A grande guinada do Fed
Recado duro do Fed esperado por analistas após última reunião do Fomc do ano não ocorreu, com sinalização de quedas adicionais de juros em 2024 e coletiva em tom dovish do chairman. Guinada do Fed pode trazer custos elevados.
Difícil encontrar remédio para fogo morro acima, água morro abaixo e mercado financeiro quando se mostra convencido de que a tendência dos juros é de queda. Afinal, o mercado está sempre “comprado”, em títulos públicos.
Não apenas nos Estados Unidos, mas também em outras partes, evidências claras de recuo da inflação têm provocado certa euforia, levando os investidores a acreditarem que os bancos centrais logo darão início a um ciclo de baixa dos juros de política monetária.
Sem dúvida, a reversão dos choques (de oferta e de demanda) trazidos pela pandemia e os resultados das ações (embora tardias, em alguns casos) dos bancos centrais permitem realmente que se tenha uma visão favorável a respeito do futuro da inflação. Existe, porém, a questão da velocidade com que o ritmo de crescimento dos preços caminhará na direção das metas de inflação.
Nos Estados Unidos, centro financeiro do planeta, uma forte onda otimista se materializou em curto espaço de tempo. Em cerca de 50 dias, os juros dos títulos governamentais de dez anos caíram de cerca de 5,0% a.a. para algo em torno de 4,2%, até antes da recente reunião do Fomc. Variável chave em qualquer avaliação que se faça das condições financeiras prevalecentes na economia, tal movimento teve reflexos positivos sobre as cotações de ações em bolsas de valores e em outros segmentos dos mercados financeiros, tanto no exterior, quanto aqui no Brasil.
A nosso ver, a acentuada queda dos juros de dez anos constituiu uma resposta dos participantes de mercado a uma série de dados macroeconômicos animadores, indicativos de enfraquecimento da economia e de inflação bem-comportada, supostamente capazes de levar o Fed a logo promover a tão esperada redução da taxa de fed funds. Importante ressaltar que tudo isso ocorreu a despeito de advertências dos dirigentes do Fed no sentido de que sequer haviam começado a discutir o corte de juros.
Talvez valha a pena assinalar as seguintes advertências (mais específicas) dos dirigentes do Fed: a) o crescimento econômico precisa ficar abaixo do potencial por um período; b) só haverá confiança na convergência da inflação para a meta após vários relatórios indicarem inflação a caminho da meta, de maneira consistente; c) as condições financeiras precisam ficar apertadas por um tempo (o “aperta-afrouxa” recente não ajuda); d) faz-se necessário um esfriamento importante do mercado de trabalho, que ainda se mostra apertado.
Diante do descompasso entre a sinalização dada pelo Fed em setembro último, envolvendo duas quedas da taxa de fed funds em 2024, e as apostas do mercado, envolvendo cinco ou seis quedas, cresceu bastante a expectativa de que o Fed daria um recado duro na reunião do Fomc de dezembro.
Tais expectativas se frustraram. Os sinais emitidos pelo Fomc de dezembro foram justamente na direção oposta. A julgar pelas medianas das estimativas, os integrantes do Comitê passaram a prever três queda de 25 pontos em 2024. O sinal anterior, dado em setembro, era de duas quedas, a partir de um nível que envolvia uma alta adicional em 2023, Como essa alta adicional não aconteceu, estava prevista uma única queda em 2024. Agora são três. Prato cheio para os que apostavam numa política relativamente agressiva de corte de juros, no próximo ano. Em consequência, os juros de dez anos cederam a menos de 4,0%, as bolsas subiram, e o dólar perdeu força, com reflexos semelhantes nos mercados financeiros de muitos outros países, inclusive no Brasil.
Mas não foi só isso. Na entrevista coletiva, Powell deu um tom dovish a praticamente todas as respostas às importantes questões levantadas pelos jornalistas. A lista é grande.
Powell praticamente sacramentou a ideia de que o pico de juros ficou para trás. Ao mencionar a possibilidade de um novo aumento, dificilmente o tom poderia ter sido mais leve. Sinalizou também que tiveram início as discussões sobre o timing do corte de juros em 2024. Até poucos dias atrás, o assunto sequer era cogitado.
Em diversas ocasiões recentes, Powell mencionava sua convicção de que eventual afrouxamento prematuro da política monetária poderia custar caro ao banco central. Desta vez, prematuro seria apenas declarar vitória contra a inflação, revelando certa incoerência.
Nick Timiraos, o conhecido jornalista do Wall Street Journal, ofereceu-lhe a chance de dar a “canelada” por nós esperada, ao perguntar se Powell estava desconfortável com o mercado levando os juros de dez anos para cerca de um ponto percentual abaixo da taxa de fed funds. A resposta foi que o Fed focava no que considerava certo fazer. Perdeu a chance.
Outra questão relevante veio quando lhe foi perguntado se ele veria problema numa eventual situação de crescimento econômico acima do potencial. Contrariando o que dissera em inúmeras outras ocasiões, afirmou que não, acrescentando que olhava para a totalidade dos dados.
Mais para o final da entrevista, reiterou a ideia de que o mandato dual imposto ao Fed pelo Congresso transforma-se num mandato único nos momentos em que a inflação adquire dimensão expressiva. Esclareceu, então, que o Fed havia focado firmemente no combate à inflação, mas que chegara a hora de “retornar para o ponto em que os dois mandatos são importantes”. Tais mandatos estariam agora “mais equilibrados”. E essa constatação seria mantida em mente daqui por diante. Em poucas palavras, deixou claro que a inflação deixou de ser a prioridade.
Por certo, isto teria de acontecer em algum momento. Mas é legítimo ponderar que tal movimento veio cedo demais.
A nosso ver, existe a possibilidade de essa grande guinada do Fed vir a custar caro para a instituição. Afinal, agora mesmo é que as condições financeiras ficaram frouxas, dificultando ainda mais o cumprimento dos objetivos básicos do Banco Central.
Esta é a Seção Internacional do Boletim Macro Ibre de Dezembro de 2023.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Comentários
Deixar Comentário