De volta ao padrão de crescimento medíocre
A pandemia exacerbou a incerteza. Diante da perspectiva de um nível de incerteza no período pós-pandemia ainda mais elevado que o observado desde 2015, voltaremos ao nosso padrão de crescimento medíocre, com informalidade elevada e produtividade em queda.
Esta semana várias instituições financeiras e consultorias revisaram fortemente para baixo suas projeções de crescimento do PIB em 2022. Isso reflete em parte a elevação das previsões da taxa de inflação, e consequentemente do nível da Selic que será necessário para assegurar a convergência da inflação para a meta nos próximos anos. De modo mais geral, essa deterioração das expectativas de crescimento também é consequência do agravamento de incertezas fiscais e políticas nas últimas semanas.
Esse quadro corresponde em linhas gerais ao cenário pós-pandemia que tracei neste espaço em dois artigos ano passado, o primeiro em 29 de maio (“O Cenário Econômico Pós-Pandemia”) e o segundo em 27 de novembro (“Revisitando o Cenário Econômico Pós-Pandemia”).
Minha avaliação era de que a pandemia iria exacerbar nossas incertezas, especialmente as de natureza fiscal e política. Devido ao nível de incerteza no período pós-pandemia ainda mais elevado que o observado desde 2015, minha expectativa era de uma recuperação lenta da economia, com informalidade elevada e produtividade em queda.
Os dados do Indicador de Incerteza da Economia Brasil (IIE-Br) do FGV IBRE têm seguido o padrão esperado. Após atingir seu máximo histórico em abril de 2020, o IIE-Br teve uma queda substancial até abril de 2021. No entanto, desde maio o indicador tem flutuado em torno de um patamar um pouco acima do nível elevado que prevaleceu entre 2015 e 2019.
Vários fatores têm contribuído para a manutenção de um elevado patamar de incerteza fiscal, como a indefinição em relação ao pagamento dos precatórios e ao tamanho e formas de financiamento do Auxílio Brasil. O envio ao Congresso de uma proposta orçamentária baseada em parâmetros macroeconômicos irrealistas, repetindo o que ocorreu na tramitação do orçamento deste ano, agrava ainda mais esse quadro.
O projeto de reforma do imposto de renda (PL 2337/2021), por sua vez, acrescentou nova fonte de incerteza, desta vez do lado da receita. Após sua aprovação na Câmara sem que fossem divulgadas informações confiáveis de impacto na receita, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado divulgou recentemente suas estimativas. A IFI estima que o PL poderá gerar uma perda de receita de R$ 28,9 bilhões em 2022, R$ 11 bilhões em 2023 e R$ 12,3 bilhões em 2024. Sem contabilizar a reversão prevista de algumas renúncias tributárias, a redução de receita em 2023 poderia chegar a R$ 33,3 bilhões.
A essa lista podemos acrescentar a aprovação esta semana, na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, do projeto que prorroga a política de desoneração da folha de salários para 17 setores até 2026. Além do impacto fiscal negativo, a prorrogação da desoneração da folha contribui para a piora da eficiência alocativa da economia, na medida em que desonera de forma seletiva determinados setores.
Em relação às incertezas políticas, elas já estavam bastante evidentes desde maio do ano passado, quando escrevi o seguinte:
“Outro fator que está contribuindo para a exacerbação da incerteza é de natureza política. Além da falta de coordenação entre Executivo e Legislativo, já verificada antes da pandemia, estamos assistindo a um conflito aberto entre o presidente Bolsonaro e o STF, com consequências difíceis de antecipar, mas claramente danosas para decisões de investimento e de contratação de trabalhadores.”
Depois dos eventos da semana do 7 de setembro, não tenho muito a acrescentar a essa avaliação, adicionando apenas que a antecipação do processo eleitoral contribui ainda mais para o agravamento da incerteza de natureza política.
Quanto ao comportamento da produtividade, ele foi surpreendente em 2020. Houve uma elevação expressiva da produtividade por população ocupada e principalmente da produtividade por hora efetivamente trabalhada. Como já discuti em detalhe neste espaço, esse padrão foi mundial, e parece ter sido consequência do fato de que a pandemia afetou principalmente os trabalhadores de menor produtividade, em particular os informais e de menor escolaridade, assim como os setores menos produtivos, como serviços prestados às famílias.
Essas mudanças na composição da população ocupada e dos setores econômicos, que resultaram no aumento da produtividade em 2020, ajudam a explicar o crescimento significativo do PIB no primeiro trimestre de 2021, assim como a recuperação expressiva do emprego formal registrada no CAGED e o forte crescimento da arrecadação no primeiro semestre.
No entanto, existem evidências de que essas mudanças na composição do emprego e dos setores estão sendo revertidas, com consequências sobre a produtividade. Os dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE referentes ao primeiro trimestre de 2021 apontam para uma desaceleração do crescimento da produtividade por horas efetivas em relação ao mesmo trimestre do ano passado e queda em relação ao quarto trimestre de 2020.
Isso é compatível com os dados da PNAD Contínua, que mostram que a retomada do emprego tem sido predominantemente informal, com crescimento particularmente forte do trabalho por conta própria sem registro formal do CNPJ. Os dados da Pesquisa Mensal de Serviços referentes a julho divulgados esta semana também indicam uma continuidade da recuperação do setor de serviços prestados às famílias, embora ainda esteja em patamar bem abaixo do pré-pandemia.
Em resumo, diante da perspectiva de um nível de incerteza no período pós-pandemia ainda mais elevado que o observado desde 2015, voltaremos ao nosso padrão de crescimento medíocre, com informalidade elevada e produtividade em queda.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 17/09/2021.
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