uma catástrofe é sobreponderado e as pessoas pagam um prêmio grande para reduzi-lo a zero (por isso seguros contra eventos raros podem cobrar prêmios elevados). Já entre probabilidades moderadas, por exemplo, a diferença entre 50% e 60% é subvalorizada – as pessoas às vezes tratam 60% quase como “talvez” similar a 50%. Isso afeta decisões médicas (pacientes reagindo de forma parecida a tratamentos com 50% ou 60% de sucesso, quando deveriam preferir significativamente o de 60%) e outras percepções de risco.
Eficiência Descritiva
A Prospect Theory foi uma das primeiras teorias a unir vários vieses num só quadro teórico – uma vantagem sobre simplesmente listar heurísticas isoladas. Ao incluir referência, valor assimétrico e ponderação de probabilidade, ela explica: aversão à perda, efeito dotação, efeito reflexão (ganhos vs perdas), efeito certeza (sobrevalorização do certo vs provável), efeito loteria (sobrevalorização de chances pequenas), efeito enquadramento (via referência + aversão perda), entre outros. Isso fez com que economistas começassem a incorporar essas modificações em análises aplicadas – desde modelos de escolha do consumidor até avaliações de políticas (por exemplo, preferir apresentar políticas públicas em termos de vidas salvas do que vidas perdidas, ou ganhos certos vs impostos evitados etc., para obter mais aceitação conforme o viés de enquadramento).
Mesmo com seu sucesso, a Prospect Theory não é isenta de críticas. Uma crítica epistemológica é que ela é descritiva, mas não necessariamente “fundamentada” em princípios microfundamentais de cognição – é um modelo fenomenológico que ajusta dados, mas não explica mecanicamente como o cérebro chega a essas preferências. Em resposta, campos como a neuroeconomia (discutida adiante) buscam conectar esses componentes a processos neurais (por exemplo, avaliando como o cérebro codifica ganhos vs. perdas). Outra crítica é que ela não lida com escolhas sequenciais ou intertemporais (foco apenas em risco estático). Entretanto, a teoria foi estendida e inspirou outras: p.ex., modelos de utilidade dependentes do passado (para explicar aversão à realização de perdas), modelos dual-self para autocontrole etc.
Racionalidade Limitada e Outros Conceitos Complementares
Além das heurísticas e da Prospect Theory, a economia comportamental abrange outros conceitos teóricos importantes que complementam a visão das limitações humanas:
Racionalidade Limitada e Lógica Procedimental: Simon não apenas apontou limites, mas sugeriu novas formas de pensar a racionalidade. Ele propôs a ideia de racionalidade procedimental – avaliar a racionalidade não só pelos resultados (consistência de escolhas), mas pelos procedimentos de decisão dados os limites do agente. Por exemplo, um algoritmo simples, mas que usualmente funciona bem pode ser visto como “racional” procedimentalmente para um agente limitado. Essa visão influenciou a pesquisa operacional e áreas de tomada de decisão multiobjetivo, e hoje se conecta com modelos de agentes computacionais (visto em Perspectivas Futuras). Na economia comportamental, incorpora-se isso ao reconhecer que pessoas que usam regras heurísticas adaptativas, não são tolas – elas fazem o melhor que podem no “jogo da vida” com recursos cognitivos escassos.
Contabilidade Mental: Conceito introduzido por Thaler, refere-se à forma como indivíduos categorizam, codificam e avaliam economicamente seus recursos e atividades financeiras em contas separadas mentalmente. Essa “mental accounting” viola o princípio de fungibilidade do dinheiro (economicamente, um real é um real, não importa de onde veio ou em que vai ser gasto). Contabilizar mentalmente pode levar a decisões enviesadas: por exemplo, pessoas podem ter uma conta mental de lazer e outra de necessidades básicas – um indivíduo endividado no cartão (conta negativa “necessidades”) ainda assim se permite gastar com jantar fora porque “é uma ocasião especial” (justificado pela conta de lazer). Sob racionalidade econômica, ele deveria priorizar quitar a dívida (já que dinheiro é fungível e juros corroem riqueza), mas mentalmente essas contas não se comunicam perfeitamente. Outro exemplo: ao receber um reembolso de imposto ou um décimo terceiro salário, muitas pessoas o tratam como “dinheiro inesperado” e gastam impulsivamente, enquanto tratariam diferentemente o salário mensal. Exemplos clássicos de contabilidade mental vêm de problemas experimentais:
• O Problema do ingresso perdido vs nota perdida: quando as pessoas foram questionadas sobre pagar novamente por uma entrada de teatro se tivessem perdido a entrada original de $10, apenas 46% topariam; mas se tivessem perdido $10 em dinheiro antes de comprar a entrada, 88% comprariam a entrada normalmente. A análise é que no primeiro caso, a despesa de teatro já está “lançada” mentalmente (perder o ingresso é como ter gasto $10 e não ter nada – repagar dobra o custo mental do evento, então muitos desistem). No segundo caso, a perda dos $10 é contabilizada numa conta geral (dinheiro), não na conta do teatro, então os $10 do ingresso ainda são aceitáveis – afinal, mentalmente o orçamento do teatro não foi gasto. Objetivamente é ilógico (em ambos os casos se perdeu $10 e tem que decidir gastar mais $10 pelo teatro), mas mentalmente parece diferente. Isso demonstra a contabilidade mental em ação.
• O Problema da jaqueta e da calculadora: consumidores foram perguntados se dirigiriam 20 minutos até outra loja para economizar $5 na compra de uma calculadora de $15; a maioria (68%) disse que sim. Outro grupo foi perguntado se fariam a mesma viagem de 20 minutos para economizar $5 numa jaqueta de $125; apenas 29% toparam. Objetivamente, $5 é $5, e 20 minutos são 20 minutos – a decisão racional deveria ser igual em ambos os cenários (se vale a pena ou não pelo mesmo ganho de $5). Contudo, mentalmente $5 tem peso diferente dependendo do contexto: no caso da calculadora (barata), $5 representa um desconto de 33%, parece significativo; no caso da jaqueta cara, é só 4% de desconto, percebido como trivial. Os consumidores fazem conta relativa em vez de absoluta – um viés comportamental. Novamente, isso fere a fungibilidade: $5 deveriam ser valorizados igualmente. Porém, do ponto de vista psicológico, as pessoas pensam em termos de transações isoladas (conta “compra da calculadora” vs “compra da jaqueta”) e avaliando boas ofertas ou pechinchas em termos percentuais ou de referência. Esse tipo de raciocínio explica comportamentos como dirigir alguns quilômetros a mais para abastecer o carro quando a gasolina está $0,10 mais barata (economia talvez de $2 total), mas não barganhar 0,1% de desconto na compra de um carro novo (o que poderia ser dezenas de dólares) – a mente não percebe igualmente ganhos absolutos pequenos, ela contextualiza.
Thaler (1999) em “Mental Accounting Matters” resume que contabilidade mental envolve três componentes: (i) como resultados são percebidos e experienciados (codificação de ganhos/perdas, e.g., o framing de um desconto vs. multa); (ii) como e quando as contas são avaliadas (avaliar investimentos individualmente vs. portfólio, ou gastos por categoria vs. global); e (iii) orçamento e controle próprio (criação de regras mentais, tipo “não gastar mais que X em lazer”, que é uma estratégia de autocontrole via contabilidade). Contas mentais ajudam muitas vezes na autodisciplina (p.ex., separar uma poupança para aposentadoria e não mexer nela, mesmo tendo dívidas de cartão mais caras, porque mentalmente essa poupança é “intocável” – irracional financeiramente, mas útil psicologicamente).
Viés de Confirmação: Embora não originado por economistas, é um viés psicológico relevante em decisões econômicas que foi incorporado na literatura comportamental. Trata-se da tendência de procurar, interpretar e lembrar informações de modo a confirmar nossas crenças prévias. Isso afeta analistas financeiros (que podem dar peso excessivo a notícias que apoiam sua tese de investimento e negligenciar sinais contrários), afeta empresários (subestimando riscos se acreditam fortemente no sucesso de um produto), e políticas (um formulador decide por intuição e depois busca dados que corroborem a política escolhida, ignorando evidências contrárias). O viés de confirmação mantém crenças e status quo, e está ligado à avaliação enviesada de evidências – as pessoas escrutinam mais criticamente fatos contra suas convicções, ao passo que aceitam facilmente fatos a favor. Isso explica por exemplo a polarização em debates econômicos: dois indivíduos com ideologias opostas podem olhar para o mesmo dado econômico e sair com conclusões divergentes, pois cada um destacou o que confirmava suas posições. Na economia comportamental, isso reforça a noção de agentes heterogêneos com “modelos mentais” diferentes, algo que contrasta com a suposição tradicional de crenças objetivas ou ao menos racionalmente atualizáveis (o viés de confirmação é uma violação da racionalidade bayesiana estrita de atualização de crenças, onde evidências deveriam modificar igualmente as crenças de diferentes agentes, o que não ocorre na prática).
Excesso de Confiança e Viés de Otimismo: Já antecipado nos escritos de Smith, esse viés significa que as pessoas frequentemente superestimam suas habilidades, conhecimento ou capacidade de controlar eventos, bem como tendem a julgar o futuro de forma demasiadamente otimista. Por exemplo, estudos mostram que ~90% dos motoristas se avaliam como acima da média em habilidade – uma impossibilidade estatística. Investidores individuais negociam ações com frequência excessiva achando que têm informações melhores que a média, quando na verdade acabariam melhores se comprassem e mantivessem. Empreendedores regularmente subestimam prazos e custos de projetos (o chamado planning fallacy) e superestimam as chances de sucesso de seus negócios, levando a taxas altas de fracasso. O excesso de confiança pode ser dividido em componentes: sobre-estimar a própria performance, subestimar riscos, e acreditar ter mais controle do que realmente tem (ilusão de controle). Na economia comportamental, essas tendências explicam por exemplo por que mercados de ações podem ter volume de negociação muito maior do que o justificável racionalmente (muitos operadores “confiam” que estão vendo oportunidades que outros não veem) e porque bolhas podem se formar (exuberância irracional alimentada por otimismo generalizado). Políticas públicas também lidam com isso: por exemplo, muitos indivíduos são excessivamente otimistas quanto à própria saúde, o que pode levá-los a não contratar seguros ou não poupar para aposentadoria (acreditam que “tudo dará certo”); daí iniciativas de nudge ou obrigatoriedade nesses campos para proteger contra o excesso de otimismo.
Ao integrar todos esses conceitos – heurísticas, vieses diversos, racionalidade limitada, contabilidade mental – a economia comportamental constrói uma imagem muito mais rica e, argumenta-se, realista do processo decisório. O ser humano emerge não como um calculador frio, mas como um organismo que simplifica problemas complexos, influenciado por emoções e contextos, e que se preocupa em evitar erros grosseiros, mas não necessariamente em otimizar cada decisão. Essa mudança de perspectiva tem profundos reflexos teóricos: em vez de presumir otimização sob restrições em todas as situações, modelos comportamentais muitas vezes adotam a premissa de “satisficing” (solução satisfatória), ou incorporam uma distribuição de tipos de comportamento (alguns agentes racionais, outros heurísticos etc.), ou ainda buscam prever quando e como certos vieses aparecerão.
Essa flexibilidade, contudo, traz um debate epistemológico: a economia comportamental constitui um novo paradigma? Alguns argumentam que sim, pois questiona os pressupostos básicos da racionalidade, tal como a física quântica questionou a determinística. Outros, porém, defendem que a economia comportamental é mais uma extensão incremental – adicionando “fricções psicológicas” aos modelos, mas sem derrubar a estrutura neoclássica fundamental. Há quem diga que, no limite, a economia comportamental busca reintegrar a economia ao que ela já foi no passado (mais próxima da psicologia moral e social de Adam Smith), portanto não é algo totalmente novo, mas um retorno necessário. Richard Thaler, por exemplo, especulou que “no futuro, a economia comportamental desaparecerá” – não porque fracassará, mas porque suas ideias serão completamente absorvidas pela teoria econômica convencional, tornando-se indistinguíveis. Essa visão sugere que “economia comportamental” seria um rótulo temporário: afinal, no longo prazo, toda economia deveria ser comportamental, uma vez que não existe economia não comportamental (como Simon ironizou, “economia comportamental é pleonasmo”, já que economia lida com comportamento necessariamente).
Independente desse debate, o que se observa é que hoje a economia comportamental mantém certa distinção institucional e metodológica: prioriza experimentos controlados, análises empíricas micro, e a interdisciplinaridade com psicologia, enquanto a economia tradicional enfatiza modelos matemáticos dedutivos e análise de mercado/macroeconômica sob pressupostos de equilíbrio. Nos últimos anos, contudo, a fronteira entre os campos não está nítida, como discutiremos – com abordagens híbridas e novos métodos que aproximam cada vez mais as vertentes.
Na próxima seção, ilustraremos empiricamente vários dos conceitos discutidos, com exemplos clássicos de experimentos e evidências, de modo a dar ao leitor um entendimento concreto de como esses vieses e princípios se manifestam no comportamento econômico cotidiano.
IV. Evidências Empíricas e Exemplos Ilustrativos
Nesta seção, apresentamos uma série de exemplos empíricos – muitos deles derivados de experimentos clássicos – que ilustram os principais conceitos da economia comportamental de forma concreta e didática. A ideia é traduzir os conceitos teóricos abordados em cenários práticos, mostrando como heurísticas e vieses influenciam escolhas reais, e como conceitos como racionalidade limitada, contabilidade mental, aversão à perda, enquadramento e nudges aparecem em situações do dia a dia ou em políticas públicas. Cada subconjunto abaixo explora um desses conceitos centrais com um ou mais exemplos.
Racionalidade Limitada e Satisfação vs. Otimização
Exemplo 1: Escolha de apartamento (satisfice vs. optimize). Imagine que Maria procura um apartamento para alugar em uma cidade grande. Há centenas de opções no mercado variando em preço, localização, tamanho etc. Se Maria fosse uma agente perfeitamente racional com tempo e informação ilimitados, ela compararia todas as opções disponíveis, ponderaria cada atributo (talvez convertendo tudo em utilidade monetária), e escolheria o apartamento que maximiza sua utilidade esperada. Na prática, isso é inviável – seria necessário visitar centenas de locais e processar uma quantidade enorme de informação. O que Maria faz? Provavelmente estabelece alguns critérios simples: por exemplo, “precisa ter no mínimo 2 quartos, estar a até 30 minutos do trabalho e custar até $1000”. Ela imediatamente descarta opções que não atendem a esses requisitos (reduzindo drasticamente o universo). Então, entre as que sobraram, possivelmente ela decidirá após visitar apenas uma dezena – e a primeira que parecer “boa o suficiente” (digamos, atende os critérios e não apresenta defeitos graves) ela fecha negócio, em vez de ver todas até o fim.
Esse comportamento é uma clara manifestação de satisficing. Maria não otimizou globalmente, mas dado seu limiar de aspiração, encontrou uma alternativa satisfatória e parou de procurar. Do ponto de vista de Simon, essa é uma decisão racional procedimentalmente, dado os custos de informação e o fato de que o ganho marginal em buscar um apartamento ligeiramente melhor não compensa o esforço adicional. Entretanto, do ponto de vista da teoria neoclássica pura, Maria poderia ter deixado de alugar um apartamento que, se ela continuasse buscando, descobrisse ser melhor e talvez até mais barato – ou seja, ela possivelmente ficou aquém do ótimo global. Estudos de comportamento mostram que esse tipo de estratégia aspiracional é comum e eficaz na maioria das situações cotidianas, justamente por poupar esforço cognitivo.
Exemplo 2: Jogo do ultimato (limites de racionalidade e preferências sociais). O jogo do ultimato envolve dois participantes dividindo uma quantia de dinheiro. Um propositor sugere como dividir, e o respondente aceita ou rejeita (se rejeitar, ambos ganham nada). Pela teoria da otimização estrita, qualquer oferta > $0 para o respondente deveria ser aceita (pois algo é melhor que nada) e, antecipando isso, o propositor deveria oferecer o mínimo possível.
Porém, em experimentos reais, costuma-se observar que propositor oferece algo entre 30-50% e ofertas muito baixas (ex: 5% da quantia) são rejeitadas pela segunda pessoa, mesmo está incorrendo em custo ao rejeitar. Por quê? Aqui vemos os limites da racionalidade econômica estrita em dois aspectos: (i) limitação cognitiva: o respondente pode não fazer cálculo preciso de utilidade, mas reage emocionalmente à injustiça, punindo o propositor mesmo contra seu interesse monetário imediato (indicando que preferências humanas incluem equidade e reciprocidade, não só ganho próprio); (ii) heurística simples: “oferta injusta -> rejeitar” poderia ser um atalho mental ou uma norma social internalizada (a racionalidade substantiva diria “aceite qualquer coisa”, mas a racionalidade limitada com preferências sociais leva a outro resultado).
Esse experimento, replicado inúmeras vezes, demonstra que mesmo em decisões relativamente simples envolvendo dinheiro, outros fatores entram em jogo além da otimização individual, seja por limites cognitivos (emoção do momento) ou porque a função de utilidade das pessoas inclui termos além do ganho monetário (como orgulho, senso de justiça etc.). Em suma, a racionalidade humana opera em um espaço mais complexo do que supõe a teoria do homo economicus.
Heurísticas de Julgamento: Representatividade, Disponibilidade e Ancoragem
Exemplo 3: Representatividade e investimentos. Um investidor acompanha o desempenho de dois fundos mútuos nos últimos anos. O Fundo A teve o seguinte retorno nos últimos 5 anos, em relação ao índice de mercado: +5%, +2%, +6%, +3%, +4% (sempre superando o mercado um pouco). O Fundo B teve: +30%, -10%, +25%, -5%, +20% (oscilações grandes, mas em média também superou o mercado). Pergunta-se: qual fundo tem maior probabilidade de bater o mercado no próximo ano? Muitos investidores, por representatividade, apostariam no Fundo A – porque ele parece consistentemente “ganhador”, enquanto o Fundo B parece instável e arriscado.
Contudo, se ambos tiveram similar retorno médio acima do mercado, e supondo que os retornos são voláteis, é possível que nenhum dos padrões passados realmente informe sobre o futuro (pode ser tudo sorte). O investidor com heurística de representatividade negligencia o fato de que pequenas amostras de desempenho podem ser enganadoras e “toma a parte pelo todo” – acha que A, por ter uma sequência de pequenos sucessos, representa um gestor habilidoso e confiável, enquanto B representa um “apostador” arriscado.
Na verdade, estatisticamente, a sequência ordenada de A pode muito bem ocorrer por acaso e não garantir nada. Esse viés pode levar investidores a preferir fundos com histórico linearmente positivo (mesmo que apenas ligeiramente acima do mercado) e evitar fundos voláteis ainda que possam ter melhor retorno ajustado a risco no longo prazo. Em mercados acionários, isso se relaciona à falácia do jogador e à extrapolação: investidores compram ações que sobem por vários meses (extrapolando a tendência como se a empresa “deve” ser boa) e vendem as que caíram continuamente (imaginando que continuarão ruins), muitas vezes exatamente ao contrário do que seria ideal (já que preços se ajustam e tendências podem reverter).
Exemplo 4: Disponibilidade e percepção de risco. Após a cobertura exaustiva de um ataque de tubarão numa praia, muitas pessoas cancelam viagens ao litoral por medo, ou evitam entrar no mar. Ao mesmo tempo, elas podem não tomar precauções contra riscos muito mais prováveis, como usar cinto de segurança no táxi no caminho para o aeroporto ou evitar nadar em piscinas sem supervisão (afogamentos em piscinas são estatisticamente muito mais comuns que ataques de tubarão). A diferença? O ataque de tubarão está vívido na memória, talvez associado a imagens chocantes vistas na TV – fica disponível prontamente quando pensamos em “perigo na praia”.
Já a ideia de morrer afogado na piscina é banal e pouco retratada, não ativa o mesmo temor imediato. Em consequência, a disponibilidade distorce a percepção: o risco de tubarão, que é ínfimo, parece maior do que é; outros riscos altos, mas menos disponíveis mentalmente, são subestimados. Autoridades de saúde pública enfrentam esse fenômeno: por exemplo, muito mais gente teme contrair doenças em eventos catastróficos (Ebola durante surtos amplamente noticiados) do que doenças crônicas não comunicáveis (como diabetes ou hipertensão) que silenciosamente matam milhões – porque epidemias geram imagens e manchetes, enquanto mortes por colesterol alto não. A formulação de políticas deve lidar com isso, às vezes usando a própria disponibilidade a favor: campanhas antitabagismo exibindo imagens fortes de doenças visam tornar disponível o dano do cigarro (que normalmente é “invisível” no curto prazo).
Exemplo 5: Ancoragem em negociações salariais. João está concorrendo a uma vaga de emprego. Na entrevista, o recrutador pergunta: “Qual sua pretensão salarial para esta posição? Algo em torno de R$ 5.000?” Aqui o recrutador já inseriu uma âncora (R$ 5.000). Mesmo que João esperasse receber R$ 6.000, ele pode acabar ajustando sua pretensão para algo próximo a 5 mil. Se, alternativamente, o recrutador tivesse dito “... em torno de R$ 7.000?”, provavelmente a discussão salarial seguiria a partir desse patamar mais alto. Estudos mostram que quem faz a primeira oferta numa negociação obtém vantagem de ancoragem: a cifra inicial tende a puxar o acordo final em sua direção, porque a contraparte, ao fazer uma contraoferta, tende a não se afastar drasticamente da âncora. Isso vale para compras de carro, imóveis, salários etc. No caso de João, mesmo consciente, é difícil ignorar completamente a âncora sugerida; ele poderia responder “Eu esperava algo em torno de R$ 6.000”, mas veja que até esse valor pode ter sido discretamente reduzido pela âncora de 5 mil.
A ancoragem atua também em contextos não interativos: por exemplo, experimente às vezes pedir a alguém que pense em um número aleatório de 1 a 100, e depois pergunte: “você acha que a população da Suécia passa de X milhões?” onde X é esse número. A resposta final de população será correlacionada com X, mesmo sabendo que o número era aleatório. Em suma, o cérebro parece usar o que estiver disponível como ponto de partida e então ajusta – mas raramente ajusta o suficiente, principalmente quando não tem informação clara. Isso é explorado em táticas de marketing: preços “de” e “por” – uma etiqueta diz “De R$ 300 por R$ 150” ancora o cliente em R$ 300 como referência de valor, fazendo-o achar R$ 150 um ótimo negócio; se o produto simplesmente custasse R$ 150 sem referência, talvez não parecesse tão atraente.
Exemplo 6: Efeito de enquadramento (framing). Além do problema da doença asiática, considere um exemplo cotidiano: programas de fidelidade. Uma cafeteria oferece a cada cliente um cartão com 10 espaços para carimbos e promete “o 10º café é grátis”. Outra cafeteria oferece um cartão com 12 espaços, mas já com 2 carimbos preenchidos (dizendo que está dando um “bônus inicial”) – de modo que também só faltam 10 para o gratuito. Objetivamente, ambas oferecem o mesmo (pague 9 cafés e o 10º é grátis). Porém, estudos indicam que o segundo enquadramento (cartão com “progressão” inicial) aumenta o engajamento dos clientes – eles percebem que já começaram (mesmo que artificialmente) e isso os motiva a completar a tarefa, um exemplo de enquadramento em termos de progresso.
Psicologicamente, o primeiro cartão começa do zero (0/10), o segundo começa com um “avanço” (2/12 equivalentes a 0/10, mas sentido como 2 já conquistados de 12). Esse pequeno truque de apresentação aumenta a taxa de conclusão dos cartões (mais clientes chegam ao 10º café). É um nudge sutil usando enquadramento de conquista. Aqui o enquadramento está atuando via uma heurística de que as pessoas gostam de completar metas quando já veem progresso feito – embora racionalmente, os dois esquemas sejam idênticos, o comportamento observado difere.
Aversão à Perda e Efeito Dotação
Exemplo 7: Jogo das duas apostas (demonstrando aversão à perda). Considere dois jogos: no Jogo 1, você pode aceitar uma aposta com 50% de chance de ganhar $100 e 50% de chance de perder $80. No Jogo 2, você pode aceitar 50% de chance de ganhar $100 ou 50% de chance de não ganhar nada (e não perder nada). Ambos os jogos têm expectativa positiva ($10 no Jogo 1, $50 no Jogo 2). No modelo racional, se alguém aceita o Jogo 2, deveria aceitar também o Jogo 1, já que o valor esperado de ambos é positivo e o risco do Jogo 1 nem é tão alto. Mas muitas pessoas aceitam o Jogo 2 (pois não há possibilidade de perder) e recusam o Jogo 1 (pela possibilidade de perda). Isso ilustra aversão à perda: a dor associada a possivelmente perder $80 supera o prazer de possivelmente ganhar $100, mesmo com probabilidade igual. Já o Jogo 2 não envolve perda, então é facilmente aceito. Em experimentos, ao perguntar qual o mínimo ganho necessário para arriscar perder $X, geralmente a resposta gira em torno de 2X (ex: arriscaria perder $100 se pudesse ganhar pelo menos $200) – confirmando a proporção 2:1 que Kahneman e Tversky encontraram. Essa atitude contrasta com a neutralidade ao risco que seria esperada se ganhos e perdas fossem avaliados simetricamente.
Exemplo 8: Efeito dotação com bilhetes de loteria. Imagine que você recebeu gratuitamente um bilhete de loteria para um sorteio que acontecerá amanhã, e alguém lhe oferece dinheiro agora pelo bilhete. Por quanto você venderia? Agora imagine o oposto: você não tem bilhete, mas gostaria de participar do sorteio; quanto você estaria disposto a pagar num bilhete? Experimentos mostram que quem possui o bilhete tende a exigir significativamente mais para vendê-lo do que o valor que quem não possui está disposto a pagar – apesar de que, para ambos, a probabilidade de ganhar o prêmio são os mesmos. O simples fato de “ser dono” do bilhete gera um apego e a perspectiva de perdê-lo (e perder a chance, por mínima que seja, do prêmio) provoca aversão à perda. Já para quem não tem, o bilhete é apenas um gasto potencial por uma chance remota, não tão atraente. Esse é um caso interessante porque o bem (o bilhete) não tem uso intrínseco nem valor de consumo – seu valor é puramente lotérico. Ainda assim, o efeito dotação aparece. Este experimento reforça que a aversão à perda não é apenas sobre utilidades de consumo, mas até sobre “possibilidades” e endowments abstratos.
Exemplo 9: Status quo bias em planos de aposentadoria. Em muitos países, trabalhadores têm a opção de inscrever-se (opt-in) ou não em planos de aposentadoria oferecidos pelo empregador. Observa-se que quando a inscrição é voluntária (você tem que ativamente escolher contribuir), as taxas de participação são menores do que quando a inscrição é automática e a pessoa pode escolher sair (opt-out). Por exemplo, nos EUA antes de 2006, muitos planos eram opt-in e a adesão girava em torno de 40-50%. Após políticas incentivando enrollment automático (opt-out), em várias empresas a adesão subiu para 90%+.
Isso ocorre em parte porque a aversão à perda e viés de status quo trava o indivíduo: no opt-in, contribuir para o plano é percebido como uma perda imediata de salário líquido (mesmo que seja benéfico no longo prazo), então muitos procrastinam ou evitam; no opt-out, não aderir significaria “perder” o benefício do plano ou a contribuição do empregador – e, além disso, a inércia leva a manter o status quo que agora é estar inscrito. A simples mudança de padrão (default) altera drasticamente o comportamento, mesmo se nenhum incentivo financeiro tenha mudado. Isso exemplifica como as pessoas tendem a evitar a sensação de perda imediata e preferem não mudar as coisas (status quo), a menos que haja um motivo forte. Ao colocar a contribuição como padrão, remove-se a sensação de perda de ter que “abrir mão” de parte do salário (já que o status quo passa a ser contribuir), e curiosamente poucas pessoas optam por sair mesmo podendo. Esse tipo de evidência motivou a adoção de nudges de default em políticas de poupança – um sucesso notável da aplicação prática da economia comportamental.
Contabilidade Mental e Decisões Financeiras.
Exemplo 10: Contabilidade mental – dinheiro de “graça” vs. dinheiro suado. Considere a seguinte situação: você vai ao cassino com R$100 para se divertir e estipula que esse é o máximo que pode perder. Logo no início você ganha R$200 numa rodada sortuda. Agora está com R$300 (100 original + 200 ganhos). Muitas pessoas, nesse caso, passam a tratar os R$200 ganhos como house money, ou “dinheiro do cassino”, e ficam dispostas a arriscar muito mais do que arriscariam com seus R$100 iniciais. Podem fazer apostas mais altas ou até dizer “agora posso perder esses 200 que não vou nem sentir, já que era dinheiro que eu não tinha antes”. Essa é uma forma de contabilidade mental: separei meu capital original (que valorizo mais, por ser meu) do ganho inesperado (que vejo como um bônus de baixo valor subjetivo).
Sob a racionalidade clássica, dinheiro é dinheiro – os R$200 ganhos deveriam aumentar proporcionalmente meu nível de riqueza e eu deveria ser igualmente avesso a perdê-los do que seria a perder qualquer outro R$200. Porém, mentalmente se criam “contas”: conta “meu bolso” vs. conta “lucros do cassino”. Esse fenômeno também explica porque muitas pessoas gastam reembolsos ou bônus de fim de ano em compras supérfluas, enquanto reclamam que não conseguem poupar do salário mensal. Um experimento mental: se você recebe de presente R$1000 inesperados, é provável que gaste com algo indulgente; se recebe o mesmo valor fruto de um mês extra de trabalho duro, tende a ser mais cauteloso em como usar. Isso é contabilidade mental baseada na fonte do dinheiro (dinheiro “achado” vs. dinheiro ganho com esforço). Economicamente, ambos somam ao seu balanço patrimonial igualmente, mas psicologicamente são tratados de formas distintas.
Exemplo 11: Pagamento parcelado vs. à vista (diferentes contas mentais). Você quer comprar uma televisão nova de R$2000. A loja oferece parcelar em 10 vezes de R$200 sem juros. Muita gente prefere parcelar, mesmo tendo o dinheiro à vista, porque mentalmente “R$200 por mês” parece mais palatável – encaixa-se talvez na conta de despesas mensais – do que um débito único de R$2000 (que seria sentido como um grande rombo na poupança). Comportamentalmente, o parcelamento sem juros é um atrativo poderoso porque as pessoas sentem menos a dor do pagamento diluído. Isso liga-se ao conceito de pain of paying: pagar à vista, especialmente em dinheiro vivo, tem um impacto psicológico maior, enquanto pagamentos parcelados ou via cartão de crédito adiam ou fracionam essa dor, facilitando o consumo. Claro, racionalmente, se não há juros, tanto faz pagar agora ou em prestações – na verdade, melhor segurar o dinheiro no bolso e pagar devagar (valor do dinheiro no tempo).
Contudo, mesmo quando há pequenos juros embutidos, consumidores frequentemente optam pelo parcelamento devido à contabilidade mental – eles se concentram no fluxo de caixa mensal (posso acomodar R$200/mês) e ignoram o custo total maior. Empresas se aproveitam disso estruturando preços em termos de “só R$X por dia” ou “R$Y por mês” para itens caros, tornando-os mentalmente acessíveis. Por exemplo: uma assinatura de streaming a R$30/mês é anunciada como “R$1 por dia” – soando trivial – mesmo que no ano sejam R$360. A heurística do pequeno parcelado evita que comparemos corretamente com outros gastos.
Exemplo 12: Orçamentos mentais rígidos. Uma pessoa pode se recusar a gastar R$50 para comprar um item de lazer no fim do mês porque “meu orçamento para entretenimento estourou”, mas ao mesmo tempo pagar felizmente R$50 de tarifa bancária por ter deixado a conta no vermelho – algo que, objetivamente, é dinheiro jogado fora. Isso acontece porque os R$50 do entretenimento pertencem a uma conta mental já saturada (e gastar mais violaria sua autodisciplina financeira), enquanto a tarifa bancária é vista como parte da conta “obrigações financeiras” que ela não controla muito. Assim, paradoxalmente, ela pode optar por não ter a satisfação de um cinema mais jantar de R$50 para evitar “exceder o orçamento de lazer”, mas acabar perdendo R$50 em tarifas por má gestão de fluxo de caixa.
Essa fragmentação de contas leva a ineficiências: a pessoa poderia realocar mentalmente recursos de um lado a outro (reduzir outro gasto ou aceitar que o lazer extra vale a pena pelo bem-estar proporcionado), mas as categorias orçamentárias atuam como gavetas estanques. Em termos de bem-estar, os R$50 da tarifa não trouxeram felicidade alguma, enquanto os R$50 do lazer teriam trazido – porém a contabilidade mental faz com que o primeiro passe despercebido (“não tive escolha”) e o segundo seja visto como esbanjamento opcional que deve ser contido.
Esse tipo de comportamento é estudado nas finanças pessoais: muitas famílias mantêm dinheiro parado em poupança rendendo pouco ao mesmo tempo em que giram dívidas de cartão de crédito caras – porque mentalmente “poupança é sagrada” e “dívida no cartão é inevitável, paga-se o mínimo”; integrando as contas, claro, deveriam quitar a dívida com a poupança. A rigidez mental leva a perdas financeiras objetivas.
Nudges e Política: Influenciando Decisões sem Coerção
A ideia de nudge (empurrãozinho) introduzida por Thaler e Sunstein (2008) envolve projetar o ambiente de decisão (choice architecture) de forma a influenciar positivamente o comportamento, sem proibir opções nem alterar significativamente incentivos econômicos. É, em essência, a aplicação prática dos vieses de maneira benigna – usando nossa compreensão de heurísticas para orientar decisões para resultados individuais ou sociais melhores, respeitando a liberdade de escolha. Vamos a alguns exemplos:
Exemplo 13: Nudge de default em doação de órgãos. Conforme já mencionado, um caso emblemático é a definição do padrão de consentimento para doação de órgãos. Países que adotam o sistema de opt-out (todos são potenciais doadores, a menos que registrem objeção em vida) apresentam taxas de doação muito superiores aos países de opt-in (onde é preciso se declarar doador ativamente). Por exemplo, países europeus com opt-out (Áustria, Bélgica) têm mais de 90% de adesão, enquanto com opt-in (Alemanha, Dinamarca) tinham taxas bem menores.
A diferença não advém de divergências culturais significativas, mas sim do efeito do status quo bias e inércia: as pessoas tendem a permanecer no estado padrão. Colocar a doação como padrão salva vidas, literalmente – sem tirar a liberdade de ninguém (pois quem de fato se opuser pode registrar sua recusa). Trata-se de um nudge clássico, pois altera o comportamento (mais doadores) sem forçar nada e sem mudar incentivos monetários. É um exemplo de como políticas públicas podem ser desenhadas inspiradas na compreensão de que seres humanos frequentemente seguem o caminho de menor esforço (a opção padrão).
Exemplo 14: Nudge de disposição de alimentos (combate à obesidade). Em refeitórios de escolas ou empresas, a forma como os alimentos são apresentados pode influenciar o que as pessoas escolhem, sem restringir o que está disponível. Estudos mostraram, por exemplo, que se frutas e saladas forem colocadas logo no início da fila, em locais de destaque e de fácil alcance, enquanto sobremesas calóricas e frituras ficarem mais no final ou em lugares um pouco mais “escondidos”, o consumo de itens saudáveis aumenta significativamente.
Ninguém está proibindo o brownie ou a batata frita, mas ao tornar as opções saudáveis mais salientes e acessíveis, as pessoas acabam pegando mais delas – possivelmente porque quando passam pela parte das guloseimas já encheram parte do prato ou estão menos propensas a pegar mais comida. Esse redesenho do ambiente, um detalhe aparentemente bobo, atua como nudge para dietas melhores. Outra ilustração: colocar lancheiras de frutas junto aos caixas de supermercado (onde o cliente espera e é tentado pelas guloseimas) em vez de chocolates e balas pode elevar as vendas de frutas e reduzir compras por impulso de doces – sem proibir os doces, apenas substituindo o que está naquele ponto estratégico. Supermercados usam isso muitas vezes ao contrário (destacam produtos de margem alta, não necessariamente saudáveis), mas o setor público ou gestores preocupados podem reverter a lógica em benefício da saúde.
Exemplo 15: Nudge de Feedback social (cartas de comparação). Em várias cidades, órgãos de arrecadação de impostos e contas públicas obtiveram sucesso incrementando a adimplência usando nudges de comparação social. Por exemplo, cartas enviadas a contribuintes em atraso informando: “90% dos cidadãos de sua cidade já pagaram o imposto X antes do vencimento. Pague o seu para não ficar para trás” mostraram aumentar a taxa de pagamento. Esse nudge tira proveito do viés de conformidade/pressão social: ninguém quer se sentir um forasteiro que não cumpre com seu dever quando todos os vizinhos fazem. É um apelo sutil, sem multa nova ou punição (apenas mencionar um fato social), mas surte efeito.
Outro caso: cartas para reduzir consumo de energia nas residências que mostram “Seu consumo este mês: 500 kWh; consumo médio da vizinhança: 400 kWh” levaram consumidores a economizarem mais energia para ficar mais próximos da média (especialmente se acompanhado de uma carinha triste ou feliz conforme o desempenho). Esses nudges informacionais se valem de nossos heurísticos de comparação e senso de aprovação social. Importante notar que em alguns casos observou-se efeito oposto para quem estava melhor que a média – por exemplo, famílias muito econômicas passaram a consumir um pouco mais ao ver que estavam gastando menos que seus pares (efeito de regresso à norma). Para contornar isso, as cartas passaram a elogiar explicitamente quem está abaixo da média (“Parabéns! Você consome menos que 80% dos vizinhos”) para não incentivar aumento – um ajuste refinado no nudge.
Exemplo 16: Nudge de arquitetura física – mosca no mictório. Uma história famosa: no aeroporto Schiphol de Amsterdã, perceberam que pequenos adesivos com desenho de mosca colocados nos mictórios masculinos reduziram significativamente o “spray” de urina fora do alvo, facilitando a limpeza. A lógica é que os usuários, ao verem a mosquinha desenhada no mictório, automaticamente miravam nela – e assim melhoravam sua pontaria. Esse nudge lúdico não impõe nada (a pessoa nem pensa conscientemente, apenas acha curioso e mira instintivamente na figura) e gerou uma redução de 80% no derramamento, economizando custos de limpeza. Trata-se de um exemplo divertido de como um pequeno ajuste no ambiente físico modula comportamento indesejado. Hoje, diversos banheiros públicos pelo mundo adotaram artifícios similares (não necessariamente moscas; às vezes um alvo ou uma figura qualquer) para melhorar a higiene.
Exemplo 17: Nudge de compromisso (Commitment devices). Alguns nudges funcionam criando mecanismos de compromisso que nos ajudam a superar fraquezas de vontade. Por exemplo, aplicativos de poupança que automaticamente transferem uma parte do seu salário para uma conta de investimento assim que você recebe (antes que tenha chance de gastar) – isso tira vantagem do “out of sight, out of mind”, contabilidade mental em que o dinheiro nem entra na conta corrente de gastos. Outro dispositivo de compromisso famoso é o Save More Tomorrow (SMarT) program de Thaler e Benartzi (2004): os funcionários se comprometem antecipadamente a aumentar a contribuição ao plano de aposentadoria quando receberem futuros aumentos salariais.
Assim, quando o aumento vem, ao invés de gastar tudo, uma parcela já vai para poupança. Esse programa elevou muito as taxas de poupança voluntária nas empresas onde foi implementado. Ele é um nudge porque joga com a preferência presente: hoje é mais fácil eu prometer poupar no futuro (não dói agora), e quando chega o momento, o compromisso automático me poupa de ter que decidir (evitando procrastinação ou tentação de gastar o aumento). De novo, nenhuma coerção: a pessoa aceitou e pode sair do programa se quiser; mas o design aproveita nossas tendências para nos ajudar a nós mesmos.
Em todos esses exemplos de nudges, vemos que a compreensão dos vieses e heurísticas permite desenhar intervenções leves, mas impactantes. No entanto, é crucial ressaltar que nudges têm limites e não substituem incentivos econômicos ou regulamentações quando necessárias – eles são complementares. Além disso, surgem questões éticas: até que ponto é aceitável “arquitetar” escolhas das pessoas sem seu pleno conhecimento? No caso de defaults ou apelos emocionais, não se está manipulando excessivamente? Thaler e Sunstein cunharam o termo “paternalismo libertário” para defender que nudges preservam a liberdade (libertário) enquanto ajudam as pessoas a atingirem objetivos que elas mesmas provavelmente desejariam (paternalista benigno). Ainda assim, transparência e responsabilidade são temas debatidos, o que abordaremos na próxima seção de perspectivas futuras.
V. Perspectivas Futuras e Desenvolvimentos Emergentes
A economia comportamental, embora consolidada em diversos aspectos, está longe de ter esgotado seus caminhos de investigação. Nesta seção, exploramos fronteiras e tendências futuras do campo, considerando tanto expansões naturais da pesquisa atual quanto confluências com outras disciplinas. Também discutimos criticamente alguns dilemas que emergem dessa maior aplicação do conhecimento comportamental na sociedade.
Neuroeconomia: Unindo Cérebro e Decisão
Um dos desenvolvimentos mais empolgantes é a crescente integração com a neurociência, dando origem à chamada neuroeconomia. Essa área interdisciplinar busca entender os correlatos neurais dos processos de decisão econômica – essencialmente, o que acontece no cérebro quando tomamos decisões sob risco, avaliamos recompensas, resistimos (ou não) a tentações etc.
A motivação é dupla: por um lado, validar e refinar os modelos comportamentais usando evidências biológicas (por exemplo, verificar se realmente perdas ativam áreas cerebrais associadas a dor – estudos mostram que sim, perdas financeiras ativam a ínsula, ligada a sensações aversivas, corroborando a aversão à perda). Por outro, a neuroeconomia pode revelar mecanismos latentes não óbvios apenas pela observação comportamental, gerando novas hipóteses.
Por exemplo, descobriu-se através de neuroimagem que existe uma espécie de “disputa neural” em decisões intertemporais: regiões límbicas (emocionais) se ativam fortemente para recompensas imediatas enquanto regiões pré-frontais (cognitivas) são mais ativadas quando se pensa em recompensas futuras e autocontrole. Esse achado inspira modelos de dois sistemas (em linha com a ideia de Sistema 1 e Sistema 2) e dá suporte biológico à noção de conflito entre impulso e planejamento em nossas escolhas de consumo (como poupar vs. gastar, dieta vs. bolo etc.).
Outra contribuição da neuroeconomia é permitir medições em tempo real de fatores que antes eram caixas pretas. Por exemplo, usando MRI (ressonância magnética funcional), pesquisadores observaram que a antecipação de um ganho financeiro ativa o núcleo accumbens (parte do sistema de recompensa dopaminérgico), ao passo que a antecipação de uma perda ativa amígdala (medo) e ínsula (nojo). Isso mapeia diretamente o que Kahneman chamaria de utilidade antecipatória. Também explicita porque sob stress ou forte emoção as decisões “irracionais” aumentam: situações de stress ativam a amígdala e outras áreas que podem dominar a atividade cortical, levando a reações de medo exageradas ou impulsos.
A neuroeconomia também abre portas para prever comportamentos ou melhorar intervenções. Por exemplo, estudos de neuromarketing podem analisar quais tipos de publicidade geram maior resposta neural de desejo (atividade no estriado ventral) e assim antecipar quais campanhas serão mais eficazes (há debates éticos aí, mas tecnicamente já se faz). Em políticas públicas, compreender o substrato neural ajuda a, por exemplo, personalizar nudges: se sabemos que certo grupo de pessoas tem baixa atividade de controle inibitório, intervenções mais intensivas de compromisso ou restrição podem ser necessárias para ajudá-las (como mecanismos de autoexclusão para viciados em jogo etc.).
Contudo, a neuroeconomia também enfrenta desafios: o cérebro é altamente complexo, e embora possamos identificar associações gerais (como as mencionadas), é difícil mapear decisões do mundo real envolvendo múltiplos trade-offs a padrões cerebrais simples. Os dados neurais são massivos e interpretar correlações não é trivial – há risco de reducionismo ou de forçar interpretações ad hoc. Além disso, surge o dilema ético: se empresas ou governos começam a usar dados neurológicos para influenciar comportamento (por exemplo, otimizando propagandas para viciar consumidores, ou usando neurofeedback para manipular preferências), a linha entre nudge benigno e manipulação oculta fica tênue. A neuroeconomia intensifica esse debate, pois fornece ferramentas mais poderosas de persuasão.
Ainda assim, a tendência é de crescimento: conforme tecnologias como eletroencefalografia portátil e ressonância se tornam mais acessíveis, poderemos ver neuro experimentos complementando pesquisas de mercado e políticas – talvez testando como diferentes enquadramentos ativam o cérebro e escolhendo aquele que, digamos, melhor ativa reflexão (pré-frontal) em vez de resposta emocional impulsiva. Em suma, a neuroeconomia promete aprofundar a fundamentação biológica da economia comportamental, possivelmente levando a modelos de decisão “baseados no cérebro” mais completos no futuro.
Modelos Computacionais e Economia Comportamental Computacional
Outra direção inovadora é o uso de modelagem computacional e simulações para estudar fenômenos econômicos com agentes comportamentais heterogêneos. Tradicionalmente, a economia formalizou a mão invisível e equilíbrios usando suposições de agentes representativos e plena racionalidade (porque era matematicamente tratável). Hoje, com poder computacional abundante, podemos relaxar essas suposições e simular economias inteiras com agentes dotados de regras comportamentais realistas. Essa abordagem é conhecida como Agent-Based Computational Economics (ACE).
Em um modelo de agentes, podemos codificar por exemplo: cada agente segue heurística X para consumir e heurística Y para investir; eles aprendem adaptativamente; estão sujeitos a vieses A, B, C. Em seguida, deixamos milhares desses agentes interagindo em um mercado simulado e observamos que fenômenos macro emergem. Frequentemente, esses modelos reproduzem regularidades empíricas (como ciclos econômicos, bolhas e crashes, distribuições de riqueza) sem exigir que qualquer indivíduo seja onisciente – são resultados emergentes da interação de muitos agentes limitadamente racionais. Por exemplo, já se conseguiram gerar ciclos de boom e queda em mercados financeiros simulando notícias e agentes com otimismo/pessimismo adaptativo (viés de confirmação grupal), mostrando que mesmo sem agentes racionais, o sistema produz dinâmicas plausíveis.
Um uso interessante é em políticas: pode-se testar virtualmente intervenções, vendo como agentes comportamentais reagiriam. Por exemplo, simular uma economia onde 10% dos agentes são “contrários a vacina” e ver se intervenções de nudge social (como mostrar que 90% dos vizinhos se vacinaram) alcançam imunidade de rebanho. Esses experimentos computacionais permitem explorar cenários a baixo custo antes de implementar no mundo real.
Também, com a ascensão da Inteligência Artificial, surge a ideia de agentes econômicos com machine learning embutido. Já há pesquisas usando deep reinforcement learning para criar agentes artificiais que tomam decisões de consumo/investimento e ver se eles desenvolvem vieses semelhantes aos humanos ou não. Curiosamente, alguns algoritmos inteligentes replicam heurísticas humanas porque elas não são “erradas” – são adaptativas sob incerteza. Entretanto, algoritmos podem também corrigir vieses (por ex., poderíamos ter um assistente de IA financeiro que impede você de vender suas ações no pânico – atuando como debiaser de comportamento).
Os desafios aqui incluem: calibrar esses modelos para que realmente reflitam comportamento humano (demandando colaboração com psicólogos, coleta de dados micro); complexidade e opacidade (simulações podem ficar tão complicadas quanto o mundo real, dificultando extrair leis gerais ou compreensão); e novamente considerações éticas – se usamos agentes artificiais para manipular mercados ou pessoas, isso deve ser regulado. Mas o potencial é enorme: a “economia comportamental computacional” pode gerar teorias melhores sobre formação de preços, redes de interações sociais (ex: difusão de boatos e bank runs), e políticas robustas a comportamento não racional.
A própria formulação de políticas públicas começa a incorporar testes computacionais e ensaios randomizados inspirados em comportamento. Governos criam unidades de data science para analisar big data comportamental (ex: gastos públicos, impostos, padrões de tráfego) e simular efeitos de políticas antes de aplicá-las de forma massiva. Isso é um paradigma de policy lab que deve crescer.
Políticas Públicas Baseadas em Nudges e Intervenções Comportamentais
Desde a popularização de Nudge (2008), governos de muitos países (Reino Unido, EUA, Austrália, Canadá, alguns da América Latina incluindo Brasil mais recentemente) criaram times especializados – Behavioral Insights Teams – para aplicar resultados da economia comportamental em políticas públicas. Até agora, muitos sucessos foram obtidos em “pequenas” intervenções: aumentar arrecadação tributária com cartas formuladas cuidadosamente, melhorar comparecimento a consultas médicas com SMS de lembrete (evitando no-shows), elevar doações de órgãos, adesão a programas sociais etc.
O futuro nessa área envolve escalar e personalizar os nudges. Ou seja, usar big data para identificar quais grupos respondem melhor a qual tipo de nudge e aplicar intervenções segmentadas. Por exemplo, se para jovens o apelo via redes sociais é mais eficaz, enquanto idosos respondem melhor a cartas tradicionais, uma política de saúde pode usar canais diferentes por faixa etária. Ou identificar que certos vieses prevalecem em determinadas populações – ex: agricultores talvez subestimem riscos climáticos, então nudges para seguro agrícola devem enfatizar histórias disponíveis de vizinhos que perderam colheitas (trabalhando a disponibilidade). Já empreendedores urbanos podem ser excessivamente otimistas, requerendo nudges para planejamento mais prudente.
Outra frente é incorporar economia comportamental nas regulações. Por exemplo, em vez de simplesmente proibir contratos complicados de bancos, exigir formatações simples e salientes dos custos (ex: caixa com “você pagará no total X se financiar assim”). Isso ataca o problema via arquitetura da informação – dando destaque às informações relevantes e minimizando sludge (termo cunhado para fricções desnecessárias e opacidade nas escolhas, o oposto de nudge).
Falando em sludge, uma tendência futura é também revisar processos burocráticos para remover obstáculos comportamentais. Por exemplo, se um benefício social exige 10 formulários, muitos desistem (barreira cognitiva e de tempo). Otimizando isso (formulários pré-preenchidos, defaults e simplificação de etapas), aumenta-se a eficácia de políticas – isso é behavioral design na gestão pública.
Com a digitalização, muito se pode fazer em termos de feedback imediato e personalizado. Já existem aplicativos governamentais que enviam notificações comportamentais – ex: “Você consumiu 20% mais água esta semana que vizinhos similares – dicas para economia: ...”. Ou apps de saúde pública que monitoram aderência a medicamentos e enviam lembretes empáticos (até com IA conversacional).
No entanto, conforme as políticas comportamentais adentram mais áreas (educação, meio ambiente, segurança), emergem dilemas éticos e de governança:
• Transparência: Deve-se deixar explícito que um nudge está sendo aplicado? Por definição, nudges exploram processos inconscientes em boa parte. Alguns defendem que cidadãos devem ser informados de que “suas escolhas podem ser guiadas por determinado design” para manter agência. Outros dizem que isso anularia o efeito (uma vez consciente, a pessoa pode deliberar diferente).
• Paternalismo vs. Autonomia: Mesmo sendo “libertário” (no sentido de permitirem opt-out), nudges refletem algum julgamento de valor por parte do projetista sobre o que é melhor para o indivíduo. Por exemplo, o governo decide que poupar mais para aposentadoria é bom e então estrutura tudo para que você poupe. Em muitos casos isso é consenso – porém, e se valores divergirem? Por exemplo, nudges para alimentação saudável assumem que saúde é prioritária, mas um indivíduo pode preferir aproveitar prazeres gastronômicos apesar dos riscos. Até onde políticas públicas podem “empurrar” sem violar a soberania individual? Essa questão será cada vez mais debatida. Uma resposta prática tem sido: avaliar empiricamente se a maioria das pessoas, ao ser perguntada, concordaria que aquele nudge as ajuda conforme suas próprias preferências de longo prazo. Se sim, justifica-se; se não, cuidado.
• Equidade e Justiça: Nudges funcionam em média, mas será que funcionam igualmente para todos? Há risco de deixar alguns grupos para trás. Por exemplo, simplificar inscrição num programa via internet é ótimo para jovens, mas idosos offline podem ser prejudicados se não houver alternativa – um nudge mal calibrado poderia involuntariamente excluir quem não se encaixa na “mente padrão” assumida. Portanto, design comportamental deve considerar diversidade: um nudge efetivo numa cultura pode não ser em outra. Há estudos mostrando que algumas populações respondem mal a certos enquadramentos por desconfiança (ex: minorias que não confiam em cartas do governo). Futuros profissionais de economia comportamental precisam integrar sensibilidade cultural e de inclusão.
• Accountability (Responsabilização): Se uma política baseada em nudge falha ou tem efeito adverso, quem responde? Com regras tradicionais havia leis claras, mas um nudge é algo difuso. Por exemplo, se default de aposentadoria leva alguém a poupar demais e depois se arrepender (pouco dinheiro enquanto jovem), ele culpa quem? Dificilmente a si mesmo porque foi “inercial”. Assim, governos têm que ter cuidado e talvez permitir revisões e ajustes nos defaults periodicamente, para não aprisionar alguém numa escolha subótima. Em essência, manter mecanismos de feedback e correção de curso.
A futura pesquisa também buscará integrar economia comportamental a problemas macro e de desenvolvimento. Por exemplo, entender porque políticas econômicas às vezes falham por barreiras comportamentais (microcrédito não decola se as pessoas têm medo de se endividar injustificado, adoção de tecnologia agrícola lenta por hábito/status quo, etc.). Incorpora-se psicologia no desenho de intervenções de combate à pobreza (como reduzir present bias via compromissos, aumentar esforço escolar via incentivos não financeiros etc.).
Outro tema emergente são os dilemas éticos tecnológicos: com a ascensão de big data e economia comportamental online, empresas e governos podem hiperpersonalizar persuasão. Há preocupação com uso de dark patterns (padrões manipulativos em interfaces, que são “nudges do mal”) para levar consumidores a gastar mais, assinar serviços indesejados, concordar com termos que violam privacidade etc. A economia comportamental do futuro precisa também se debruçar sobre esses usos antiéticos – talvez propondo regulações para dark nudges. Por exemplo, proibir por lei certos designs enganosos (como botões ocultos para cancelar assinatura). Em síntese, assim como desenvolvemos “nudges éticos” para o bem-estar, temos que combater “nudges abusivos” no mercado de consumo digital.
Originalidade Epistemológica e Questões Fundamentais
Por fim, uma reflexão sobre a originalidade epistemológica da economia comportamental: O campo já atingiu maturidade suficiente para alguns críticos questionarem se ele trouxe um novo paradigma ou se apenas remenda o antigo. Alguns pontos de debate:
• Paradigma Kuhniano? Thomas Kuhn (1962) definia mudança de paradigma quando conceitos básicos e métodos mudam radicalmente. A economia comportamental certamente abalou o conceito de racionalidade maximizadora e introduziu experimentação de laboratório como método (antes pouco usado em economia). Porém, não resultou numa teoria unificada nova que substitua a anterior – em vez disso é um conjunto de insights e modelos específicos. Considera-se que falta um “núcleo duro teórico” na economia comportamental, ela seria mais empírica e ad hoc, não oferecendo um paradigma alternativo geral de comportamento (Prospect Theory é um candidato, mas só cobre decisão sob risco; não há equivalente claro para jogos estratégicos, macroeconomia comportamental ainda é incipiente etc.). Assim, a economia comportamental pode não ser um novo paradigma completo, mas uma expansão do paradigma neoclássico para incluir elementos psicologicamente realistas.
• Velho vs. Novo: Historicamente, muito do que a economia comportamental afirma não é realmente novo: Herbert Simon, como vimos, falou de racionalidade limitada nos anos 50. Keynes, em 1936, já mencionava “espíritos animais” influenciando investidores (um precursor de psicologia financeira). Mesmo Adam Smith (1759) falava de sobreconfiança e autocontrole. Portanto, alguns argumentam que a “originalidade” do campo está mais em empiricamente demonstrar e quantificar essas tendências e integrá-las formalmente, do que nas ideias em si. Nesse sentido, a originalidade epistemológica seria modesta – a grande mudança foi metodológica (usar experimentos e evidências de forma sistemática em economia, o que sim é marcante para um campo que era altamente teórico-dedutivo). Camerer, Loewenstein e Rabin (2004), ao escreverem sobre a história, notaram que a economia comportamental progrediu “ré evoluindo” ideias que já existiam, mas que foram marginalizadas durante a era de formalização matemático-axiomática.
• Integração com Economia Tradicional: Muitos economistas tradicionais incorporaram insights comportamentais sem abandonar a estrutura padrão. Exemplo: modelos de ciclo de vida com autocontrole incluem beta-delta (hiperbólico) mas resolvem via maximização modificada. Modelos de jogo com tipo de jogador “altruísta” ou “vingativo” ainda usam conceito de equilíbrio, apenas com preferências diferentes. Isso levou críticos como Gul e Pesendorfer (2008) a argumentarem que a economia comportamental não oferece ferramentas preditivas superiores – muitas vezes apenas recalibra preferências ex post para explicar anomalias. Esse debate está em curso: defensores apontam que já existem teorias comportamentais com poder preditivo ex ante (ex: teoria do prospecto predisse bem alguns novos fenômenos), e que enriquecer modelos com psicologia aumenta acurácia e relevância. De toda forma, o futuro provavelmente verá uma fusão: o mainstream econômico absorvendo cada vez mais elementos comportamentais até que não haja distinção clara. O ideal é que um dia não se precise adjetivar “comportamental” – será parte natural da teoria econômica.
• Limites: Há também autocrítica dentro do campo: replicabilidade de certos efeitos (a crise de replicação na psicologia afetou alguns estudos comportamentais, embora muitos dos principais vieses sejam robustos), dependência de contexto (um nudge que funciona num país pode não funcionar em outro por diferenças culturais), e a necessidade de teorias comportamentais para fenômenos macrocomplexos. Por exemplo, a crise financeira de 2008 é parcialmente atribuída a comportamentos irracionais (exuberância, excesso de confiança etc.), mas formalizar isso para prever crises ainda é difícil. A macroeconomia comportamental está engatinhando, tentando incorporar heterogeneidade de expectativas (modelos com agentes que usam heurísticas para formar expectativas) e outras fricções.
No campo ético-filosófico, surge a questão se a economia comportamental não está simplesmente tornando o indivíduo “errado” e o modelo “certo”. Isto é, antes assumia-se um modelo ideal e as pessoas deviam se conformar; agora mostra-se que as pessoas desviam, mas a referência de racionalidade ideal continua lá. Alguns filósofos argumentam que isso é problemático, pois o que é racionalidade? Sob certos contextos evolutivos, heurísticas são racionais. Gigerenzer (2015) inclusive critica a ideia de “bias” muito negativamente – ele prefere falar em bounded rationality adaptativa. Então, epistemologicamente, a economia comportamental recoloca essa discussão: devemos julgar a racionalidade pelos axiomas universais ou pelo sucesso adaptativo? Uma abordagem mais relativista diria que não há irracionalidade, apenas diferentes ecologias onde certos comportamentos servem ou não. Essa discussão está viva.
Outra reflexão epistemológica: a economia comportamental trouxe de volta o “homo psychologicus” (homem com psicologia) em vez do homo economicus. Isso reconecta a economia a outras ciências sociais. Pode-se argumentar que seu grande mérito epistemológico é recolocar o ser humano real – com psicologia, cultura, evolução – no centro da análise econômica, resgatando a unidade das ciências sociais. Nesse sentido, ela sim é revolucionária dentro da economia, pois rompe o isolamento autoimposto. Entretanto, também a expõe a novas complexidades: lidar com fatores qualitativos, insights de sociologia, antropologia etc., que antes ficavam de fora do modelo por comodidade.
O futuro, portanto, talvez veja a economia comportamental evoluir para uma “economia comportamental 2.0” mais abrangente – integrando neuro, socio e computacional, e produzindo teoria e evidência em conjunto. Debates sobre livre-arbítrio, paternalismo etc., continuarão, especialmente conforme o poder de influenciar comportamentos aumenta com tecnologia.
Já se fala, por exemplo, em “algoritmos comportamentais” – código de plataformas digitais ajustando automaticamente escolhas para maximizar engajamento (como feed de redes sociais retendo atenção via vieses atencionais). Isso é economia comportamental aplicada em escala massiva por empresas. Reguladores terão de entender esses mecanismos para garantir que sejam usados responsavelmente.
Em resumo, as perspectivas futuras do campo são tão desafiadoras quanto promissoras: expandir fronteiras científicas e ao mesmo tempo lidar com as consequências éticas e sociais de um maior domínio sobre os fatores que dirigem nossas decisões. A economia comportamental nasceu questionando um modelo simplista de racionalidade; seu legado talvez seja obrigar a economia a abraçar a complexidade humana sem perder de vista a melhoria do bem-estar. Sua relevância contemporânea é inegável e seu desenvolvimento futuro será crucial para enfrentar problemas do século XXI que envolvem comportamento humano – das mudanças climáticas (que exigem mudanças de hábitos) à instabilidade política (que envolve vieses cognitivos de massa).
VI. Considerações Finais
Ao longo deste trabalho, revisitamos o surgimento e a consolidação da economia comportamental, examinando sua trajetória histórica, seus pilares teóricos, evidências empíricas marcantes e suas ramificações futuras. Essa jornada revelou uma transformação significativa na forma como entendemos o homo economicus: de um agente idealizado, sempre racional e autocontrolado, para um ser humano real, com capacidades cognitivas limitadas, emoções, e suscetível ao contexto e a vieses sistemáticos.
Historicamente, vimos que a economia comportamental não brotou do nada – ela recuperou intuições que datam de Adam Smith e de outros economistas pioneiros, mas que foram suprimidas durante o longo período de predomínio do modelo neoclássico abstrato. A partir das décadas de 1970 e 1980, ao integrar formalmente psicologia e economia, pesquisadores como Kahneman, Tversky e Thaler desafiaram dogmas e demonstraram, com experimentos elegantes, que a racionalidade humana possui sistemáticas falhas. Heurísticas como representatividade, disponibilidade e ancoragem – longe de meras curiosidades – mostraram-se onipresentes nos julgamentos sob incerteza.
A Teoria do Prospecto, por sua vez, contestou os alicerces da teoria da utilidade esperada ao introduzir conceitos como aversão à perda, dependência de referência e ponderação não linear de probabilidades. Esses avanços representaram uma inflexão epistemológica: a economia passou a reconhecer que, para explicar e prever comportamentos, precisa levar em conta a psicologia humana real, e não apenas axiomas normativos de coerência.
Apresentamos exemplos concretos que ilustram os principais conceitos do campo – racionalidade limitada, contabilidade mental, aversão à perda, enquadramento, nudges – mostrando como afetam decisões de consumo, investimento, poupança, e até políticas públicas.
Esses exemplos evidenciam que os vieses e heurísticas não são meras abstrações de laboratório: eles se manifestam nos pequenos e grandes dilemas do cotidiano, da forma como gastamos dinheiro, às escolhas da saúde e às políticas governamentais (como aumentar doações de órgãos ou adesão previdenciária com ajustes sutis no ambiente de escolha). Também discutimos que, embora essas intervenções comportamentais possam gerar grandes benefícios sociais – “empurrando” indivíduos na direção de decisões que melhoram seu bem-estar – elas não estão isentas de dilemas éticos. O equilíbrio entre guiar e respeitar a autonomia será cada vez mais delicado conforme aumentam as ferramentas de influência comportamental.
Refletindo criticamente, percebemos que a originalidade da economia comportamental reside menos em criar uma teoria econômica inteiramente nova e mais em expandir as fronteiras da análise econômica. Ela trouxe novos métodos (experimentação, análise de dados micro, métodos interdisciplinares) e reintroduziu variáveis antes negligenciadas (emoções, justiça, normas sociais) nos modelos. Se antes a racionalidade era um dogma inquestionável, hoje está claro que “racionalidade” é um espectro – e compreender seus limites é tão importante quanto compreender seus alcances.
Ainda que persistam debates se isso constitui um “novo paradigma”, é inegável que a economia comportamental enriqueceu enormemente a ciência econômica, tornando-a mais empiricamente fundamentada e mais humana. Como resultado, temos hoje políticas públicas mais efetivas e compassivas, empresas mais atentas ao comportamento de seus clientes (esperançosamente de forma ética), e indivíduos mais conscientes de seus próprios vieses (por exemplo, investidores e médicos sendo treinados para evitar erros de julgamento conhecidos).
Olhando adiante, as perspectivas futuras sinalizam uma convergência frutífera com outras áreas: a neuroeconomia promete aprofundar a compreensão dos processos decisórios ao nível cerebral, possivelmente inspirando intervenções mais precisas e teorias mais unificadas sobre cognição e escolha. A modelagem computacional e a inteligência artificial permitirão simular sistemas econômicos complexos com agentes comportamentais, oferecendo novos insights sobre fenômenos macroeconômicos emergentes de interações micro heterogêneas.
Por sua vez, a onda de políticas públicas baseadas em insights comportamentais deve se consolidar, ampliando-se para áreas como sustentabilidade ambiental (por exemplo, nudges para economia de energia e adoção de comportamentos verdes) e educação (motivando estudantes via design de incentivos não financeiros, sistemas de aprendizado gamificados etc.). Nesses campos, a economia comportamental pode dar contribuições vitais para enfrentar desafios globais que essencialmente dependem de mudanças de comportamento coletivo.
Ao mesmo tempo, enfatizamos que com grande poder vem grande responsabilidade: à medida que governos e empresas dominam técnicas para influenciar escolhas, cresce a necessidade de marcos éticos e transparência para assegurar que tais ferramentas sejam usadas para promover autonomia e bem-estar, e não para manipular ou explorar. Esse será talvez o dilema central da próxima fase da economia comportamental aplicada – garantir que o “empurrão” respeite a dignidade e os valores individuais, mantendo o caráter de convite e não de coerção.
Em conclusão, a economia comportamental conseguiu reaproximar a economia de sua dimensão humana: “somos seres humanos, carregados de vieses”, e que reconhecer nossa própria falibilidade é o primeiro passo para desenhar instituições, mercados e políticas mais efetivos e mais humanos. Longe de negar a importância da racionalidade, essa disciplina complementa a visão econômica tradicional mostrando quando, como e por que nos desviamos do ideal, e como essas imperfeições podem ser geridas ou até aproveitadas de maneira construtiva. Como muito bem lembrado pelo aluno de doutorado do Caen/UFC, Pedro Avelino, a “economia comportamental veio para refinar o pensamento ortodoxo tradicional e não o substituir”.
Dessa forma, a economia comportamental se estabeleceu não apenas como uma “cola” entre economia e psicologia, mas como um campo com identidade própria, inspirado por uma missão essencial: tornar a teoria econômica mais fiel à realidade e, com isso, melhorar a vida das pessoas no mundo real. Essa missão permanece em curso, e os próximos capítulos – escritos possivelmente por equipes interdisciplinares de economistas, psicólogos, neurocientistas e cientistas de dados – prometem continuar revolucionando nosso entendimento sobre a escolha humana e, por extensão, sobre a própria natureza da atividade econômica.
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