O impacto no Brasil de eventual juro estrutural maior dos EUA
A falta de solução à vista para o problema fiscal dos EUA, cuja dívida pública saiu de 55,6% do PIB em 2000 para 123,4% em 2022, deve levar a juros reais elevados por período prolongado. Isso aumenta desafio fiscal brasileiro.
O aumento na taxa de juros americana dos atuais 5,5% para 7%, sugerido por Jamie Dimon, presidente do JP Morgan, ou a intensificação do conflito no Oriente Médio, decorrente do ataque-surpresa que o Hamas realizou contra o território israelense, gerará nova rodada de aversão ao risco para o mercado brasileiro, especialmente pelo receio de resiliência da inflação global, depreciando ainda mais os ativos domésticos.
Pela sua participação de cerca de 25% na economia mundial, a conjuntura econômica dos Estados Unidos (EUA) contribui sobremaneira para o nível de estresse e volatilidade dos mercados. Assim, uma vez que a inflação americana retornar para a meta oficial, parte relevante do risco será afastado e poderemos focar em uma questão central: teremos de conviver com juros estruturais mais altos?
As taxas de juros de médio e longo prazo dos EUA constituem um problema potencialmente mais importante do que a atual batalha contra a inflação, em função de expressarem os frequentes sinais de descontrole fiscal, que podem colocar a dívida pública americana em trajetória explosiva.
Desde o início deste século, observou-se um aumento notável da dívida pública federal dos Estados Unidos, conforme reportado pelo OMB (Office of Management and Budget). Essa dívida saltou de 55,6% do PIB em 2000 para 107,1% do PIB em 2019, principalmente devido ao déficit primário ininterrupto no período de 2002 a 2019, que atingiu, em média, 4,15% do PIB.
Num passado não tão distante, esse crescimento da dívida não era preocupante, uma vez que os residentes americanos e investidores globais emprestavam dinheiro ao governo dos EUA a taxas reais de juros negativas, como em 2019, quando os empréstimos de 2 anos e 10 anos rendiam nominalmente 1,5% ao ano. Isso refletia a confiança na capacidade de o governo dos EUA de honrar suas obrigações financeiras, não gerando temores que problemas por lá afetassem os mercados globais, especialmente os periféricos da América Latina.
Intelectualmente, essa confiança era respaldada por ideias e teorias como a da estagnação secular de Larry Summers, que previa taxas reais de juros tendencialmente negativas, com inflação baixa ou até mesmo deflação. Nesse contexto, a Teoria Monetária Moderna (MMT) ganhou apoio, argumentando que o resultado primário do orçamento era menos relevante do que o crescimento econômico, gerando até mesmo ventríloquos locais que alardeavam que o problema fiscal brasileiro era inexistente ou pouco importante.
Todavia, a pandemia da COVID-19 e suas consequências econômicas implicaram aumento substancial da dívida dos EUA, elevando-a para 123,4% do PIB em 2022, aumento de 16 pontos percentuais em relação a 2019, sem perspectiva imediata de reversão do déficit primário contínuo. Isso gerou não apenas provável afastamento (do mundo prático) de teorias heterodoxas, como a MMT, mas também grande possibilidade de os EUA voltarem a conviver estruturalmente com taxas reais de juros positivas, no médio e longo prazo, entre 1 e 2%, por exemplo, enquanto o governo americano não sinalizar solução crível para o seu problema fiscal.
Na política americana recente, os republicanos buscam diminuir os impostos, enquanto os democratas procuram aumentar os gastos, especialmente em saúde pública e benefícios sociais. Também parece não haver espaço para a reforma dos gastos, exceto no orçamento militar, que é considerado intocável. Diante disso, o CBO (Congressional Budget Office) projeta que a dívida pública dos EUA chegará a cerca de 133,4% do PIB em 2033, 10 pontos percentuais acima do nível vigente, com um déficit primário semelhante ao atual, considerando que a atual legislação americana não será alterada.
Recentemente, a agência de classificação de risco Fitch rebaixou a nota de crédito dos EUA, impulsionando os investidores a exigirem um prêmio de juros mais altos para empréstimos ao governo americano, como os 4,8% ao ano para empréstimos de 10 anos, mais de 2% de juros reais. Isso sugere forte preocupação com uma possível trajetória explosiva da dívida pública americana, especialmente pelo fato de não haver sinais de esforços fiscais significativos.
Não à toa formadores de opinião (da grande mídia) nos EUA já começam a explicitar soluções para o problema fiscal americano, a exemplo da implantação de um novo Imposto sobre o Valor Agregado de 5%, apontada recentemente por Fareed Zakaria em matéria no Washington Post, replicada pelo Estadão em sua edição de 7 de outubro deste ano.
Ao se observar a economia pelo lado monetário, verificam-se também indícios de que as taxas reais de juros dos EUA para o horizonte de médio prazo, como as de 10 anos, não mais voltarão para o terreno negativo, em função de eventos ocorridos no pós-pandemia da COVID-19, se o governo americano continuar sem apontar solução para o seu ininterrupto e crescente déficit primário.
A título de ilustração, citamos a invasão da Rússia na Ucrânia e o consequente sequestro de reservas russas por parte dos EUA, que nunca havia feito um movimento dessa natureza. Esse evento pode ter gerado diminuição permanente na demanda por títulos públicos americanos, especialmente por parte de países que possuem potenciais problemas geopolíticos com os EUA, como a China. Isso per se diminui o preço dos títulos americanos e aumenta a taxa de juros necessária para torná-los atrativos.
Há também análises que sugerem que a despoupança dos idosos americanos se elevou após a pandemia, em função de maior taxa de desconto para o consumo corrente, decorrente de os idosos terem alterado sua percepção sobre a morte, entendendo-a mais próxima e presente, contribuindo para cenário de maiores taxas de juros.
Enfim, no contexto brasileiro, esse cenário de taxas reais de juros de médio e longo prazo positivas, mais altas e pressionadas nos EUA levantam questões sobre uma taxa terminal doméstica de juros mais elevada e, por conseguinte, maiores dificuldades para estabilizar a dívida pública. Isso aumenta os desafios políticos para a equipe econômica buscar as metas fiscais e as reformas necessárias para estabilizar a dívida pública.
Por sua vez, entende-se não haver alternativa à equipe econômica diferente da persecução das metas fiscais estabelecidas. De fato, qualquer revés na persecução das metas fiscais ou na busca pela aprovação das reformas (tributária, administrativa e microeconômicas) ou no aperfeiçoamento dos marcos regulatórios aprovados desde 2016 significará piora ainda maior nos preços dos ativos domésticos (em relação a que vem ocorrendo recentemente).
Entende-se também que o cumprimento das metas fiscais prometidas pelo regime fiscal recentemente aprovado no Congresso Nacional diz respeito não apenas à recuperação de receitas, mas também ao compromisso de o governo federal manter a despesa primária total próxima ao padrão pós-2016, o que significará um crescimento real anual em torno de 2%.
Esse esforço indicará, sobretudo, possibilidade de diferenciação (para melhor) do Brasil em relação aos pares por parte dos investidores internacionais, dada a relativa maior responsabilidade fiscal (na margem) e continuidade da agenda de reformas, algo não observado nos demais países da região.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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