IA e desigualdade de gênero: o risco de reforçar diferenças históricas no mercado de trabalho

Apesar dos avanços em infraestrutura e talentos em IA, Brasil tem maior desequilíbrio de gênero entre 48 nações. Stanford AI Index 2025 e LinkedIn revelam baixa participação feminina no País, ampliando desigualdades e limitando potencial inovador.
A partir de dados do Stanford AI Index 2025 e do LinkedIn, construímos o HGC IA (Hiato de Gênero da Concentração em Inteligência Artificial), que coloca o Brasil na última posição entre 48 países. O contraste é claro: apesar da boa infraestrutura e da forte expansão de talentos, a presença feminina em IA segue muito aquém da masculina e do padrão internacional. Esse desequilíbrio tende a reforçar desigualdades no mercado de trabalho e a comprometer a qualidade da transição digital. Fechar o hiato é decisão estratégica haja vista que equipes diversas reduzem vieses, qualificam decisões, elevam produtividade e conferem legitimidade e competitividade ao avanço tecnológico do país.
I. Introdução
A Inteligência Artificial (IA) tem crescido exponencialmente nos últimos anos. Segundo o AI Index 2025 de Stanford, o investimento privado global em IA atingiu US$ 252,3 bilhões em 2024, após uma década de crescimento dramático (um aumento de 13 vezes desde 2014). A adoção corporativa da IA se expandiu rapidamente – 78% das empresas relatam o uso de IA em 2024, ante 55% no ano anterior. Esse avanço mundial se reflete em investimentos bilionários em infraestrutura haja vista que diversos países lançaram grandes iniciativas nacionais em IA, como fundos de semicondutores e projetos de geração de energia para suportar centros de dados.
Na América Latina, a CEPAL divulgou o Índice Latino-americano de IA (ILIA 2025), que avalia a maturidade dos ecossistemas regionais. O Brasil aparece entre os líderes da região, ao lado do Chile. No ILIA 2025, o Brasil obteve 67,39 pontos, classificando-se como país “pioneiro” em IA, atrás apenas do Chile (70,56). Esses pontos refletem, entre outros fatores, investimentos em infraestrutura e políticas públicas na área.
De fato, o Brasil concentra mais de 90% de toda a capacidade de supercomputação da América Latina, com aproximadamente 121 mil teraflops[1] de potência máxima — um volume expressivamente superior ao da Argentina (8.582 teraflops) e do México (7.235), os países seguintes no ranking. Em outras palavras, a infraestrutura brasileira é 17 vezes mais potente que a dos seus principais vizinhos regionais nesse quesito. Essa vantagem tecnológica, aliada à presença de um contingente relevante de profissionais qualificados em TI, posiciona o Brasil como protagonista natural na revolução da inteligência artificial na América Latina.
Apesar desse cenário promissor de infraestrutura e formação de talento, o Brasil enfrenta gargalos estruturais que ameaçam seu desenvolvimento em IA. O AI Index Report de Stanford, já citado, ressalta que o país tem mostrado “vitalidade e otimismo social” na adoção de IA, com alta taxa de crescimento de talentos. O Brasil registrou 217% de aumento na concentração de profissionais de IA entre 2016 e 2024. No entanto, o próprio relatório aponta problemas críticos como o fato de que o investimento em Pesquisa & Desenvolvimento no Brasil é muito baixo. Segundo dados da UNESCO, o país aplicou cerca de 1,26% do PIB em P&D (2018), bem abaixo dos níveis de China (2,19%) e EUA (2,84%). Esse déficit limita a inovação local e a criação de startups de software e algoritmos.
Outro desafio relevante é a chamada “fuga de cérebros” haja vista que muitos jovens formados em Ciência da Computação e áreas correlatas têm buscado oportunidades no exterior, atraídos por salários mais altos e melhores condições de pesquisa, o que fragiliza o ecossistema tecnológico brasileiro. Paralelamente, persiste um desequilíbrio estrutural na distribuição de gênero nas áreas de tecnologia: enquanto as mulheres seguem fortemente representadas em setores como saúde e educação, sua presença nas engenharias, ciências da computação e matemática ainda é minoritária.
Nessa direção, em 2024, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) alerta que essa segmentação educacional é prejudicial ao desenvolvimento inovador, pois equipes mistas tendem a ser mais produtivas, criativas e menos propensas a reproduzir vieses. Ou seja, a sub-representação feminina em carreiras técnicas não é apenas uma questão de equidade, mas ela afeta diretamente a qualidade e a ética das soluções tecnológicas produzidas.
Nesse contexto, a desigualdade de gênero torna-se ainda mais crítica quando observada dentro do ecossistema emergente da Inteligência Artificial. Afinal, a IA não é apenas mais uma tecnologia: ela redefine formas de trabalhar, decidir, comunicar e viver. Se as mulheres estão sub-representadas nesse campo, há um risco real de que a revolução digital aprofunde desigualdades históricas, ao invés de superá-las. Entender como o Brasil se posiciona nesse aspecto é, portanto, essencial para avaliar se o país está, de fato, se preparando para um futuro inclusivo, ético e competitivo.
II. Concentração de talentos em IA e o hiato de gênero
Para avaliar o mercado de trabalho em IA, utiliza-se um indicador construído a partir de dados do LinkedIn Economic Graph, que classifica um usuário como ‘talento em IA’ quando declara ao menos duas habilidades relacionadas à IA em seu perfil e/ou possui experiência profissional na área (LINKEDIN ECONOMIC GRAPH, 2025). Com base nisso, a concentração de talentos em IA é definida como a proporção desses profissionais em relação ao total de usuários do LinkedIn em uma determinada área geográfica. Em termos formais, para um país no tempo t, calcula-se:

em que C_té a concentração de talentos, L_t^IAé o número de usuários classificados como talentos em IA e L_té o número total de usuários do LinkedIn no país. É importante notar que essa métrica pode ser afetada pela cobertura e penetração do LinkedIn em cada país, motivo pelo qual seus resultados devem ser interpretados com cautela e, sempre que possível, triangulados com outras fontes
O AI Index 2025, da Stanford, disponibiliza as bases de dados que sustentam suas figuras. O Gráfico 1, a seguir — que consolida as Figuras 4.2.17 e 4.2.18 do relatório — apresenta o nível de concentração de talentos em IA em 2024 e a taxa de crescimento desse indicador entre 2016 e 2024. Para facilitar a leitura comparativa, o Brasil aparece destacado em vermelho.
Em 2024, cerca de 0,23% dos usuários brasileiros do LinkedIn foram classificados como talentos em IA, o quinto maior avanço global desde 2016, ficando atrás apenas de Índia, Costa Rica, Portugal e Chipre. Esse ritmo indica que o país vem ampliando rapidamente sua base de profissionais e ainda tem muito espaço para crescer. Mas o sinal amarelo acende quando aplicamos a lente de gênero à concentração de talentos: um ângulo decisivo que, até agora, recebeu surpreendentemente pouca atenção no Brasil.

Visando aprofundar um pouco mais essa questão, note que é possível “quebrar” o índice agregado de concentração de talentos acima definido de acordo com o gênero dos usuários. Mais especificamente, para os gêneros feminino (f) e masculino (m), teremos que:

onde a notação é a mesma utilizada anteriormente, e lembrando que todas as variáveis são computadas para uma mesma área geográfica.
Antes de prosseguirmos, são necessárias algumas ressalvas, pois é preciso interpretar corretamente as estatísticas que estão sob análise. Note que o índice de concentração por gênero é diferente da participação dos trabalhadores de IA por gênero. Esta última métrica equivale à
no caso dos trabalhadores de gênero feminino e
no caso masculino. A soma desses dois componentes irá necessariamente gerar a unidade (100%). Para a variável concentração de talentos, o denominador não corresponde a todos os usuários de IA, mas todos os usuários do sexo masculino ou feminino que fazem uso da plataforma. Isso tende a jogar o indicador para um valor percentual muito mais baixo que as referidas métricas de participação.
Ademais, a interpretação dos dois indicadores também é diferente: a estatística de participação mostra como a mão de obra de profissionais que efetivamente trabalha com IA é distribuída entre os sexos; já o índice de concentração mostra, para cada grupo, o grau de envolvimento relativo com IA frente ao total de seus membros presentes no LinkedIn, ou seja, enquanto a participação é uma variável de distribuição relacionada exclusivamente ao mercado de IA, o indicador de concentração de talentos com IA é uma variável de engajamento que considera todo o mercado de trabalho.
A Tabela 1, a seguir, faz essa distinção para alguns países selecionados. Os casos marcantes são Índia e Arábia Saudita. Para esses países, a proporção dos homens no mercado de IA representa aproximadamente 70%, entretanto, o índice de concentração sugere um engajamento superior das mulheres nesses países. A concentração de talentos em IA para o sexo feminino na Índia é de 0,92% (contra 0,89% masculino) e na Arábia Saudita de 0,60% (contra 0,40% masculino). Isso sugere que, nesses países, embora os homens dominem o mercado, a proporção de mulheres engajadas com IA com relação ao total de usuárias daqueles países é maior.

Globalmente, o LinkedIn estimou que 69,5% dos profissionais de IA na plataforma eram homens e 30,5% eram mulheres. Ou seja, para o Brasil, a participação masculina de talentos em IA já está 7,61 pontos percentuais acima da média global.
Outro ponto interessante é que, ao nível nacional, todos os países da amostra, com exceção da Índia e da Arábia Saudita, apresentam uma concentração de talentos em IA maior entre os homens do que entre as mulheres. Esse fato permite comparar a concentração de talentos em IA por gênero entre os países ao longo do tempo.
Para comparar países e acompanhar a evolução entre os sexos, propomos o Hiato de Gênero da Concentração em IA (HGC-IA). O indicador parte da normalização, em um ano-base, dos índices de concentração de talentos em IA por gênero e, a partir daí, mede o desequilíbrio relativo entre mulheres e homens em ocupações e competências ligadas à IA. Por construção, todos os países iniciam em zero; valores positivos indicam maior engajamento masculino relativo ao feminino e vice-versa[2].
Assim, a variação do HGC-IA ao longo do tempo permite identificar avanços ou retrocessos na inclusão feminina em áreas de IA e correlacionar esses movimentos com políticas educacionais, de inovação ou mercado de trabalho. O Gráfico 2 apresenta a trajetória desse indicador ao longo do período, com destaque para o Brasil.
Como no período inicial (2016) a maioria dos países já revela um maior engajamento dos homens, a trajetória desejável para o HGC-IA seria uma convergência gradual para um valor menor do que zero. Esse valor menor do que zero seria uma correção natural do viés inicial observado a favor dos homens. Não existe, porém, um “alvo” universal e permanente para esse equilíbrio. Por isso, adotamos como referência pragmática a média entre países no período mais recente (-0,081), indicada pela linha horizontal azul no gráfico. De modo geral, países que se aproximam desse patamar sinalizam uma melhoria em termos de diversificação, pois estariam corrigindo o viés observado inicial em favor do engajamento masculino; aqueles que se afastam em valor absoluto sugerem agravamento do desequilíbrio.

Fonte: Elaboração própria com base em dados do LinkedIn, 2024 | Stanford AI Index Report 2025
A principal ressalva emerge da trajetória do HGC-IA do Brasil: somos, nitidamente, o país com pior desempenho relativo e seguimos nos afastando do padrão desejável de equilíbrio entre os sexos. Em outras palavras, o engajamento feminino em IA permanece muito abaixo do observado em outros países — e bem inferior ao dos homens —, indicando que o Brasil está perdendo terreno justamente no vetor de inclusão que mais condiciona a qualidade e a ética da sua transformação digital. A Tabela 2 sumariza o tamanho do desvio em 2024 considerando uma amostra de 43 países.
A intuição do HGC-IA pode ser lida como um “termômetro da desigualdade tecnológica”. Quanto mais próximo de zero, mais a presença entre homens e mulheres em ocupações e competências de Inteligência Artificial se assemelha à observada inicialmente. Valores positivos indicam predominância masculina, enquanto negativos revelam predominância feminina. Atualmente, a média dos HGC-IAs é de –0,081. Esse valor nos parece uma boa referência como meta a ser perseguida, dado que ele sinaliza uma correção do desequilíbrio inicial já identificado.
Nesse contexto, o resultado brasileiro (+0,61) é anômalo haja vista que ele não expressa uma vantagem feminina, mas sim uma distância estrutural em relação ao equilíbrio “global”, refletindo uma concentração excessiva de homens nos postos e competências ligadas à IA. Em outras palavras, o que podemos sugerir é que o caso brasileiro está “fora da escala” de normalidade já que mesmo economias como Estados Unidos (0,03), França (0,12) e Portugal (0,11), não se descolaram demasiadamente de seus engajamentos iniciais. A dinâmica do mercado de trabalho no país figurou o Brasil isoladamente no topo, evidenciando um hiato desproporcional de gênero.
Essa leitura sugere que o país não apenas carece de políticas efetivas de inclusão digital feminina, mas também acumula defasagens no pipeline educacional e no acesso a carreiras STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). O HGC-IA, portanto, revela o grau em que a revolução da IA no Brasil ainda reproduz padrões históricos de desigualdade, e oferece um sinal de alerta: sem corrigir o viés de gênero na formação e na ocupação tecnológica, o país corre o risco de ampliar a distância social e perder competitividade na economia digital global.

III. Consequências e riscos da exclusão feminina
A persistência do hiato de gênero em IA pode ter implicações profundas para o futuro do trabalho. A inteligência artificial está transformando ocupações em escala global, ao automatizar e reconfigurar tarefas e competências. De acordo com atualização da OIT, cerca de um em cada quatro empregos no mundo está potencialmente exposto à IA generativa, com maior incidência em funções de apoio administrativo e impactos diferenciados por gênero (OIT, 2025)
Entre os grupos mais afetados, as mulheres tendem a ser desproporcionalmente vulneráveis. A análise da OIT revelou que, em países de alta renda, 9,6% dos empregos femininos estão em ocupações de alto risco de automação pela IA, contra 3,5% para os homens. Isso ocorre porque muitas funções administrativas e de suporte — onde as mulheres são maioria — são mais suscetíveis à substituição tecnológica.
No Brasil, essa vulnerabilidade pode aprofundar a exclusão econômica e social. À medida que competências digitais e cognitivas exigidas pelos novos empregos em IA se tornam centrais, quem não tem acesso à formação adequada tende a ficar para trás. A disparidade de gênero na formação tecnológica, portanto, tende a se traduzir em desigualdades salariais e de oportunidades. Exemplo disso é um levantamento da Plongê com diretorias de TI em São Paulo, reportado pelo IT Fórum, que encontrou mulheres ganhando, em média, 48% menos que homens em cargos equivalentes — amostra de 28 CTOs no 2º semestre de 2023. Isso é um sinal de que a sub-representação feminina em tecnologia tem efeitos econômicos imediatos e estruturais.
Essa desvalorização salarial e profissional não apenas perpetua desigualdades históricas, mas também o de reduzir a capacidade inovadora do país. Ambientes com baixa diversidade de gênero tendem a reproduzir os mesmos padrões cognitivos, resultando em decisões menos criativas e mais sujeitas a vieses inconscientes. A inclusão feminina em IA, por outro lado, amplia o repertório mental das equipes, trazendo novas formas de pensar, interpretar e resolver problemas — um fator-chave para inovação e produtividade.
Sob a ótica da Economia Comportamental, esse argumento ganha ainda mais força. Homens e mulheres estão sujeitos a vieses cognitivos universais — como o viés de confirmação, a ancoragem, a aversão à perda e o excesso de confiança —, mas a forma e a intensidade desses vieses variam conforme o contexto social, o ambiente competitivo e o processo decisório. Estudos mostram que equipes homogêneas tendem a amplificar esses vieses, reforçando crenças e padrões de pensamento dominantes; em contraste, equipes diversas promovem “checagens cognitivas” mútuas, reduzindo erros sistemáticos e ampliando a qualidade das decisões (ROCK; GRANT, 2016).
Na fronteira tecnológica, esse fenômeno assume nova relevância. A própria Inteligência Artificial, ao ser treinada sobre bases de dados historicamente enviesadas — em que homens são super-representados em funções de liderança e tecnologia —, pode replicar e amplificar vieses de gênero. Assim, a sub-representação feminina em IA não é apenas um reflexo de desigualdade social: é também uma fonte potencial de viés algorítmico, capaz de distorcer resultados e comprometer a ética dos sistemas automatizados. Quanto menor a diversidade de quem projeta, testa e implementa modelos de IA, maior o risco de que o produto reproduza discriminações implícitas em vez de mitigá-las.
Empiricamente, esse argumento é reforçado por evidências organizacionais: pesquisas da McKinsey & Company mostram que empresas com maior diversidade de gênero e cognitiva têm probabilidade significativamente mais alta de superar o desempenho financeiro de seus pares — 25% no estudo Diversity Wins: How Inclusion Matters (MCKINSEY, 2020) e 27% na atualização Diversity Matters Even More (MCKINSEY, 2023). Esses resultados sugerem que a inclusão não é apenas uma agenda de justiça social, mas um ativo econômico e estratégico, capaz de ampliar a inteligência coletiva e a capacidade adaptativa das organizações. Reduzir o hiato de gênero na IA, portanto, é mais do que corrigir uma assimetria histórica: é fortalecer o capital cognitivo e comportamental do país, criando sistemas mais éticos, eficientes e competitivos em um mercado global orientado por criatividade e inteligência.
IV. Políticas públicas e caminhos para a equidade
Promover a equidade de gênero na Inteligência Artificial exige políticas públicas consistentes e coordenadas, que atuem em múltiplas frentes e não apenas em programas isolados. O primeiro passo é investir em formação e capacitação, ampliando desde cedo o interesse e a participação de meninas nas áreas de STEM — ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Experiências como o Girls in STEM, do British Council Brasil, mostram o potencial de iniciativas que apoiam e financiam projetos escolares para desconstruir estereótipos e inspirar alunas a seguir carreiras científicas e tecnológicas, com guias práticos para inclusão e relatos de dezenas de projetos implementados no país (British Council, 2023).
Na prática, isso significa incorporar atividades de ciência, robótica e programação ao ensino fundamental e médio, oferecer mentoria com mulheres cientistas e criar feiras e competições voltadas ao público feminino. A intenção é quebrar a percepção de que tecnologia é um campo exclusivamente masculino e formar um pipeline de talentos mais diversos e inclusivo.
O segundo eixo é o fomento e o financiamento de projetos liderados por mulheres. Políticas de incentivo, como o Programa Mulheres Inovadoras (FINEP/MCTI) — que, em 2022, premiou 15 startups com R$ 120 mil cada — são exemplos eficazes de reconhecimento e apoio a lideranças femininas na inovação (MCTI, 2023). Além desses editais, o setor público e o privado podem criar linhas de crédito e fundos específicos para negócios de IA liderados por mulheres ou com participação feminina em cargos de decisão. Tais medidas fortalecem o ecossistema empreendedor e ampliam a representatividade feminina nos segmentos mais estratégicos da economia digital.
Por fim, é fundamental o monitoramento e a transparência. A inclusão de métricas de gênero em índices e relatórios de inovação — como o ILIA ou levantamentos nacionais sobre IA — permite acompanhar a evolução da participação feminina no setor. A exigência de relatórios de diversidade e dados abertos nas empresas de tecnologia ajuda a identificar lacunas e avaliar o impacto das políticas implementadas. Sem esse acompanhamento, não é possível medir o progresso ou corrigir distorções. Em síntese, sem ações articuladas nesses três pilares — formação, fomento e monitoramento — o Brasil corre o risco de digitalizar suas desigualdades históricas, construindo um futuro tecnológico em que apenas uma parcela privilegiada da população colhe os benefícios da inteligência artificial, enquanto o restante permanece à margem da nova economia digital.
V. Considerações Finais
Esse artigo destaca que o Brasil enfrenta um paradoxo haja vista que é um dos países mais avançados da América Latina em infraestrutura e crescimento de talentos em Inteligência Artificial, mas, ao mesmo tempo, apresenta o maior desequilíbrio de gênero entre 48 nações analisadas. O indicador elaborado a partir dos dados do Stanford AI Index Report 2025 e do LinkedIn evidencia que o engajamento feminino na área é significativamente inferior ao masculino, o que ameaça ampliar desigualdades históricas e limitar o potencial inovador do país.
O diagnóstico é claro no sentido que a Inteligência Artificial é uma tecnologia transformadora, e quem domina suas competências terá maior proteção e mobilidade no mercado de trabalho. Nesse contexto, deixar metade da população à margem dessa transformação é, não apenas injusto, mas ineficiente. A baixa presença feminina reduz a diversidade cognitiva, enfraquece a capacidade de inovação e restringe a pluralidade de perspectivas necessárias para que o desenvolvimento tecnológico seja ético, inclusivo e voltado ao interesse público.
O estudo argumenta que corrigir esse hiato de gênero é uma estratégia de desenvolvimento nacional, não uma pauta setorial. A inclusão feminina em IA amplia o capital humano disponível, melhora a qualidade das decisões e favorece ambientes de trabalho mais criativos e colaborativos. Pesquisas mostram que empresas com diversidade de gênero e pensamento têm desempenho financeiro superior e maior capacidade de adaptação às mudanças tecnológicas.
Nesse sentido, é fundamental avançar em três direções: formação, fomento e monitoramento. É preciso incentivar meninas e jovens mulheres nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática desde a educação básica; criar políticas de financiamento e programas de aceleração voltados a startups lideradas por mulheres; e adotar métricas de gênero em relatórios e índices de inovação. A transparência e o acompanhamento contínuo são essenciais para medir o impacto dessas ações e corrigir distorções ao longo do tempo.
Por fim, o Brasil deve compreender que a revolução digital em curso não é neutra. Ela pode reproduzir velhas desigualdades ou inaugurar um novo ciclo de crescimento mais inclusivo. Garantir a presença feminina na Inteligência Artificial significa não apenas ampliar oportunidades, mas construir um futuro econômico mais produtivo, ético e competitivo. Reduzir o hiato de gênero em IA é, portanto, uma condição indispensável para que o país transforme seu potencial tecnológico em prosperidade compartilhada.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
VI. Referências Bibliográficas
BRITISH COUNCIL. Working inclusively with young people in STEM: A quick start guide. São Paulo: British Council Brasil, 2023.
CENTER FOR RESEARCH ON THE ECONOMY AND SOCIETY (STANFORD UNIVERSITY). Artificial Intelligence Index Report 2025. Stanford: Human-Centered AI Institute, 2025.
CEPAL – COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE. Índice Latinoamericano de Inteligencia Artificial (ILIA 2025): Medición de capacidades y gobernanza en América Latina. Santiago: CEPAL, 2025.
IT FORUM. CTOs mulheres ganham 48% menos que homens, indica estudo. São Paulo: IT Fórum, 6 fev. 2024.
LINKEDIN ECONOMIC GRAPH. AI and the Global Economy: Unlocking Growth and Reshaping Work. Mountain View, CA: LinkedIn Corporation, 2025.
MCKINSEY & COMPANY. Diversity wins: How inclusion matters. New York: McKinsey & Company, 2020.
MCKINSEY & COMPANY. Diversity matters even more: The case for holistic impact. New York: McKinsey & Company, 2023.
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÕES (MCTI). Relatório de Gestão 2022. Brasília: MCTI, 2023.
OCDE – ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Education at a Glance 2024: OECD Indicators. Paris: OECD Publishing, 2024.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Generative AI and Jobs: A Refined Global Index of Occupational Exposure. Geneva: International Labour Office, 2025. (ILO Working Paper, 140).
ROCK, D.; GRANT, H. Why diverse teams are smarter. Harvard Business Review, 4 nov. 2016.
[1] Teraflops é uma medida de desempenho de computadores, especialmente usada para avaliar o poder de processamento de supercomputadores ou unidades de processamento gráfico (GPUs).
[2] Para uma definição mais formal do indicador temos: Para cada país i e ano t, definimos o Hiato de Gênero da Concentração em IA (HGC-IA) como:

onde:
- i= país
- t= ano
- I_(i,t)^F= índice padronizado de concentração de mulheres em IA no país i no tempo t
- I_(i,t)^M= índice padronizado de concentração de homens em IA no país i no tempo t
Cada I_(i,t)^gé um quociente de localização por gênero:

Assim, a partir desse ponto inicial, pode-se averiguar de que forma vem evoluindo o hiato de gênero da Concentração em IA. A interpretação é a seguinte.
Interpretação:
- HGC"-" IA_(i,t)>0: predominância masculina relativa em IA (os homens estão proporcionalmente mais concentrados em IA do que as mulheres).
- HGC"-" IA_(i,t)<0: maior engajamento relativo feminino em IA.
HGC"-" IA_(i,t)=0: paridade ao ponto de partida.










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