Economia Regional

Nordeste é a região com maior queda na participação da renda do trabalho entre 2012 e 2023

6 mai 2024

Nordeste tem menor rendimento domiciliar per capita e de rendimentos do trabalho entre as regiões, e redução mais acentuada da participação dos rendimentos do trabalho na renda total.

As disparidades regionais são uma característica marcante da realidade econômica e social no Brasil e permeiam diversas dimensões da vida nacional. O interesse a respeito da evolução destas diferenças constitui uma agenda de pesquisa e debate no mundo acadêmico e político no país.

Nesse contexto, o Nordeste é frequentemente citado como uma das regiões com maiores dificuldades econômicas e sociais, e, apesar de ser a segunda região mais populosa do país, abrigando cerca de 27% da população nacional, não desfruta de uma participação econômica equivalente, representando, em 2021, por volta de 14% do PIB. Essa realidade se manifesta, em certa medida, através de indicadores sociais que destacam os desafios estruturais persistentes na região em relação ao seu desenvolvimento.

Recentemente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) referentes aos rendimentos de todas as fontes para o ano de 2023. Com base nessas informações, é possível retratar um quadro atualizado a respeito das desigualdades de renda entre as regiões do país, especialmente no que concerne o papel desempenhado pelo Nordeste no cenário nacional.

Dentre as diversas estatísticas publicadas, a análise apresentada neste artigo tem como ponto de partida o rendimento domiciliar per capita. Essa medida de renda constitui indicador essencial para caracterizar o nível de bem-estar das famílias, permitindo também mapear as diversas origens de recursos em sua composição, como renda do trabalho, aposentadorias e benefícios de programas sociais. Essa identificação é crucial para compreendermos as diferenças ao nível de renda e sua evolução ao longo dos anos.

O gráfico da Figura 1, a seguir, apresenta a trajetória do rendimento domiciliar per capita médio no período entre os anos de 2012 e 2023 para o Brasil e suas diversas regiões. Em 2023, o rendimento médio mensal real domiciliar per capita no Brasil foi estimado em R$ 1.848. Esse valor representa um aumento de 11,5% em comparação ao ano anterior, de R$1.658, e, considerando o período como um todo, acumulou-se um crescimento de 13,7%. As diferenças reginais, em nível de renda, também são evidentes nesse gráfico, com grande destaque para as estimativas de renda média das regiões Nordeste e Norte, que permaneceram consistentemente abaixo das demais regiões ao longo desses anos.

Figura 1. Evolução do rendimento domiciliar per capita médio*
- Brasil e regiões

    Fonte: Elaboração dos autores, com base nas informações da PNAD Contínua (2012-2023).
   *Rendimento médio mensal real domiciliar per capita, a preços médios de 2023.

Em 2023, o rendimento domiciliar per capita médio observado na região Nordeste foi de R$ 1.146; valor equivalente a apenas 62% da média nacional, sendo o menor entre as regiões nesse ano. Avaliando novamente toda a série, o Nordeste tem a menor renda em 8 dos 12 anos considerados; nos demais anos trocou de posição com a região Norte, que apresentou, em 2023, renda média equivalente a 70,5% da média brasileira. Ademais, quando se compara com 2012, a medida de renda do Nordeste era equivalente a 61,5% da renda média nacional, enquanto a mesma medida para o Norte correspondia a 67,3%.

Em outra perspectiva, o gráfico da Figura 2 destaca a evolução relativa dos valores médios regionais em comparação à média nacional. Percebe-se que, apesar de o Nordeste necessitar de um avanço mais significativo para encurtar com mais velocidade o diferencial regional existente, seu desempenho foi modesto.

Figura 2. Proporção do rendimento domiciliar per capita médio
das regiões brasileiras em relação ao valor médio do Brasil

Fonte: Elaboração dos autores, com base nas informações da PNAD Contínua (2012-2023).

Visando compreender melhor o comportamento do rendimento domiciliar per capita, é interessante também avaliar a dinâmica de sua composição. Como era de se esperar, a principal fonte de renda das famílias brasileiras é aquela proveniente do trabalho. As informações da pesquisa mostram que a participação dos rendimentos provenientes do trabalho correspondia a 74,2% da medida de renda média domiciliar per capita no Brasil, em 2023. Por sua vez, a parcela restante dessa composição, de 25,8%, era formada por outras fontes da seguinte forma: rendimentos de aposentadoria e pensão (17,5%), aluguel e arrendamento (2,2%), pensões alimentícias, doações e mesadas de não moradores (0,9%) e outros rendimentos (5,2%).

Na Figura 3, o gráfico evidencia a participação percentual do rendimento advindo do trabalho na composição do rendimento domiciliar per capita para o Brasil e as cinco grandes regiões. Nessa composição regional, verifica-se novamente que o Nordeste se destaca com a menor participação ao longo de toda série.

Figura 3. Participação percentual do rendimento de todos
os trabalhos na composição do rendimento médio mensal
real domiciliar per capita - Brasil e regiões

Fonte: Elaboração dos autores, com base nas informações da PNAD Contínua (2012-2023).

Constata-se que praticamente todas as regiões apresentam redução da participação dos rendimentos do trabalho na composição da renda domiciliar, com aumento de participação de outras fontes de renda. A exceção foi a região Sul. E, mesmo nesse cenário, a redução mais acentuada é observada para o Nordeste, com essa participação se reduzindo ao longo dos anos, chegando a 65,7% em 2023, quando em 2012 essa participação percentual era de 70%.

Com relação ao comportamento do rendimento médio do trabalho, a Figura 4 apresenta novamente as trajetórias do Brasil e das cinco regiões. Para 2023, a estimativa de rendimento médio mensal do trabalho, em nível nacional, foi de R$ 2.979, representando uma expansão de 7,2% em relação a 2022. Na comparação com 2012, ano em que o valor foi estimado em R$ 2.807, o crescimento foi de 6,1%. Esse aumento destaca a quão significativa foi a expansão observada no último ano.

Figura 4. Evolução do rendimento médio do trabalho* - Brasil e regiões

Fonte: Elaboração FGV/IBRE, com base nas informações da PNAD Contínua (2012-2023).
*Rendimento médio mensal real de todos os trabalhos, a preços médios de 2023.
Valores referem-se aos valores médios mensais habitualmente recebidos
de todos os trabalhos, calculados para pessoas de 14 anos ou mais de idade
e ocupadas na semana de referência da pesquisa.

Olhando para as regiões, contata-se uma evolução dos rendimentos em termos reais. Considerando o crescimento dos rendimentos ao longo de todo o período, destacam-se as variações observadas para o Norte (6,15%) e o Sudeste (6,12%). O Nordeste tem o 3º melhor desempenho (5,5%), seguido do Centro-Oeste (5,2%) e da região Sul (4,4%). Em relação a 2022, o avanço mais significativo ocorreu no rendimento médio da região Norte, superior a 11%, enquanto no Nordeste o crescimento foi de pouco mais de 5%.

Além de permitir essa análise a respeito da trajetória temporal, esse último gráfico novamente destaca a disparidade regional, mas desta vez em termos da magnitude de rendimentos do trabalho. Os valores estimados para as regiões Norte e Nordeste apresentam os menores valores, sendo que nessa última região a estimativa corresponde a apenas 66,8% da média nacional em 2023, um patamar menor do que os 67,2% verificados em 2012. Destaque positivo é dado ao valor médio observado para o Centro-Oeste, que supera em quase 15% a média nacional no ano passado.

Os rendimentos de outras fontes representavam 25,8% do rendimento domiciliar per capita em 2023. A composição desses rendimentos também é bastante heterogênea entre as regiões brasileiras. Na região Nordeste corresponde a 34,3% do rendimento domiciliar per capita, enquanto no Centro-Oeste corresponde a 20,7% da referida medida de renda.

Por fim, dados da PNAD Contínua já coletados e que serão objeto de análise futura permitem inferir também que o componente que mais ganhou participação nos últimos anos corresponde aos rendimentos advindos de programas sociais como o Programa Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada e um componente de outros programas sociais do governo.

Em 2019, a participação desse componente era de 1,7% no rendimento domiciliar per capita brasileiro. Em 2023 a participação aumentou para 3,7% (chegou a ser 5,9% em 2020, diante do cenário estabelecido durante a pandemia da Covid-19 e o pagamento do Auxílio Emergencial). Na região Nordeste, a participação dos programas sociais aumentou de 4,4% em 2019 para 9,7% em 2023. Para fins de constatação da desigualdade regional, para a região Sul essa participação foi estimada em 1,6% no ano de 2023.

Os indicadores de renda apresentados neste artigo mostram que as desigualdades ainda são muito presentes e não se observa nenhuma evidência de mudança mais significativa no período analisado. As diferenças no nível de renda real sofreram poucas mudanças desde 2012, e os rendimentos do trabalho, principal componente da renda das famílias, apresentaram contribuição relativamente modesta para a mudança dessa realidade.

Em um período marcado por recessões e choques na economia, os mercados de trabalho das regiões Norte e Nordeste não apresentaram dinamismo suficiente para reduzir sua distância em relação às demais regiões. Na verdade, as evidências apontam outro evento de grande relevância, caracterizado pela redução da participação dos rendimentos do trabalho e o aumento da importância de outras fontes de renda.

E essa dinâmica de mudança de composição ocorreu mais destacadamente na região Nordeste, onde os rendimentos do trabalho diminuíram sua participação relativa ao mesmo tempo que a contribuição dos rendimentos provenientes de programas sociais mais do que dobrou nos anos mais recentes. Essa mudança na composição da renda é um tema relevante e será detalhada em breve em outro artigo.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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