Macroeconomia

O cooperativismo e sua importância para o desenvolvimento econômico do Município do Rio de Janeiro

4 nov 2021

O cooperativismo é adotado em muitos setores econômicos globalmente. No Brasil algumas regiões parecem usar o modelo menos que outras, em particular o Rio de Janeiro. Este artigo identifica essa discrepância e discute as características do cooperativismo fluminense e carioca.

Cooperativismo é uma importante forma de organização social. Sua principal distinção quanto a outras formas de organizações com fins econômicos é a isonomia de seus associados (cooperados) na tomada de decisão[1]. Suas regras gerais, no Brasil, são definidas pela Lei Federal nº 5.764/1971.

O processo de tomada de decisão e suas finalidades são diferentes de outros tipos de organização empresária. Comparado a uma sociedade anônima de capital aberto, uma cooperativa pode ter maiores incentivos na preservação de empregos de seus funcionários ou ser mais conservadora em investimentos com pouca taxa de sucesso, preferindo assim uma maior estabilidade de seus negócios.

De imediato, é possível perceber que a natureza peculiar da forma cooperada de associação faz com que surjam particularidades quanto aos incentivos a serem alinhados em um determinado ambiente para que haja um saudável crescimento e desenvolvimento desse modelo associativo. Assim, entender a distinção na forma em que os incentivos são definidos é essencial para uma avaliação dos impactos regulatórios dessa forma associativa. Criar incentivos para essa modalidade de organização pode gerar benefícios aos trabalhadores e as regiões onde atuam, pelo viés social que essas possuem em detrimento da maximização da eficiência econômica.

No entanto, essa tarefa não é simples. Há diversos recortes que precisam ser realizados no cenário econômico para se compreender qual seria o papel do Estado na criação desses incentivos e em que grau de intervenção deveria ser realizado.

A Lei Federal nº 5.764/1971, em seu art. 3º, aduz que “celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.” A Constituição Federal também contempla as cooperativas, assegurando a elas adequado tratamento tributário no artigo 146[2] e citando, no artigo 187, o cooperativismo como instituto a ser levado em consideração quando da elaboração de políticas agrícolas.

No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a Lei nº 7700/2017 permite ao Executivo a instituição da Política Estadual de Apoio ao Cooperativismo e define seus objetivos com foco na educação sobre o tema e fomento de sua criação.

Na esfera municipal, existem leis e decretos que tratam direta ou indiretamente de cooperativas.  A Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro atribui como competência deste a elaboração de programas de incentivo a cooperativas, inclusive determinando caráter prioritário a estas na elaboração de políticas públicas. Ainda, menciona cooperativas nas políticas de desenvolvimento de quatro setores: Agrícola, Pesqueiro, Transporte e Construção.

Breve análise de dados sobre Cooperativismo no Brasil e no Município do Rio de Janeiro

A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), definida como instituição representante das cooperativas, criada pela Lei Federal 5764, possuía em 2019 5.314 cooperativas registradas. Estima também que no Brasil existem 15,5 milhões de cooperados[3]. Das 5.314 cooperativas, 1.223 são do setor Agropecuário e 1.093 do setor de Transporte.  Apesar de ambos os setores serem bem representativos em número de cooperativas, possuem poucos cooperados, quando comparados ao total: 992.111 para o setor Agropecuário e 99.568 para o setor de transportes.

Ao analisar os dados, é importante notar a distinção entre os cooperados que trabalham para a cooperativa e aqueles que apenas usufruem do benefício dela sem trabalhar para ela. Usemos como exemplo um cooperado de alguma instituição de crédito, ele utiliza os serviços fornecidos pela cooperativa, como a conta bancária ou empréstimos pessoais, mas não necessariamente contribui para o funcionamento da instituição. Diferente é o caso de um cooperado do setor agrícola, que produz para a cooperativa a qual está filiado.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realiza relatórios anuais com informações adicionais sobre a ocupação dos trabalhadores. Entre as informações coletadas está a do trabalho do entrevistado ser associado a alguma cooperativa de trabalho ou produção ou ser ele membro de alguma associação de produção[4]. Ou seja, a PNAD permite estimar a relevância do cooperativismo para o mercado de trabalho.

Na figura 1 é possível observar a distribuição de trabalhadores cooperados ou membros de associação de produção, por estado. De acordo com os dados da PNAD no ano de 2019 1,491 milhão de pessoas ocupadas se encontravam nessa condição em todo território nacional[5]. No estado do Rio de Janeiro, foram registradas 78.526 pessoas. É curioso notar que estados com população menor que a do Rio de Janeiro, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina, possuem mais trabalhadores cooperados. Parte dessa diferença pode ser atribuída a fatores culturais ou institucionais, tendo em vista que a região sul do Brasil já adota tal forma de organização desde o começo do século XX. Observando os dados da figura 1, mostra-se que há potencial para o cooperativismo em termos de trabalhadores.

Entre as 78.526 mil pessoas citadas acima, 31.303 residiam no MRJ. Nota-se que atividades ligadas ao setor de serviços têm maior representatividade, a atividade de Indústria Geral e Agricultura têm zero representatividade[6].


 

Em termos de renda, quando se compara os trabalhadores cooperados aos não cooperados no MRJ, os cooperados recebem em média R$ 5,123 de rendimentos totais, enquanto os não cooperados, R$ 3,345.  No setor de serviços, os trabalhadores cooperados ganham em média mais do que os não cooperados. No setor de construção, os cooperados ganham menos – talvez porque construtoras cooperativas atuem em projetos de menor porte.

Os dados acima mencionados, apesar de não serem os mais detalhados possíveis sobre a natureza da ocupação dos trabalhadores cooperados, já permitem tirar algumas conclusões importantes. O setor de serviços é mais representativo em âmbito municipal que o de produção agrícola – talvez esta seja mais atrativo em regiões fora do município. Uma política pública que estimule empregos ou a melhora da qualidade de empregos dos trabalhadores no MRJ via cooperativismo poderia ter como foco esse setor.

Discussão

Dadas as circunstâncias analisadas, e diante dos dados e evidências empírica e teórica coletadas, é possível sumarizar as principais conclusões:

  1. Observa-se que cooperativas tem problemas em termos de escala e eficiência econômica, particularmente no caso de cooperativas de produção. Tal circunstância, per si, deve ser um ponto de atenção para o futuro gestor público, que deverá se preocupar em compreender tais problemas para fins de construção das ações de um futuro programa de incentivo ao cooperativismo;
  1. Não se pode ignorar os benefícios que os trabalhadores cooperados usufruem se comparados a trabalhadores em organizações societárias: geralmente há maior estabilidade temporal em postos de trabalho ativos em cooperativas, bem como remuneração acima da média;
  1. Estimular a prática do cooperativismo em atividades de pequeno e médio porte pode ser benéfico para melhorar as condições de mercado dos trabalhadores e esses incentivos podem ser mais bem destinados a cooperativas do setor de serviços, dada a sua representatividade significativa no Munícipio do Rio de Janeiro;
  1. Para que seja possível projetar estrutura de incentivos regulatórios, é necessário realizar estudos analíticos sobre os diversos segmentos econômicos que se utilizam dessa forma associativa, em razão da diversidade das atividades econômicas e suas peculiaridades de mercado.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 

[1] Cada cooperado tem direito a um voto nas Assembleias Gerais, salvo exceções.

[2] Ainda pendente de regulamentação

[3] Desses cooperados 10.786.317 são oriundos do setor de crédito e 2.025.545 do setor de consumo.

[4] Em alguns casos cooperativas com menos de 10 membros são classificados como associações.

[5] A pesquisa de informações adicionais do mercado de trabalho não foi feita no ano de 2020.

[6] Como mencionado na tabela 1, a PNAD contínua é uma pesquisa por amostragem, o valor zero pode indicar também um valor tão baixo que não foi representado na pesquisa.

[7] Esses valores estão muito discrepantes das outras atividades, causado por observações fora do padrão.

Comentários

Lucia Guedes
emanueli
opa

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