Macroeconomia

Dinheiro compra um pouco de felicidade

7 abr 2017

O tema felicidade tem sido objeto de reflexão de filósofos, como Aristóteles, há mais de dois milênios. A partir da segunda metade do século passado, estudos empíricos sobre o assunto ganharam notoriedade, primeiro entre psicólogos e sociólogos. Mais adiante, a partir dos anos 1970, entre economistas.

O interesse em medidas diretas de bem-estar subjetivo tem se espalhado por diversos ramos da economia, passando pelo debate teórico sobre funções utilidade e chegando ao epicentro das discussões contemporâneas sobre a eficiência do PIB como medida de desenvolvimento econômico. A tendência é crescente e sugere que as pesquisas realizadas até hoje com indicadores subjetivos de bem-estar vêm apontando discrepâncias importantes entre o mundo real e a teoria econômica[1].

Particularmente nos últimos 20 anos, o número de papers sobre os temas felicidade, satisfação com a vida ou bem-estar subjetivos aumentou de forma expressiva. No mesmo período, projetos relevantes foram lançados, com destaque para as iniciativas da OCDE e da ONU voltadas à compreensão dos fatores determinantes do bem-estar e suas consequências para a política econômica, assim como para propor melhores práticas na produção estatística de medidas diretas de bem-estar subjetivo. A importância dada ao tema pode ser atestada pela presença de economistas de peso nas equipes de pesquisa destes projetos. Nos EUA, o governo criou, em 2012, uma equipe para estudar o assunto com a participação do psicólogo e Nobel de Economia Daniel Kahneman; na França, o Presidente Sarkozy criou, em 2009, uma equipe de notáveis para estudar como melhor medir o progresso social que contava com dois prêmios Nobel: Joseph Stiglitz e Amartya Sen; já o grupo da ONU conta, entre alguns dos principais especialistas internacionais em bem-estar, com o famoso economista americano Jeffrey Sachs.

O aumento do interesse tem sido tão grande que um termo foi cunhado para definir esta nova área de estudos: Economia da Felicidade[2].

Como não poderia deixar de ser, boa parte dos artigos produzidos por economistas procura investigar a relação entre níveis de renda ou de crescimento econômico com a percepção de bem-estar da população. Um marco nesta literatura é o artigo Does Economic Growth improve the Human Lot? (1974) de Richard Easterlin, hoje Professor da University of Southern California. Neste capítulo de livro, o autor relata e interpreta descobertas feitas a partir de dados de painéis socioeconômicos produzidos desde a Segunda Guerra em 19 países avançados e emergentes. Easterlin constatou que as diferenças de renda dentro de um país explicavam grande parte das diferenças de bem-estar subjetivo; mas quando as comparações ocorriam entre nações ou na mesma nação ao longo do tempo, a esperada relação positiva entre o PIB per capita e as medidas de bem-estar não eram observadas. Com base em dados da General Social Survey, por exemplo, Easterlin sugeria que entre 1946 e 1974 a renda per capita dos EUA dobrou enquanto os indicadores de felicidade teriam ficado estáveis.

A principal justificativa dada pelo autor para tal resultado é que a renda relevante para se relacionar com bem-estar seria a relativa e não a absoluta, uma proposição inspirada, segundo ele, em Duesenberry (1952). O indivíduo passaria por um processo de “adaptação hedônica” a níveis mais altos de renda que dificultaria a transmissão dos benefícios pecuniários para a percepção de bem-estar, numa corrente infindável de insaciedade de desejos. Algo como a “roda de desejos” proposta por Sidarta Gautama, o Buda, mais de dois mil anos atrás.

Nas décadas seguintes, o chamado Paradoxo de Easterlin tornou-se referência nos debates da relação entre renda e bem-estar.

Entre as principais contestações, Veenhoven e Hagerty (2003) escreveram um artigo[3] em que incorporam novas e atualizadas bases de dados, encontrando evidências de que o aumento da renda teria sido acompanhado por aumento da felicidade nacional na maioria dos 21 países pesquisados entre 1972 e 1994, acrescentando que o aumento da longevidade no mundo sugeriria um aumento ainda maior do número médio de “anos de vida feliz”. Os autores foram além, usando dados do paper original de Easterlin para argumentar que os testes originais careciam de “potência estatística”. Houve réplica e tréplica nos dois anos seguintes.

Em 2008, Stevenson e Wolfers, da Universidade de Michigan, mostraram uma relação positiva robusta entre felicidade e renda nas três frentes: na comparação entre países; no mesmo país ao longo do tempo; e entre ricos e pobres de um mesmo país (ainda que os ganhos de bem-estar fossem decrescentes com o aumento da renda). Também na década passada, pesquisadores respeitados como Frey e Stutzer (2002) ou Layard (2005) passaram a defender uma versão modificada do Paradoxo de Easterlin, em que a relação entre renda e bem-estar seria significativa até certo nível de renda. Depois deste “ponto de saciedade”, qualquer elevação da renda deixaria de ter efeito significativo no bem-estar.

Stevenson e Wolfers voltaram à carga em 2013 com um paper em que negavam a existência de um ponto de saciedade e que a relação entre renda e bem-estar mudaria com o nível de renda. Por outro lado, os autores não negaram em seus estudos que o nível de renda relativo também influenciasse no nível de bem-estar, como originalmente defendia Easterlin. Mas concluem que a força desta relação seria inferior à da relação entre renda absoluta e bem-estar.

Apesar de o debate continuar vivo e prometer novas controvérsias, algumas conclusões podem ser extraídas dos estudos produzidos até hoje. Em primeiro lugar, ao contrário do que sugeria Easterlin, existe uma relação positiva e significativa entre renda e bem-estar. Porém, para um dado aumento absoluto de renda (digamos, U$10) os ganhos de bem-estar serão maiores para pobres que para ricos. Ainda assim, não existiria um ponto de saciedade, a partir do qual novos incrementos de renda deixariam de acrescentar bem-estar à população. Dinheiro compra felicidade a taxas decrescentes.

Easterlin, por sua vez, tinha razão em sugerir relevância para o conceito de renda relativa neste debate: diversos estudos apontam, por exemplo, impacto significativo da desigualdade na percepção de bem-estar da população. Isso implica dizer que se um aumento da renda de um país ocorrer somente entre as camadas mais ricas da população, por exemplo, o impacto sobre o bem-estar coletivo poderá ser neutro ou até negativo.

Renda não é tudo

Os estudos da Economia da Felicidade também vêm mostrando que outros fatores, além da renda, são importantes na percepção de bem-estar da população. Muitos deles identificam como relevantes, por exemplo, fatores como a saúde pessoal, desemprego, inflação, convívio social, tempo despendido em deslocamentos urbanos e grau de liberdade democrática de uma nação.

Por outro lado, poucas pesquisas sobre bem-estar investigam a relação de causalidade entre o bem-estar subjetivo e seus fatores determinantes. É possível que a felicidade (por maior convívio social ou liberdade democrática) faça indivíduos trabalharem com maior satisfação e eficiência, levando ao aumento da produtividade e da renda. Além disso, bases muito grandes de dados permitem gerar estudos convincentes sobre a importância da saúde da população para o bem-estar, controlada por outros fatores. Mas não há como deixar de se notar a existência de uma correlação positiva e elevada entre boas condições de saúde e PIB per capita.

Por fim, todos os fatores determinantes de bem-estar destacados acima devem ser considerados pelo gestor de políticas públicas ao se pensar no desenvolvimento de um país e no bem-estar da população. Mas não se pode deixar de lembrar que para países de renda média, como o Brasil, em que uma parcela expressiva da população ainda não aufere renda suficiente para atendimento de determinadas necessidades básicas, a combinação de crescimento econômico e redução de desigualdade continua sendo uma síntese bastante compensadora no provimento de maior bem-estar à população.

[1] Este último ponto segue raciocínio desenvolvido no Report by the Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress, assinado por Joseph Stiglitz, Amartya Sen e Jean-Paul Fitoussi.
[2] Happiness Economics é citado, por exemplo, no New Palgrave Dictionary of Economics, em verbete assinado por Carol Graham. 
[3] Wealth and happiness revisited – Growing National Income does go with greater happiness, in Social Indicators Research

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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WILLIANS CESAR
IBRE

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