Macroeconomia

Uma proposta de reforma da Previdência do setor público

9 fev 2018

Enquanto as perspectivas de aprovação da proposta de reforma da previdência enviada pelo governo ao Congresso parecem cada vez menores, uma reunião esta semana de vários governadores com o presidente da Câmara Rodrigo Maia deu início à discussão de uma proposta de criação de fundos de pensão para os regimes dos servidores da União, estados e municípios.

Segundo estimativas do Demonstrativo do Resultado da Avaliação Atuarial (DRAA) de 2017, com base em informações de dezembro de 2016, o déficit atuarial da previdência dos servidores civis da União é de R$ 5,09 trilhões. Já o déficit atuarial dos estados é de R$ 5,17 trilhões.

Como tem sido salientado por Raul Velloso, o artigo 40 da Constituição determina que os regimes próprios dos servidores devem observar critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. Já o artigo 249 estabelece que, com o objetivo de assegurar recursos para o pagamento das aposentadorias e pensões do setor público, a União, estados e municípios “poderão constituir fundos integrados pelos recursos provenientes de contribuições e por bens, direitos e ativos de qualquer natureza, mediante lei que disporá sobre a natureza e a administração desses fundos.”

Nesse sentido, Velloso propôs em artigo apresentado no Fórum Nacional de setembro de 2017 (“Pacto da Previdência Solidária e Ajuste Fiscal”) a criação de fundos para gerir os recursos necessários para o pagamento dos benefícios previdenciários dos servidores.

Esses fundos seriam de direito privado, para evitar que os gestores utilizem os recursos previdenciários para cobrir outras despesas, como já aconteceu em diversas ocasiões. O déficit atuarial deve ser coberto por contribuições suplementares tanto patronais quanto dos servidores, aposentados e pensionistas. A alíquota de contribuição seria variável por ente e eventualmente por Poder, de acordo com o tamanho do seu déficit, e seria ajustada anualmente, de acordo com avaliação atuarial.

Caso o ajuste necessário das contribuições seja considerado excessivo, o déficit atuarial deve ser coberto pelo aporte de ativos, como imóveis, ações de empresas estatais e securitização de dívida ativa.

Essa proposta tem vários méritos. Primeiro, ela endereça de frente o problema do gigantesco desequilíbrio atuarial da previdência da União, estados e municípios, forçando a adoção de medidas para seu equacionamento.

Segundo, a criação de um fundo obriga os Poderes e órgãos autônomos, especialmente o Legislativo, Judiciário e Ministério Público, a contribuírem para o financiamento das aposentadorias e pensões dos seus servidores. Atualmente essas despesas acabam sendo pagas pelos Executivos estaduais, reduzindo os investimentos e as despesas com serviços públicos essenciais, como a segurança pública.

Os aposentados, que muitas vezes se beneficiaram de regras generosas, também são chamados a contribuir, sendo possível variar as alíquotas em função da renda e do período de ingresso no setor público.

Além disso, como já existe uma previsão constitucional, os fundos de pensão dos servidores podem ser criados por meio de Lei Complementar, o que torna mais viável reunir o quórum necessário para sua aprovação.

Essa proposta deve, no entanto, ser complementada por uma reforma das regras de aposentadoria do setor público, para evitar que os déficits continuem crescendo. Ela também é complementar à reforma do RGPS que está sendo proposta. Não se trata, portanto, de uma alternativa à PEC 287/2016, mas parte de um arcabouço geral de reforma previdenciária.

Embora seu conceito seja relativamente simples, existem diversas questões técnicas que devem ser discutidas, relativas às regras de funcionamento dos fundos, sua governança, fiscalização e punição de gestores em caso de descumprimento de seu mandato.

Outra questão que precisa ser analisada diz respeito à compra de ativos dos estados por parte da União. Embora a capitalização dos fundos estaduais deva envolver somente as contribuições patronais e dos servidores de cada ente, assim como recursos da venda de ativos, Velloso argumenta que o governo federal poderia ter um papel importante no sentido de conferir liquidez imediata a ativos que, por razões de assimetria de informações e tamanho de mercado, podem levar mais tempo para serem adquiridos pelo setor privado.

Portanto, ao contrário do que foi divulgado esta semana em alguns órgãos de mídia, não se trata de transferir para a União o ônus dos passivos previdenciários dos estados.

A veiculação desse tipo de desinformação não contribui para um debate sério sobre o tema. Além disso, pode inviabilizar uma possibilidade concreta de avançar na resolução de nossa grave crise fiscal, especialmente se a PEC 287/2016 não for votada.

Como a turbulência dos mercados desta semana deixou evidente, será temerário tentar atravessar o ano sem avançar nessa agenda.

(Este artigo foi publicado originalmente pelo Broadcast da Agência Estado)

 

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