Mind the (water) gap
Investimento em hidrogênio passa por projetos que demandam água para conversão química e resfriamento. Logo, oferta ou disponibilidade de água potável é restrição a ser incorporada, competindo com consumo humano e agricultura.
Começou na semana passada a COP 28, em Dubai, nos Emirados Árabes. Muitas expectativas e atenção têm sido dadas ao poder da indústria de óleo e gás sobre os resultados a serem alcançados. Um tema que ainda não conta com o mesmo senso de urgência, ainda que seja muito importante no mundo e por aqui, é como o alcance do Acordo de Paris depende de ações integradas entre água e mudanças climáticas, tema deste artigo.
Os compromissos de Net Zero assumidos por mais de 150 dentre 198 países demandam mudanças fundamentais nas formas de produção e consumo de energia. Nas estratégias de mitigação de alterações climáticas, a maior parte da redução das emissões globais provém de energia de baixo carbono. Ainda que diversas tecnologias, como geração solar e eólica, tenham ganhado competitividade no mercado, faltam análises que integrem o acesso, o uso e a capacidade de pagamento (affordability) da água nesse processo. No 6º. Relatório de avaliação do IPCC, o Water Policy Group sustenta que a implementação do Acordo de Paris requer políticas inovadoras que contribuam para a plena realização do ODS 6 (garantia da disponibilidade e manejo sustentável de água e saneamento para todos).
Medidas para promover fontes de energia de baixas emissões de gases de efeito estufa (GEE) devem incorporar demanda, disponibilidade e impacto sobre água, principalmente em um contexto de mudanças climáticas. Diferentes tecnologias de produção – bioenergia, hidreletricidade, solar e eólica - apresentam distintas pegadas de água (water footprint). E os planos de negócios têm que refletir esse impacto e valorar o recurso adequadamente, principalmente em regiões sujeitas a escassez hídrica. Não basta supor que há disponibilidade.
Nas tecnologias do futuro, o Brasil é grande competidor na categoria de hidrogênio de baixo carbono (H2BC). O país é apontado como capaz de atingir um dos menores custo para produção de hidrogênio ($/kg) em 2030. Isso é o que mostram as avaliações da McKinsey, da Agência Internacional de Energia (IEA) e BNEF. Para aproveitar essas oportunidades e levar boas notícias para a COP, tramita aceleradamente no Congresso uma minuta de Projeto de Lei que institui o marco legal do hidrogênio de baixo carbono e sua política nacional.
Transformar boas perspectivas de investimentos em hidrogênio em realidade passa por projetos, que demandam água para conversão química e resfriamento térmico. Logo, a oferta ou disponibilidade de água potável é uma restrição a ser incorporada, competindo com consumo humano, agricultura – entra aqui o water-energy & food-security nexus –, sem contar as necessidades de outros processos industriais.
A produção eficiente do hidrogênio pode passar em análise integrada de água e clima. Documento recente divulgado pelo RMI tenta enfrentar o mito de que a transição do H2 para verde causaria impactos na oferta. O argumento é de que o mundo consome hoje hidrogênio produzido a partir de combustíveis fósseis. Nesse contexto, a retirada (draw) adicional causada pelo desenvolvimento de projetos necessários para atingir 1,5º seria mínima. O consumo de água associado a uma produção eficiente requereria entre 20 e 30 litros/kg de H2 considerando 9l/kg de eletrólise e adicional para a purificação da água e resfriamento. Esse número é menor do que o requerido para as rotas baseadas em combustíveis fósseis, mesmo no caso do H2 azul.
Ainda que o consumo de água não seja fator crítico para os investimentos em H2 verde na média, a análise de cada projeto precisa considerar um design que induza consumo eficiente e a disponibilidade local do recurso em seu planejamento. Significa que é possível fazer desenvolvimentos em regiões ou locais sujeitos a estresse hídrico; porém, os custos aumentam. Nesses casos, é necessário recorrer à dessalinização ou ao aproveitamento de águas residuais (industrial ou municipal) para atingir o nível de pureza requerido pelas tecnologias disponíveis hoje. Mesmo usando tecnologias maduras, não quer dizer que estejam sendo consideradas nas contas de quem está pensando em empreender.
Vale a pena entender esses impactos não apenas nos discursos políticos de quem está tentando atrair investimentos para sua região. A forma correta de avaliar a competitividade de cada hub de hidrogênio considera uma visão integrada da água, evitando empreender em locais que não suportariam as pressões adicionais sobre os sistemas hídricos.
Cresce a pressão por ações e políticas que incorporem o ODS 6 na implementação do Acordo de Paris. Com a agenda ASG ganhando momentum, é fundamental avaliar o impacto local dos projetos de energias de baixo carbono sobre a disponibilidade de água, seus usos múltiplos, e seus efeitos ao longo da cadeia. Para ilustrar, é vital considerar os custos dos recursos e a disponibilidade hídrica em projetos de investimento de hidrogênio. Oxalá o tema seja endereçado na COP 28, porque a conta vem – cedo ou tarde.
Esta coluna foi publicada originalmente em 28/11/2023, terça-feira, pelo Broadcast da Agência Estado.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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