Nordeste competitivo: os desafios da infraestrutura regional
Uma proposta para a infraestrutura: reduzir déficits em transportes, saneamento e conectividade; explorar portos, MATOPIBA, renováveis e H2V; concluir eixos, universalizar água/esgoto, ampliar 5G/fibra e coordenar FNDR e PPPs.
Resumo
Esse estudo argumenta que o Nordeste, com 27% da população do país e apenas 14% do seu PIB, precisa de uma inflexão impulsionada por infraestrutura moderna e sustentável. Discute evidências sinalizando que déficits em rodovias, ferrovias, saneamento, habitação e conectividade, somados ao risco de marginalização logística e às restrições fiscais, travam a competitividade da região. Ao mesmo tempo, ressalta ativos como portos de águas profundas, retomada ferroviária, o corredor MATOPIBA, a liderança em renováveis e o potencial do hidrogênio verde. Propõe concluir eixos logísticos, universalizar água e esgoto, expandir fibra e 5G, coordenar investimentos via PNDR/FNDR, BNDES/BNB/FNE e PPPs, e fortalecer governança e monitoramento, articulando integração sul-americana e inovação para elevar produtividade, reduzir desigualdades e promover coesão territorial duradoura, ações fundamentais para maior inserção ao comércio nacional e internacional.
1 – INTRODUÇÃO
O Nordeste brasileiro, historicamente marcado por processos de marginalização econômica e social, enfrenta hoje um momento decisivo em sua trajetória de desenvolvimento. Com cerca de 55 milhões de habitantes – quase 27 % da população nacional – e uma base produtiva em transformação, a região dispõe das condições necessárias para assumir um papel mais estratégico para o futuro do País. Para isso é preciso repensar as ações que vêm sendo seguidas, tendo em vista que o modelo até agora adotado, embora exitoso em alguns aspectos, não tem sido capaz de romper com a armadilha econômica em que a região permanece presa, em que o PIB regional não consegue superar, de forma consistente, a barreira dos 14% de participação no PIB nacional, além de manter uma estrutura social perversa, onde o Nordeste se destaca no cenário nacional com os piores indicadores de pobreza e desigualdade do País.
A esses dois aspectos negativos, que se sobressaem na trajetória de desenvolvimento do Nordeste, somam-se, ainda, os desafios advindos das transformações disruptivas que vêm afetando as economias globais, alterando o comportamento das empresas, governo e dos indivíduos. As economias mundiais vêm se deparando com esses desafios, nos últimos anos, sendo pressionadas a terem cada vez mais eficiência e gerarem mais resultados para a sociedade. Os avanços em inteligência artificial, drones e robótica estão reinventando o trabalho e redesenhando cadeias de suprimento e logística. Somam-se a eles a biotecnologia, a nanotecnologia, as tecnologias digitais e as mídias sociais. Juntos, esses vetores estão transformando a base produtiva mundial e sua matriz energética.
Portanto, a necessidade de melhorar o atual quadro econômico e social do Nordeste, juntamente com essas tendências que estão moldando o futuro das sociedades, constituem os desafios que devem orientar a formulação de uma nova agenda de desenvolvimento, construída a partir de estratégias mais eficazes para reposicionar o Nordeste para um patamar de destaque no cenário nacional. Isto requer políticas capazes de provocar ou emular ações que propiciem melhorias na provisão de ativos básicos para a sociedade, como educação primária, saúde básica, segurança pública, infraestrutura econômica e social e instituições eficientes, de forma a transformar a economia nordestina, tornando-a mais competitiva e com elevada produtividade.
Nessa perspectiva multidisciplinar do desenvolvimento, a infraestrutura, em suas múltiplas dimensões – transporte terrestre e marítimo, energia, saneamento, telecomunicações, conectividade digital etc. – assume um papel fundamental, configurando-se como alicerce indispensável para que o Nordeste supere entraves históricos, amplie sua competitividade e consolide sua posição de protagonismo na economia nacional e internacional. Na realidade, apesar de ser uma área imprescindível para o desenvolvimento, o Nordeste dispõe atualmente de uma infraestrutura limitada, incapaz ainda de dotar a economia com condições apropriadas para competir e atrair investimentos nos mercados nacional e internacional, bem como inserir a região nos circuitos produtivos globais.
Esse cenário também se repete em escala nacional, tendo em vista os baixos investimentos nesse setor estratégico e a descontinuidade e atrasos no financiamento de várias obras de grande porte, que resultam em desperdício de recursos públicos, sem gerar quaisquer benefícios para a economia, limitando, assim, o desenvolvimento da região. As experiências mundiais têm demonstrado que as economias desenvolvidas investem maciçamente nos vários modais de infraestrutura, pois reconhecem a importância de uma infraestrutura moderna e densa, como condição necessária para elevar a produtividade da economia e reduzir custos de produção, com efeitos multiplicadores e dinamizadores da economia.
A literatura especializada é convergente ao mostrar que a ampliação da infraestrutura física eleva o crescimento, a produtividade e o bem-estar (Calderón & Servén, 2010; Kodongo & Ojah, 2016; Medeiros, Ribeiro & Amaral, 2022; Yemba, Ribeiro & Medeiros, 2020; Ferreira & Araújo, 2006; Frischtak, 2008; Frischtak & Mourão, 2018, dentre outros). Em países em desenvolvimento, como o Brasil, essa relação tende a ser ainda mais intensa, dadas as restrições estruturais e os baixos níveis de cobertura e qualidade dos serviços. Essas evidências se somam às contribuições clássicas de Aschauer (1989) e Gramlich (1994), que consolidam o entendimento de que o capital público em infraestrutura é determinante para o crescimento econômico sustentável.
Levantamento da ABDIB (2024) mostra que os investimentos em infraestrutura alcançavam 2,4% do PIB em 2014, mas recuaram após a crise política daquele ano e a crise sanitária de 2020. Como efeito, as paralisações se multiplicaram: conforme o Painel de Obras Paralisadas do TCU, em abril de 2025 havia 11.469 empreendimentos interrompidos, de um total de 22.607 (50,7%), envolvendo R$ 34,7 bilhões em investimentos previstos.
No cenário nacional, o Nordeste concentra o maior número de obras paralisadas: 5.355 empreendimentos, equivalentes a 47% do total. Dentro da região, o Maranhão lidera em quantidade de projetos não executados. Trata-se de intervenções em saneamento, rodovias, ferrovias, mobilidade urbana, aeroportos e portos, somando cerca de R$ 12 bilhões — metade (R$ 6 bilhões) com recursos federais. A conclusão dessas obras geraria fortes externalidades positivas, elevaria a rentabilidade de investimentos produtivos e, por consequência, reforçaria a competitividade sistêmica e o crescimento econômico regional.
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