Empréstimos em TLP: por que arrumar algo que não precisa ser consertado?
PL 6235/2023 cria LCD, instrumento de captação incentivada voltado ao BNDES, com custo fiscal razoável, e muda indexação dos empréstimos do BNDES, com alguns pontos desnecessários. Mas é grave artigo que mexe no cálculo da TLP.
O governo Lula 3 não tem bom “track record” no que tange ao BNDES e à prática de juros de mercado para seus empréstimos. Com efeito, como detalhado em meu artigo para o Broadcast de maio de 2023, através de “jabutis” (modificações que nada têm a ver com o propósito original da peça legal, e normalmente são introduzidas em estágio avançado da análise pelo parlamento) em duas MP’s, as de número 1139/22 (convertida em Lei 14.554 de 24/4/2023) e a 1147/22 (convertida na Lei 14.592 de 30/5/2023) aprovou importantes retrocessos na aplicação da TLP. Na Lei 14.554, o FNDCT, fundo que provê recursos para empréstimos da FINEP, deixou de ser corrigido pela TLP e passou a ser corrigido pela TR. Originalmente a MP 1139 cuidava do Pronampe. Da mesma forma, a MP 1147 tinha como objetivo o Perse. Só que o texto aprovado, da Lei 14.592, permite que o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador – uma das principais fonte de financiamento do BNDES) seja remunerado pela TR.
Desta maneira, quando no fim do ano passado, dia 22/12/2023, o executivo enviou ao congresso um texto explicando que enviaria um projeto de lei para alterar a TLP e criar a LCD, eu fiquei de cabelo em pé! E, curiosamente, o texto da lei não foi enviado na ocasião! Pois bem, agora temos o texto do projeto, que está com o número PL 6235/2023. O texto deste projeto é menos preocupante do que eu antecipara. Em resumo, há duas alterações muito relevantes. Primeiro, cria-se uma LCD, instrumento de captação incentivada de bancos de desenvolvimento em geral e do BNDES em particular. Em poucas palavras, uma LCI para o BNDES. Há um limite de 10 bilhões de reais para cada emissor por ano. O principal custo desta medida é o fiscal, mas que de acordo com as estimativas da exposição de motivos (EMI 62/2023 MDIC MF) não passarão de 1,25 bilhão em 2026, sendo menor nos anos anteriores. Isto é possivelmente razoável, já que há formas de se compensar este custo com receitas gerais, e para o ano que vem o subsídio está já equacionado. Em uma primeira leitura, o instrumento pode ser indexado a qualquer taxa (inclusive, por exemplo, à TR). No entanto, como a captação será (pelo que tudo indica) a mercado, isto não apresenta problema (a não ser que este instrumento seja alocado compulsoriamente a um fundo qualquer – não parece ser este o propósito).
Segundo, altera-se de forma muito relevante a forma como os empréstimos do BNDES serão indexados. Serão quatro formas diferentes de fazê-lo: (1) pela TLP original (aqui é preciso ver a observação que faço logo a seguir); (2) por uma taxa prefixada de 5 anos; (3) por uma taxa prefixada de 3 anos e (4) pela Selic. Aqui cabem observações sobre cada um dos itens. Primeiro, a indexação por Selic dos empréstimos sempre foi possível, pois o BNDES é um banco. O que o PL faz diferente é permitir que o FAT tenha até 50% de sua correção pela Selic. Isto representa uma boa prática financeira, dado que o aparente intuito é casar a indexação do ativo com o passivo do BNDES. Assim, em relação a este ponto, o PL é positivo. Segundo, duas novas formas de corrigir os empréstimos aparecem: (1) por uma taxa prefixada de 5 anos; (2) por uma taxa prefixada de 3 anos. Estas formas de indexar empréstimos, assim como no caso da TLP que está vigente, são razoavelmente a mercado. Por esta razão, do ponto de vista fiscal não apresentam maiores problemas. Contudo, não é claro para que fazer estas modificações. Afinal, a razão precípua do BNDES existir é suprir uma potencial “lacuna” de mercado – o sistema privado (financeiro e não financeiro) não teria apetite para financiamentos longos (tese obviamente irrealista, mas que tem sido a justificativa dos intervencionistas para a existência deste tipo de instituição). Logo, taxas de 3 anos não se justificariam, pois são inerentes a projetos de médio prazo, não de longo. Ao mesmo tempo, o Brasil é país com alto risco inflacionário, como vimos no governo Dilma e no governo Bolsonaro. Desta forma, segue-se que normalmente o prêmio de risco exigido pelas taxas prefixadas é alto. Em outras palavras, as taxas prefixadas não parecem ser a melhor forma de tomar um empréstimo longo pelo risco de errarmos muito para baixo e muito para cima a taxa de juros média do período (aliás, para isso é que foi criada a correção pelo IPCA – a imprevisibilidade da inflação no Brasil a longo prazo). Adicionalmente, a taxa pré de 3 anos está sendo criada com o objetivo explícito de financiar as MPE’s (micro e pequenas empresas). É claro, há sempre o risco de o BNDES querer emprestar para as MPE’s em prazos longos com as taxas de 3 anos. Como o BNDES não faz este tipo de empréstimo diretamente, tal risco parece pequeno, já que o setor financeiro privado vai ter muito cuidado com estes empréstimos longos. Em suma, parece que criar estas duas formas novas de correção prefixada dos empréstimos é desnecessário do ponto de vista econômico, dada a função de emprestador de longo prazo do BNDES. Terceiro, e bem mais grave, o projeto (no seu artigo 8º, que modifica os artigos 3º e 5º da lei da TLP), permite que a média de taxas de juros prefixadas para o cálculo da TLP, da taxa pré de 5 anos e da taxa pré de 3 anos seja estendida dos últimos 3 meses para 12 meses. Em outras palavras, permite que o CMN altere a metodologia de cálculo das taxas. Esta mudança vai afetar a credibilidade dos indexadores propostos. Evitar esta possibilidade de mudanças de regra no “meio do jogo” é uma das grandes vantagens da metodologia atual da TLP.
Portanto, é claro que a introdução da LCD é algo em princípio bom (desde que não haja mercado cativo, nem que o volume seja exagerado). E esta parte do PL6235/2023 está bem feita. A possibilidade de corrigir parte do saldo do FAT pela Selic é positivo, pois dá maior segurança ao BNDES de fazer empréstimos neste indexador. No entanto, as outras modificações que introduzem alterações na metodologia de uso da TLP e introduzem as novas taxas prefixadas são negativas. O mercado acostumou-se à TLP. Seria melhor não mexer neste procedimento, que já mostrou sucesso. E introduzem-se mais complicações que não vão trazer vantagem. Abre-se uma discussão que pode levar a outras modificações. Vamos deixar a TLP como está e o BNDES repassando nesta taxa. Para que arrumar o que não está precisando ser consertado?
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 09/01/2024, terça-feira.
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