Quanto (e como) o setor público brasileiro gasta em relação a outros países?

Na média de 2011-2021, em % do PIB, desvio se concentrou nos juros da dívida (incluídos na função Serviços Públicos Gerais) e nas despesas com benefícios previdenciários e assistenciais (que integram a função Proteção Social).
Introdução - Nesse texto são comparados o nível e a composição da despesa do setor público brasileiro com aqueles observados em um conjunto de aproximadamente 50 países (a partir daqui “Outros Países”) que respondem por algo em torno de 65% do PIB mundial (considerando valores de Paridade de Poder de Compra) e 40% da população mundial. Por “setor público” entende-se o Governo Geral, que inclui as unidades orçamentárias e extraorçamentárias do Governo Central (o governo federal), e os governos estaduais e municipais, incluindo os fundos de previdência social controlados por todas essas esferas. Espera-se, com isso, oferecer uma pequena contribuição ao debate da questão fiscal, a partir de um parâmetro de comparação que oriente a definição de prioridades para o uso de recursos públicos.
Resumindo os resultados, a análise mostrou algo já conhecido, no que se refere às Despesas Totais: a relação entre as despesas do setor público e o PIB no Brasil é alta, principalmente considerando o patamar de renda per capita. Entre os países analisados, fomos o vigésimo que mais gastou, quando comparamos os números brasileiros com a mediana do total da amostra. Na média 2010-2023, a variável atingiu 43%, enquanto no conjunto Outros Países atingiu 40,2%. Nessa mesma base de comparação, as despesas das Economias Avançadas (classificação FMI) chegaram a 44,1%, apenas um pouco mais de um ponto percentual do que o calculado para o Brasil, enquanto as despesas das economias emergentes ou de renda média (a partir daqui “Economias Em Desenvolvimento”) foram bem menores (32,6%).
Porém, há diferenças que emergem da comparação da composição das despesas e que merecem ser destacadas, como pode ser observado no gráfico acima: o Brasil não gasta mais do que os outros países em todos os tipos de funções do governo, como pode ser visto acima. Na média do período 2011-2021, em termos de percentual do PIB, o desvio se concentrou nos juros da dívida (incluídos na função Serviços públicos gerais) e nas despesas com benefícios previdenciários e assistenciais (que integram a função Proteção Social). O pagamento de juros da dívida no Brasil foi de 8,1% do PIB, enquanto a mediana da despesa dos Outros Países situou-se em 1,6% - valor que supera o “excesso” das Despesas Totais. Por outro lado, as despesas com saúde, cultura e aqueles destinados a promover o desenvolvimento econômico (via pesquisa, subsídios ou obras de infraestrutura não relacionados às outras funções, incluídos na função Assuntos Econômicos, se encontram bem abaixo do observado em outras economias. Quando a forma de comparação é o ranking do Brasil segundo a função das despesas (ver próximo gráfico), uma outra informação torna-se relevante: somos o quinto país que mais gastou com atividades relativas à segurança, sistema penal e de justiça ao longo do período analisado (que integram a função Ordem pública e segurança).
Esse perfil revela as dificuldades que o país terá que enfrentar para trazer suas despesas para um padrão mais próximo do internacional e cumprir a urgente necessidade de buscar a sustentabilidade fiscal. As despesas com juros da dívida não são definidas por uma decisão do executivo, e podem demorar a cair mesmo que a relação dívida pública/PIB passe a apresentar trajetória de queda. Além disso, a discussão sobre a meta de inflação, que, na opinião do autor deste texto, parece ter sido reduzida em ritmo mais rápido do que deveria, é interditada.
As despesas com proteção social e justiça tampouco são facilmente manejáveis. Ainda que a desvinculação dos benefícios do INSS ao salário-mínimo venha a ocorrer, a variável demográfica tende a aumentar a quantidade de aposentados e pensionistas. E os ajustes a serem feitos no que se refere aos benefícios assistenciais, cuja concessão elevada sugere irregularidades e cujo desenho precisa ser repensado, não avançarão sem o apoio do Congresso.
Além disso, uma alteração mais profunda na questão dos benefícios previdenciários e sociais envolve uma questão ética (com desdobramentos políticos) que deveria ser considerada. O montante de recursos públicos vinculados ao pagamento de aposentadorias de militares e vencimentos no Judiciário — entre outros privilégios — é pequeno em relação às despesas com programas de proteção social. Porém, isso transmite à população a ideia (correta) de que o sacrifício poderá, mais uma vez, poupar as camadas mais ricas da população. Tomar medidas que tornem a estrutura de despesas do setor público mais justa é importante para resolver a questão fiscal, mas o histórico recente mostra o quanto é difícil superar a ação de grupos de interesse no Legislativo.
Por fim, ainda que não seja o foco desse texto, vale lembrar que voltar a ter superávits primários não é função exclusiva do Governo Central: como tem mostrado os colegas do Observatório de Política Fiscal do IBRE a situação fiscal dos Governos Estaduais e Municipais inspira cuidados.
Evolução das Despesas Totais – 2011-2023
A análise do total de despesas do Governo Geral abrange o período 2011-2023, enquanto a comparação da composição leva em consideração o período 2011-2021[1]. Em ambos os casos, os dados utilizados são aqueles divulgados pelo FMI e pela OCDE segundo a Classificação das Funções do Governo, ou COFOG. A COFOG foi desenvolvida pela OCDE e pela ONU, e é uma das formas de apresentação das Estatísticas de Finanças Públicas (EFP) adotadas pelo FMI. A grande vantagem da classificação — cujo cálculo no Brasil passou por relevante aprimoramento graças ao trabalho da STN, da SOF e do IBGE[2] — é permitir uma maior comparabilidade internacional das despesas levando em conta os seus objetivos (educação, saúde, segurança, habitação, etc.), e, não apenas o seu montante.
No Gráfico 1, compara-se o total das despesas do setor público brasileiro como porcentagem do PIB com a mesma variável, considerando a mediana de um grupo 45 países que representam 63% do PIB e 39% da população mundiais.
Até 2013, as despesas brasileiras eram inferiores à mediana dos Outros Países, mas a partir de 2014, e até 2019, passaram a superá-los, sendo a maior diferença observada em 2015. No biênio 2020-2021, em função da pandemia, as despesas cresceram tanto no Brasil quanto nos Outros Países – mas, naqueles, a expansão foi mais vigorosa e, em 2021, a relação Despesas/PIB inclusive superou a observada em nosso país.
Em 2022, voltamos a gastar mais do que o restante do mundo, e em 2023, graças, entre outros motivos, ao pagamento dos precatórios, as despesas do setor público brasileiro atingiram um dos pontos mais altos da série histórica. Vale notar, por outro lado, que no biênio 2022-2023 a relação Despesas/PIB no Brasil voltou a um patamar próximo ao do período pré-pandemia, o que não ocorreu no caso dos Outros Países.
O Gráfico 2 traz as mesmas informações, mas agora com a divisão dos Outros Países em Economias Avançadas (29 países da amostra) e Economias em Desenvolvimento (grupo formado por 15 países), segundo a classificação do FMI[1]. Há uma diferença significativa entre as duas séries, e o montante de despesas do Brasil, que é uma Economia em Desenvolvimento, é muito mais próximo do patamar das Economias Avançadas.
A evolução das despesas vista acima fez com que, na média do período 2011-2023, nos encontrássemos em 20º lugar entre os países com maior relação Despesas/PIB (Gráfico 3), sendo que, das 19 economia à nossa frente no ranking, apenas três não fazem parte do grupo das Economias Avançadas: Hungria, Ucrânia (cujas despesas públicas eram altas mesmo antes do conflito com a Rússia) e Polônia.
Evolução das despesas segundo Funções – 2010-2021
Como dito anteriormente, a análise da posição relativa do Brasil, considerando objetivos das despesas públicas, usará um horizonte de tempo mais restrito, em função da disponibilidade de informações; por outro lado, o número de países da amostra será um pouco maior: são 34 Economias Avançadas, 16 Economias em Desenvolvimento e uma economia de renda baixa. O primeiro nível hierárquico da COFOG é formado por 10 Funções (ou Divisões), subdivididas em 69, Subfunções (ou Grupos), que, por sua vez, podem ser detalhadas em vários tipos de despesas[1]. O nome da maior parte das funções já fornece uma boa ideia das despesas incluídas em cada uma delas, mas há três cuja composição, pela importância na análise, merece uma breve descrição antes da apresentação dos dados: Proteção Social, Serviços Públicos Gerais, e Assuntos Econômicos.
A função Proteção Social é composta, basicamente, pelas despesas com benefícios sociais, previdenciários ou não, seguro-desemprego e ainda o auxílio para despesas com habitação – incluindo os recursos utilizados na administração desses recursos. Já a composição dos Serviços Públicos Gerais, formada por oito subfunções, é bem mais heterogênea. No caso brasileiro, como será visto adiante, as duas mais importantes são as subfunções Transações de dívida pública (onde é computado o pagamento de juros da dívida pública) e Transferências de caráter geral entre diferentes níveis de governo. A subfunção Poder Executivo, Legislativo, Assuntos fiscais, financeiros e externos é a terceira mais importante, e inclui as despesas com a operação de parte do poder executivo (são excluídas as despesas dos ministérios voltados para funções específicas, como Saúde e Educação), legislativo, relações exteriores (incluindo embaixadas) e órgãos ligados à administração da economia, como o Ministério da Fazenda. As cinco subfunções restantes, de pouca relevância no total de despesas do setor público brasileiro, incluem a ajuda a outras nações, despesas com pesquisas não incluídas em outras funções, organização do processo eleitoral e produção de estatísticas, entre outras.
Os Assuntos econômicos, por fim, incluem as despesas vinculadas a áreas não incluídas nas outras funções, entre eles agropecuária, transportes, comunicações, trabalho, minas e energia, turismo e ciência e tecnologia. São recursos não só voltados para a manutenção de órgãos como ministérios e secretarias, mas também para subsídios, ações relacionadas à reforma agrária, manutenção e construção de infraestrutura de transporte e pesquisa, entre outros exemplos. Ou seja, recursos importantes para a promoção do desenvolvimento econômico.
No Gráfico 4, compara-se a relação Despesas do setor público/PIB do Brasil com a mediana dos Outros Países, considerando a média no período 2011-2021, e ordenadas pela diferença Brasil (-) Outros Países. Assim, por exemplo, a primeira função representada (Serviços públicos gerais) é aquela onde a relação Despesas/PIB no Brasil, na média do período (10,9 %), apresentou a maior diferença positiva em relação à média da mediana dos Outros Países (5,1%).
A diferença observada nas Despesas Totais, apesar de se referir a outro período e outra amostra, é semelhante à vista no Gráfico 3: em relação ao PIB, o setor público brasileiro gastou quase três pontos percentuais a mais do que os Outros Países. Porém, há uma grande heterogeneidade quando se analisam os números por funções.
As despesas brasileiras foram muito superiores na função Serviços Públicos Gerais, e, em menor medida, na função Proteção Social; além disso, superaram as despesas dos Outros Países nas funções Ordem pública e segurança e Habitação e serviços comunitários. Nas funções Educação e Proteção Ambiental o setor público no Brasil gastou uma proporção do PIB levemente inferior à dos Outros Países; e no restante das funções (Defesa, Lazer, cultura e religião, Saúde e, em especial, Assuntos econômicos) o gasto foi inferior.
A partir dos dados, é possível também elaborar um “ranking”, estabelecendo o lugar do Brasil entre todos os países da amostra, a partir da ordem decrescente da relação Despesas/PIB, que é representado no Gráfico 5.
O Brasil foi o país que teve a maior despesa na função Serviços públicos gerais (em relação ao PIB) ao longo do período analisado, e o quinto país que mais utilizou recursos, nessa mesma métrica, na função Ordem pública e segurança (tribunais, serviços de polícia e estabelecimentos prisionais entre outros componentes). Além disso, as despesas com Habitação e serviços comunitários (entre os quais subsídios e obras de saneamento e iluminação) e Proteção Social situaram-se em posição acima das Despesas Totais. Já as três funções em que a relação Despesas/PIB apresentou valores mais baixos, na comparação com Outros Países, foram Defesa, Lazer, cultura e religião e Assuntos Econômicos. É particularmente preocupante a posição no ranking das despesas com Assuntos Econômicos — a última posição — devido à sua relevância na promoção das atividades econômicas.
No Gráfico 6 apresentam-se as diferenças entre as despesas do setor público brasileiro e as dos Outros Países em cada uma das funções, considerando a relação com o PIB. As despesas com Serviços Públicos Gerais no Brasil superaram, em larga medida, tanto o observado nas Economias Avançadas quanto nas Economias Em Desenvolvimento, em percentuais semelhantes. Como dito anteriormente, essa diferença deve-se, basicamente, ao fato de o pagamento de juros sobre a dívida pública brasileira ser muito superior ao dos Outros Países.
A diferença entre as despesas com Ordem Pública e Segurança também é próxima: gastamos 0,7 ponto percentual a mais do que a mediana das economias emergentes e 1,2 ponto percentual a mais do que a mediana das Economias Avançadas. A amostra de países que detalham a função é um pouco menor (40 países, e com pouca representatividade das Economias Em Desenvolvimento), mas esses dados revelam que a subfunção determinante para que o Brasil gaste mais do que os Outros Países é a subfunção Tribunais de Justiça — o patamar de despesas do setor público brasileiro com outras subfunções, como Serviços de polícia ou Estabelecimentos Prisionais é semelhante
Já no caso da Proteção Social, o percentual do PIB gasto no Brasil é menos de um ponto percentual superior ao pago nas Economias Avançadas, mas significativamente maior do que o observado nas Economias Em Desenvolvimento. Porém, a situação de duas outras funções relacionadas ao bem-estar da população é diferente. Nossas despesas com Saúde são próximas do observado nas Economias Em Desenvolvimento (0,3 ponto percentual acima), mas bem menores do que do registrado em Economias Avançadas (2,8 pontos percentuais; em Educação, por sua vez, o gasto brasileiro chega a um ponto percentual acima do montante das Economias Em Desenvolvimento, e é quase igual ao que se vê nas Economias Avançadas.
As despesas com Habitação e Proteção ambiental são semelhantes em relação aos dois grupos de países, com diferenças, a mais ou a menos, que não superam meio ponto percentual.
Mas o Brasil gasta menos com Defesa e com Lazer, cultura e religião tanto em relação às Economias Em Desenvolvimento quanto em relação às Economias Avançadas, ainda que a diferença não chegue a um ponto percentual do PIB. Já a diferença nas despesas com a função Assuntos Econômicos é bem mais pronunciada — mais um mau sinal para as nossas perspectivas de crescimento em relação ao restante do mundo.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] A disponibilidade de dados do FMI varia segundo os países, e para a maioria deles a informação mais recente refere-se a 2021 ou 2022. Em muitos casos, porém, as informações da OCDE permitem realizar uma estimativa para o total de despesas em 2023. Nesse link são disponibilizadas a lista de países incluídos nas comparações, assim como a classificação COFOG detalhada por funções e subfunções.
[2] Aos interessados em conhecer mais detalhes sobre a COFOG, recomendamos fortemente a leitura do texto Despesa por função do Governo Geral: nota metodológica – Classificação COFOG – Classification of Functions of Government. Brasília, DF: STN/IBGE, fev. 2025., disponível em https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/cofog-despesas-por-fu...
[3] Entre os 45 países para os quais há disponibilidade de dados ao longo do período analisado, apenas a Moldávia é classificada pelo FMI como “País de Baixa renda”, motivo pelo qual esse grupo não é representado no gráfico. Na média 2011-2023 a relação Despesas/PIB naquele o país atingiu 33,3%
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