Quando a demanda sobe mais rápido que os prédios: sugestões para o caso de Belém e a COP30
Propostas não impõem controle de preços dos aluguéis e têm como ponto central a ampliação imediata da concorrência no mercado de hospedagem, de forma a viabilizar uma resposta eficaz ao desequilíbrio entre oferta e demanda.
Diante da declaração mais recente do presidente da COP30 — de que "não haverá plano B", reafirmando a realização do evento em Belém —, intensificam-se as dúvidas sobre a viabilidade da cidade do ponto de vista dos preços praticados no mercado. Com uma expectativa de público superior a 40 mil participantes e uma rede hoteleira com capacidade estimada entre 18 e 20 mil leitos, o déficit de hospedagem tem gerado uma onda de especulação sem precedentes.
Relatos apontam que hotéis estão cobrando valores até 15 vezes acima do usual, com casos extremos de aumentos de até 2.878%, como diárias que saltaram de R$ 235 para R$ 7 mil — muitas vezes sem que haja estrutura adequada para justificar os preços.
Este texto propõe uma reflexão sobre as medidas já adotadas e as alternativas que ainda podem ser consideradas, especialmente diante do prazo que o Brasil tem, até 11 de agosto, para apresentar soluções concretas à ONU.
A limitação da capacidade hoteleira de Belém é um problema conhecido há bastante tempo, e o governo federal vem tentando equilibrar a oferta e a demanda de leitos. Ao longo do ano, diversas medidas emergenciais foram anunciadas para mitigar o déficit de hospedagem. Entre elas, destaca-se o lançamento da plataforma oficial de cadastro de imóveis, em agosto, que disponibilizou cerca de 2,7 mil quartos – embora p ainda enfrente instabilidades operacionais.
Outras iniciativas incluem a adaptação de instalações militares com infraestrutura adequada e climatização, além da formalização, em julho, da contratação de dois navios de cruzeiro – o MSC Seaview e o Costa Diadema – que, juntos, adicionarão aproximadamente 6 mil leitos à capacidade da cidade.
Apesar desses esforços, nenhuma das ações foi suficiente para conter a percepção generalizada de que a oferta de hospedagem continuará aquém da demanda. Essa expectativa tem alimentado a atual especulação no setor hoteleiro, com preços praticados muito acima do habitual. A disponibilização de 2.500 quartos individuais com valores entre US$ 100 e US$ 600 também não surtiu o efeito esperado sobre os preços de mercado.
A situação chegou a um ponto crítico: 25 negociadores internacionais assinaram um documento sugerindo a transferência parcial do evento, caso os preços não sejam controlados.
Entre as soluções ainda não oficialmente exploradas, duas se destacam pela viabilidade e pelo baixo custo. A primeira é a criação de um Programa de Hospedagem Comunitária formalizado, inspirado tanto na tradição local do Círio de Nazaré – quando milhares de visitantes se hospedam em casas de famílias belenenses – quanto em experiências internacionais bem-sucedidas, como a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro.
A implementação de um cadastro oficial, com critérios mínimos de qualidade, seguros para anfitriões e tarifas predefinidas, permitiria ampliar rapidamente a oferta de leitos em milhares de unidades, sem demandar grandes investimentos em infraestrutura. A iniciativa também capitalizaria a experiência e a hospitalidade já demonstradas pela população de Belém em eventos de grande porte, fortalecendo o engajamento comunitário e promovendo inclusão econômica local.
A segunda medida seria a concessão de incentivos fiscais para anfitriões locais que aderirem ao programa oficial de hospedagem a preços acessíveis. A oferta de benefícios temporários — como descontos no IPTU ou redução parcial do Imposto de Renda sobre os ganhos obtidos durante o período de locação — funcionaria como estímulo econômico direto à participação da população.
Essa estratégia aumentaria a atratividade do programa comunitário, ampliando a oferta de leitos residenciais em condições reguladas, com maior capilaridade territorial e preços compatíveis com a realidade dos visitantes. Ao mesmo tempo, representaria um esforço público de baixo custo fiscal em comparação com soluções estruturais mais demoradas e onerosas.
É importante ressaltar que nenhuma das propostas apresentadas tem como objetivo restringir a livre concorrência ou impor controle de preços — práticas cuja ineficácia já foi amplamente demonstrada. Ao contrário, a intenção é ampliar a oferta de hospedagem por meio da entrada de novos agentes no mercado, estimulando a concorrência e permitindo que os próprios mecanismos de mercado conduzam à moderação dos preços.
Ambas as propostas têm como ponto central a ampliação imediata da concorrência no mercado de hospedagem, de forma a viabilizar uma resposta eficaz ao desequilíbrio entre oferta e demanda. O objetivo é assegurar que a COP30 seja lembrada pelo protagonismo no debate climático, e não por um cenário de especulação de preços que já motivou ameaças de boicote por parte de delegações internacionais.
Com a aproximação do prazo crítico de 11 de agosto – data em que o Brasil deverá apresentar soluções concretas à ONU –, essas medidas exigem agilidade na articulação institucional e coordenação entre os governos federal, estadual e municipal. Sua implementação tempestiva pode contribuir decisivamente para o sucesso logístico e reputacional do evento.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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