Reformas

Resposta de Luiz Carlos Bresser-Pereira a Samuel Pessoa

20 mai 2022

Transcrevemos aqui e-mail enviado por Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-ministro da Fazenda, a Samuel Pessoa, pesquisador-associado do Ibre, em reação à coluna “A economia brasileira desaprendeu a crescer a partir de 1980”, de Pessoa, publicada pela Folha de São Paulo, em 14/5/2022, domingo.

Seu artigo de ontem na Folha, “A economia brasileira desaprendeu a crescer a partir de 1980”, e o gráfico que lhe serve de base são excelentes. O gráfico mostra que a primeira quebra do processo de desenvolvimento ocorreu em 1918 – algo que não estava claro para mim – e a segunda, como você apontou, em 1980. Eu geralmente defino a revolução capitalista brasileira como tendo ocorrido entre 1930 e 1980. Pelo gráfico, deveria dizer entre 1918 e 1930.

Já a quase-estagnação desde 1980 tem sido um tema permanente na minha análise da economia brasileira. Em 1999, falei em 20 anos de quase-estagnação, e em artigos subsequentes eu vou aumentando esse tempo em que a economia brasileira vem ficando dramaticamente para trás.

Você apresenta duas causas para esta quase-estagnação. Uma causa interna: a redução do investimento público, que você atribui ao aumento dos gastos sociais que veio com a transição democrática de 1985 ou 1988. A outra causa, externa: “Em 1990 houve uma queda do valor líquido exportado como proporção da exportação bruta. O conteúdo de insumos importados dos bens exportados subiu muito”.

Minhas causas são um pouco diferentes, já que no plano econômico eu sou um desenvolvimentista e você, um liberal. A causa interna foi realmente a queda do investimento público devido, que se deveu à queda da poupança pública: ela era cerca de 4% do PIB nos anos 1970, e desde os anos 1980 tem estado negativa em 2% do PIB. Para explicar essa queda, eu não ignoro que houve um aumento do gasto social, mas digo que esse aumento foi compensado pelo aumento da carga tributária, e ambos foram o resultado do pacto democrático-popular que esteve por trás da transição democrática. O que não fazia parte da coalizão de classes democrática foram duas coisas: o endividamento e privatização de empresas estatais que geravam poupança pública, isto já nos anos 1980, e o brutal aumento dos juros a partir do fracasso do Plano Collor e do acordo com o FMI de dezembro de 1991.

Quanto à causa externa, para mim foi o Brasil ter caído não na “armadilha da renda média”, mas, como disse a partir de meu livro “A Macroeconomia da Quase-estagnação (2007)” na “armadilha dos juros altos e do câmbio apreciado”, ou, como passei a dizer mais recentemente, a “armadilha da liberalização”. Sim, da liberalização, porque os problemas que a economia brasileira enfrentou nos anos 1980 – a grande crise da dívida externa e a alta inflação inercial – explicam a estagnação dessa década. Superados esses dois problemas, a economia brasileira deveria voltar a crescer, mas não foi isso que aconteceu. O fato histórico novo que explica grande parte da quase-estagnação a partir de 1990 foi a liberalização comercial desse ano. Eu apoiei (na verdade, iniciei) a liberalização comercial quando, ao assumir o Ministério da Fazenda em 1987, eu verifiquei que nossa tarifa média de importação de manufaturados era de 45%. Achei que era puro protecionismo. Só mais tarde eu descobriria que pelo menos a metade dessa taxa eram tarifas que neutralizavam a doença holandesa. Quando a abertura comercial aconteceu, a indústria brasileira passou, imediatamente, a ter uma grande desvantagem competitiva e a desindustrialização ganhou uma nova força.

Envio-lhe dois artigos sobre o tema: um paper com Eliane Araújo e Samuel Costa Perez, “An alternative to the middle-income trap”, que foi publicado em 2019 na revista Economic Dynamics and Structural Change, e um paper meu que está sendo publicado no Brazilian Journal of Political Economy, “Quase-estagnação do Brasil e o novo desenvolvimentismo”.

Samuel, escrevi este e-mail para lhe dar meus parabéns pelo artigo de hoje e comentar nossas diferenças. Afinal, liberais e desenvolvimentistas podem se entender quando pensam com seriedade.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.