Energia

Qual a melhor abordagem para regular geração eólica offshore?

13 out 2022

Proposta flexível de regulação da geração eólica offshore do MME pode beneficiar quem saiu na frente, e não investidores mais aptos. Compromisso possível seriam “projetos demonstração” até que se aprove PL que está no Congresso.

Passado o primeiro turno das eleições, o cenário da transição política se soma às incertezas que são a marca do nosso tempo. O Ministério de Minas Energia não está parado; ao contrário, tenta avançar as reformas. Publicou portaria sobre a abertura de mercado na alta tensão, estabelecendo 2024 como marco da liberalização completa nesse segmento. Na sequência, lançou consulta pública visando aprimorar proposta para flexibilizar critérios de contratação de energia elétrica no mercado livre para consumidores de baixa tensão em futuro não tão distante. Agregam-se a esses esforços propostas de diretrizes para concessões de transmissão com contrato próximo de vencimento e de normas complementares para regulamentação da geração eólica offshore (EO) ou offshore wind (OW), tema deste artigo.

O atendimento dos compromissos de Net Zero, firmados por países que representam mais de 90% do GDP mundial, requer transformações radicais em nossos sistemas de produção e uso de energia. O Brasil já conta com uma enorme vantagem no conteúdo carbônico de sua matriz energética: a participação de renováveis é de 46% no mix de energia e mais de 80% da produção de eletricidade, contrastando com médias mundiais de 14 e 26%, respectivamente.

Apesar da nossa vantagem na participação de renováveis, interessa sempre a derivada ou tendência: não basta contar apenas com o que já temos. Precisamos avançar na inovação e adoção de tecnologias que fazem parte da próxima etapa de descarbonização em energia. A produção eólica offshore é uma das principais tecnologias que já estão disponíveis e próximas de alcançar viabilidade comercial.

Propostas legislativas e de regulamentação da geração eólica offshore no Brasil

Os Poderes Legislativo e Executivo trabalham para avançar em propostas para a geração eólica offshore. No início do ano, foi publicado decreto contendo diretrizes iniciais para a tecnologia. A regulamentação complementar do Ministério de Minas e Energia (MME) é significativamente mais flexível que a versão mais adiantada de projeto de lei que tramita no Congresso Nacional. 

A linha do Executivo tem como principal instrumento a cessão de uso dos espaços físicos em áreas de domínio da União.  Essa cessão será formalizada por meio de contrato, que poderá ser oneroso ou gratuito – este último aplicável a atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. A cessão de uso pode ser planejada, caso em que o MME oferta áreas offshore (prismas) previamente delimitadas; ou independente, por iniciativa dos interessados em sua exploração, mas também sujeita a disputa. Obtida a outorga de autorização, a comercialização segue os mesmos moldes vigentes no setor elétrico.

No Congresso Nacional, tramitam dois Projetos de Lei:  o PL 576/2021, de autoria do Senador Jean Paul Prates, já aprovado pelo Senado Federal; e o PL 3.655/2021, do Deputado Danilo Forte. Ambos são mais restritivos se comparados ao que pretende o MME, pelo que se depreende das CPs 134 e 135/2021. 

A percepção de uma abordagem mais “flexível” preconizada pelo MME tem levado o setor a apoiar o avanço desta proposta de regulamentação. Argumenta-se que cerca de 170 GW já estariam com termos de referência em análise para licenciamento pelo IBAMA. Supostamente, a aprovação no Congresso seria muito morosa, comprometendo o avanço dos investimentos. Como solução de conciliação, seria desejável não esperar e pelo menos aplicá-la aos empreendimentos que já deram entrada no processo de licenciamento.

Talvez valha a pena buscar lições, em nossa experiência com adoção de novas tecnologias na geração de energia, ou mesmo fora do país, para entender como a inserção das eólicas offshore pode beneficiar a todos, além dos investidores que defendem a proposta do MME.

Em busca de uma proposta conciliatória e inclusiva

Anadon e coautores (2022) lançaram recentemente documento que discute princípios de formulação e política para a transição energética. Seu argumento é de que a transformação estrutural requerida no setor de energia demanda respostas de política mais robustas e coordenadas entre múltiplos domínios e níveis ao redor do mundo. Muitos dos princípios, modelos e ferramentas de tomada de decisão tradicionais de política industrial são aplicáveis ao contexto de mudanças marginais ou incrementais, destinadas a tecnologias que já atingiram certa estabilidade. Tais conceitos demandam adaptação em um ambiente que requer inovação mais abrangente e mudanças estruturais, caso da transição energética.

Infelizmente não caberia neste espaço uma discussão mais ampla da importância de como adaptar a formulação de política para avançar em inovação e mudanças estruturais compatíveis com os requisitos da ET. Mas fica a mensagem de que não apenas as tecnologias demandam adaptação: também a formulação de política e a governança recomendam revisão para acelerar a transformação almejada e necessária. Uma síntese das análises, contudo, nos ajuda a avaliar as propostas em discussão no Executivo e no Legislativo.

Anadon argumenta que, em tempos de objetivos arrojados e incertezas, não é suficiente adotar uma mera postura de neutralidade tecnológica. A simples ação das forças de mercado não tem se mostrado suficiente para reduzir emissões de gases de efeito-estufa na velocidade necessária. Além do mais, algumas políticas desenhadas para neutralidade conferem vantagem a quem já está no mercado. Veja-se, por exemplo, o grande volume de subsídios para combustíveis fósseis, que são ainda mais difíceis de enfrentar em tempos de crise energética. Logo, é importante conhecer esses vieses, fazendo escolhas de modo transparente.

A tradução desses princípios para o OW recomenda desenhar políticas e regulação que permitam reduzir custos ao criar “demand-pull” por inovação. E coordená-las com pesquisa, desenvolvimento e demonstração (PD&D). Essa é a fase em que a EO se encontra.

Para além da experiência internacional, podemos buscar em nosso passado lições para facilitar o caminho da EO.

O Programa de Incentivo a Fontes Alternativas (PROINFA) foi um passo importante para o aumento e a diversificação das fontes renováveis no país. Concebido em resposta à crise do racionamento de 2001-2002, o programa garantiu contratos de 15 anos (a partir da entrada em operação comercial) para um conjunto de novas tecnologias, com custos repassados às tarifas dos consumidores (mecanismo chamado Feed-in Tariff).

Os custos dessa contratação eram maiores que os resultantes dos leilões que vieram depois, mas viabilizaram a implantação de 3 GW de capacidade instalada. Houve erros e acertos, sem dúvida. Passadas duas décadas de seu início, as fontes renováveis biomassa, eólica, PCH e solar atingiram maturidade e têm preenchido espaço importante da contratação e dos investimentos em energia. E permitiram acelerar o financiamento comercial no ambiente livre, constituindo-se em peça fundamental do funcionamento do setor.

Somando os ensinamentos de Anadon (princípios para adaptar políticas) com nossa experiência de diversificação em tecnologias de geração renovável, talvez o melhor caminho para avançar na OW seja desenhar um regime de demonstração de escopo limitado. A fase de demonstração poderia fazer uso da proposta do MME, que seria aplicada a uma fração reduzida dos projetos que já pleitearam licenciamento ambiental.

Será que é razoável garantir a esses (muitos) 170 GW os benefícios de um regime mais flexível, quando a legislação ainda está pendente de aprovação, significando na prática criar uma solução ineficiente? Corre-se o risco de viabilizar assim um mercado de direitos e licenças que beneficiariam aqueles que aplicaram na frente, sem necessariamente atrair investidores mais dispostos e aptos a empreender. (Veja-se a referência às “usinas de papel”, empreendimentos com outorga e contrato, que não foram construídas ou aos sucessivos casos de empreendedores que falham em implantar a tempo os investimentos com contrato em tecnologias viáveis). Nesse ínterim, teríamos oportunidade de avaliar como adaptar de modo abrangente e articulado políticas e regulação para investimentos em OW. E caminhar para, em um futuro não distante, contar com esses empreendimentos nos leilões de cessão de áreas e/ou de energia, que se espera representem 97% da parte da contratação dessa tecnologia em 2030.

Considerações finais

A complementação das diretrizes do Decreto 10.946/2022, submetida a consulta pública, conta com grande apoio dos agentes de geração do setor elétrico. O atraso comum na aprovação do CN seria um dos argumentos para favorecer a proposta do Poder Executivo. De acordo com esta, a aplicação de regras mais flexíveis alcançaria também o conjunto de empreendimentos que já deram entrada no licenciamento ambiental, com potência da ordem de 170 GW – mais de 90% da capacidade instalada atual de geração de eletricidade no país.

OW é tecnologia que avança, mas cujos tempos e volumes de investimentos envolvidos demandam propostas articuladas de política e segurança jurídica. O Congresso sinaliza que tem pressa e não tardará a agir. Essa é a disposição do Senador Jean Paul e do Deputado Danilo Forte, que integram a próxima legislatura.

Uma solução de compromisso seria definir um montante reduzido (3% ou 5% do que deu entrada no IBAMA ou outro percentual que faça sentido) para avançar em projetos demonstração. Essa estratégia permitiria não apenas a entender melhor o potencial tecnológico da OW, mas também como desenvolver política, regulação e governança adequada para acelerar o alcance do Net Zero no Brasil. Fica a dica.


Esta coluna foi publicada originalmente em 11/10/2022, terça-feira, pelo Broadcast da Agência Estado.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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