Chegamos ao pico da inflação em 12 meses?
Dados recentes, promulgação parcial da PEC dos Precatórios e ausência de fortes indícios de inércia parecem ajudar BC a voltar à meta de inflação nos próximos anos. Mas é preciso evitar indícios de populismo fiscal, especialmente a partir da promulgação integral da PEC.
A inflação alta e persistente foi o evento que mais surpreendeu os analistas econômicos ao redor do mundo. No Brasil, em particular, o mercado elevou a mediana das expectativas de inflação para 2021 por 35 semanas seguidas. Dito de outra forma, até a semana passada, ainda que já tenhamos chegado ao último mês do ano, o mercado continuou a se surpreender, reconhecer o erro e, consequentemente, elevar as expectativas de inflação no Focus para 2021, cuja mediana, em 6/12, era 10,18%.
No primeiro semestre, nenhum analista previa uma inflação de dois dígitos para 2021. De fato, a importação de inflação via choques de oferta e o descompasso das cadeias dificultavam as projeções, tanto de curto quanto médio prazo. Nesse ambiente desafiador e de recuperação pós pandemia, o erro de previsão foi generalizado.
Esse erro trouxe consequências danosas para o governo, em virtude de o teto (como um todo) ser corrigido pelo IPCA, mas suas despesas serem corrigidas pelo INPC e IPCA. Com a periodicidade de julho a junho para correção do teto pelo IPCA, a inflação crescente no segundo semestre causou um descompasso, dada a divergência entre o INPC (que corrige quase 60% das despesas sob o teto e que estava prevista em 6,2%, em agosto, no envio do Projeto de Lei Orçamentária; hoje, sabemos que provavelmente será mais de 10%) e o IPCA.
Diante desse descasamento, o furo no teto parecia inevitável, mesmo sem considerar o “meteoro dos precatórios”. Adiciona-se a esse descasamento a opção do governo por aumentar o pagamento mínimo do Auxílio Brasil, de R$ 300 para R$ 400, de modo que se configurou o “furo do teto” e a destruição da âncora fiscal. A atual desancoragem fiscal é refletida no câmbio, bem distante de seus fundamentos, apesar de a taxa de juros ter se elevado substancialmente nos últimos meses e o Banco Central sinalizar que continuará aumentando-a.
É preciso haver forte melhoria na comunicação e nas ações do governo para que se restaure a credibilidade da âncora fiscal. Faz-se necessário eliminar qualquer possibilidade de trade-off entre política social e fiscal, porquanto se saber que um melhor desempenho fiscal leva necessariamente a menor taxa de juros e a maior efetividade da política social. Isso mitigará percepções de que o governo continuará avançando sobre o teto para ampliar o gasto social, à medida que melhore seus resultados fiscais.
Faz-se necessário também eliminar outros ruídos fiscais, a exemplo de possibilidade de perdão de dívida do Fies, ampliação da renúncia na tabela do Imposto de Renda e indução de implantação da bandeira verde, sobrecarregando as contas futuras de energia elétrica e as dívidas junto ao setor elétrico. Esses são exemplos de alguns ruídos que têm surgido nas últimas semanas e que não contribuem para a recuperação da credibilidade da âncora fiscal, levando os preços dos ativos a continuarem distantes dos seus fundamentos.
Enfim, neste segundo semestre, o ruído na política fiscal foi crescente, culminando no furo do teto e na ampliação das expectativas dos analistas por maiores movimentos do governo em direção a mais licenças para furar o teto ou para se desviar do caminho da consolidação fiscal, apesar de os dados efetivamente aferidos e divulgados das contas públicas surpreenderem, com dívida pública cadente e resultado primário já equivalente ao período pré-pandemia.
Diante desse cenário, restava ao Banco Central elevar a taxa de juros e avançar no terreno contracionista. E assim foi feito em sua reunião de Comitê de Política Monetária (Copom) nos dias 7 e 8/12. O comunicado usualmente feito após a reunião foi o mais eficaz deste ano, em termos de retomada do controle das expectativas em relação à política monetária. O Banco Central finalmente pareceu tomar as rédeas das expectativas de inflação nesta última reunião.
Consequência imediata disso foi a redução da mediana das expectativas do IPCA em 2021 e estabilidade em 2022, no relatório Focus de 13/12/2021, após 35 e 20 semanas seguidas de alta em 2021 e em 2022, respectivamente. Além disso, houve queda também nas medianas das expectativas do IPCA em 2023 (3,46% de 3,5%) e em 2024 (3,09% de 3,10%).
É claro que essa melhoria nas expectativas de inflação foi ajudada pela surpresa (para baixo) no IPCA de novembro, divulgado em 0,95%, indo a 10,74% em 12 meses, indicando que o acumulado em 12 meses chegou ao pico, dado que a mediana de mercado esperada para novembro era 1,09%, com 10,90% em 12 meses. Contudo, não se pode negar que o Banco Central (BC) parece ter feito um trabalho eficaz desta vez.
O fluxo de dados recentes, a promulgação (ainda que parcial) da PEC dos Precatórios e a ausência de fortes indícios de inércia – por exemplo, relatório recente do salariômetro da FIPE/USP mostrou que, nos acordos coletivos entre sindicatos e trabalhadores, o reajuste mediano salarial de outubro ficou 2,8 pontos abaixo da inflação do INPC – parecem também contribuir para o BC levar a inflação para a meta nos próximos anos.
Enfim, essa surpresa no IPCA em novembro juntamente com a sinalização de política monetária contracionista e ausência de forte inércia sugere que o pico de 12 meses do IPCA foi finalmente alcançado. É preciso que o compromisso com a nova âncora fiscal seja recorrentemente firmado, evitando-se indícios de que a política fiscal descambará para o terreno populista, especialmente a partir da promulgação integral da PEC dos precatórios. Se houver boa comunicação, esta promulgação sinalizará que o risco fiscal foi eliminado, em tese, no curto prazo.
Portanto, em 2022, se houver mitigação dos ruídos fiscais, voltaremos à discussão de como fazermos para retomar o crescimento no Brasil, diminuir a pobreza, gerar oportunidades e resolver os problemas estruturais (já bastante conhecidos do Brasil). Esperamos que essa discussão seja feita com responsabilidade fiscal, evitando erros do passado.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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