Transferências reduzem taxa participação, mas efeito se concentra em mulheres e jovens
Com dados da PNADC, e foco em famílias beneficiadas, exercício revela relação negativa entre recebimento de benefícios e taxa de participação, mas puxada por jovens e mulheres, sem efeito encontrado para homens adultos.
Introdução
A interação entre a oferta de trabalho e a taxa de participação na força de trabalho constitui um dos pilares fundamentais para o entendimento das dinâmicas econômicas atuais. A oferta de trabalho, definida como o total de horas que indivíduos dispostos e capazes estão prontos para trabalhar, é influenciada por uma série de fatores, incluindo mudanças demográficas, condições econômicas e políticas públicas. Paralelamente, a taxa de participação na força de trabalho, que mede a proporção da população em idade ativa que está efetivamente trabalhando ou buscando trabalho, serve como um indicador importante para a mensuração da oferta de trabalho, sendo também importante medida do potencial produtivo de uma economia.
Nesse contexto, os programas sociais emergem como ferramentas significativas, com o potencial de alterar a decisão de indivíduos de participar ou não da força de trabalho. Um debate importante se concentra em como essas iniciativas podem influenciar a motivação para o trabalho, a busca por emprego e, consequentemente, a taxa de participação na força de trabalho. Por um lado, argumenta-se que podem proporcionar aos indivíduos o suporte necessário para superar barreiras ao emprego, como a falta de qualificação ou de recursos para procurar trabalho. Por outro lado, há preocupações de que tais programas possam desencorajar a participação na força de trabalho, especialmente se os benefícios recebidos da assistência superarem os do trabalho remunerado. Assim, o desafio reside em desenhar programas sociais que não apenas aliviem a pobreza, mas também incentivem a participação ativa no mercado de trabalho, equilibrando de maneira eficaz as necessidades imediatas de subsistência com o objetivo de longo prazo de desenvolvimento econômico.
O Brasil experimentou uma transformação significativa em sua política de transferência de renda nos últimos anos, iniciada com a implementação do Auxílio Emergencial em resposta à crise provocada pela pandemia de COVID-19. Após o término do Auxílio Emergencial, o governo introduziu o Auxílio Brasil, um programa mais abrangente e permanente, destinado a substituir e expandir o alcance do Bolsa Família. O valor médio do benefício do novo programa foi notavelmente aumentado de R$ 200 para R$ 400, e posteriormente para R$ 600 a partir do terceiro trimestre de 2022.
Além do aumento substancial no valor do benefício, o Auxílio Brasil também experimentou um crescimento expressivo no número de famílias atendidas. No primeiro trimestre de 2022, cerca de 17,9 milhões de famílias eram beneficiárias do programa. Esse número aumentou para aproximadamente 21,6 milhões de famílias no primeiro trimestre de 2023, representando alta de cerca de 20%.
Gráfico 1: Diferença Inter trimestral da Taxa de Participação
e Famílias Beneficiadas pelos Programas Sociais
Fonte: Elaboração Própria Ministério do Desenvolvimento Social e PNADC (IBGE)
No entanto, o processo de expansão rápida do programa também trouxe à tona desafios, especialmente em relação à precisão na identificação e no cadastramento de beneficiários. No início de 2023, no novo governo, foram identificadas irregularidades no processo de concessão de benefícios a novas famílias no ano anterior, atribuídas à pressa em expandir o programa. Como resultado, houve revisão dos critérios de elegibilidade e do processo de cadastramento, levando a ligeira redução no número de famílias beneficiadas. No primeiro trimestre de 2024, o número de famílias atendidas pelo Auxílio Brasil foi ajustado para cerca de 21 milhões, com redução de aproximadamente 650 mil famílias em comparação com o pico anterior.
Paralelamente à correção do número de beneficiários, o Brasil observou um aumento na taxa de participação na força de trabalho a partir do terceiro trimestre de 2023. Tal período coincide com o fim do aumento das transferências, após a introdução de um benefício variável de R$ 150 por criança no primeiro trimestre do ano passado. A convergência dessas políticas de transferência de renda com os movimentos da taxa de participação sugere uma relação entre as duas variáveis ao longo de 2022 e 2023.
Metodologia
Dados na PNADC podem ser usados para analisar os determinantes da participação na força de trabalho em nível local e domiciliar. Essa primeira abordagem envolve dados agregados em diferentes regiões ao longo do tempo, fornecendo informações sobre o papel das condições do mercado de trabalho local, políticas regionais e fatores culturais na participação na força de trabalho.
A metodologia proposta visa examinar o impacto da expansão das transferências de renda, especificamente por meio do programa Bolsa Família, sobre a participação na força de trabalho em diversas áreas geográficas do Brasil. Para tal, a análise será conduzida alterando a variável de interesse para o percentual de famílias beneficiadas pelo programa em relação ao total de famílias, substituindo a variável de transferências monetárias previamente considerada no Boletim Macro de Outubro de 2023. Esta mudança metodológica é motivada pela constatação de que existe maior heterogeneidade nas variações do percentual de famílias beneficiadas entre as diferentes áreas geográficas do que nas variações do benefício médio recebido pelas famílias. Assim, entende-se que o percentual de famílias beneficiadas exerce um papel mais significativo na explicação da variação total das transferências de renda, proporcionando um indicador mais preciso dos impactos dessas políticas no nível local.
Adicionalmente, a análise enfocará os grupos que potencialmente experimentaram as maiores quedas na taxa de participação na força de trabalho associadas ao Bolsa Família, nomeadamente mulheres e jovens. Esse enfoque permitirá uma compreensão mais aprofundada dos efeitos diferenciados das transferências de renda sobre segmentos específicos da população, contribuindo para a formulação de políticas públicas mais direcionadas e eficazes.
Os modelos de efeitos fixos podem ser usados para abordar algumas fontes de endogeneidade, controlando os fatores não observados invariantes no tempo que podem estar correlacionados com as variáveis explicativas. Ao se concentrar na variação no âmbito do indivíduo ou dentro da região ao longo do tempo, os modelos de efeitos fixos ajudam a isolar os efeitos causais dos determinantes da participação na força de trabalho, considerando a heterogeneidade não observada.
Para estimar o efeito da expansão dessas transferências, será explorada a possibilidade de a PNAD Contínua Trimestral poder se subdivida entre 75 áreas geográficas, a partir de Capitais, Regiões Metropolitanas associadas a estas primeiras, e o restante das Unidades da Federação. Com isso, a partir dessas áreas, será testado o efeito local do Bolsa Família sobre a média da Taxa de Participação e do total de ocupações até o 4º trimestre de 2023. A equação abaixo demonstra a estratégia empírica aplicada.
Em que a é a área geográfica, t é o trimestre (do 4º de 2021 ao 2º de 2023), Y é a variável dependente de interesse, T é o percentual de transferências no mês central do trimestre, em proporção ao total de rendimentos do quarto trimestre de 2021 na área geográfica, X é um vetor de controles (escolaridade dos adultos, total de adultos), e, finalmente, e são efeitos fixos de trimestre e área geográfica.
Resultados
A tabela apresentada resume os resultados de regressões em nível local, possivelmente explorando o efeito das famílias beneficiadas pelos programas sociais sobre a taxa de participação (TP) na força de trabalho em diversas áreas. A tabela é dividida em seis colunas de resultados para três categorias diferentes de participação na força de trabalho: total da população (TP Total), jovens (TP Jovens) e mulheres (TP Mulheres). Cada par de colunas apresenta os resultados com e sem a inclusão de efeitos fixos de região-ano.
As variáveis-chave em cada regressão são os coeficientes que representam a mudança na taxa de participação associada ao tratamento (neste caso, percentual de famílias beneficiadas). Os coeficientes são todos negativos, indicando uma associação entre o tratamento e diminuição na taxa de participação na força de trabalho.
Tabela 1: Resultados das Regressões a Nível Local
|
(1) |
(2) |
(3) |
(4) |
(5) |
(6) |
(7) |
(8) |
Variáveis |
Total |
Jovens |
Mulheres |
Homens Adultos |
Total |
Jovens |
Mulheres |
Homens Adultos |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Coeficiente |
-0.429*** |
-0.974*** |
-1.480*** |
6.17e-05 |
-0.281* |
-0.760** |
-1.183** |
2.30e-05 |
(0.148) |
(0.266) |
(0.532) |
(5.66e-05) |
(0.165) |
(0.296) |
(0.596) |
(6.39e-05) |
|
|
|
|||||||
Obs. |
600 |
600 |
600 |
600 |
600 |
600 |
600 |
600 |
Efeito Fixo de Região-Ano |
0.252 |
0.218 |
0.171 |
0.044 |
0.282 |
0.248 |
0.194 |
0.055 |
R2 |
75 |
75 |
75 |
75 |
75 |
75 |
75 |
75 |
Número de áreas |
(1) |
(2) |
(3) |
(4) |
(5) |
(6) |
(7) |
(8) |
Obs: Os asteriscos indicam níveis de significância estatística: * para 10%, ** para 5% e *** para 1%.
Com relação à taxa de participação total, há um coeficiente de -0,429, com um erro padrão de 0,148, significando uma diminuição significativa de 4,3 pontos percentuais na taxa de participação total associada a 10p.p. de aumento do percentual das famílias beneficiadas, com alta significância estatística. Com a inclusão de Efeito Fixo de região-ano, o coeficiente vai para -0,281, indicando diminuição na taxa de participação, mas com menor magnitude comparada à coluna (1).
Já em relação à taxa de participação de jovens, o coeficiente é de -0,974, o que indica redução ainda mais significativa entre os jovens, de quase 10 pontos percentuais, associada a 10p.p. de aumento do percentual das famílias beneficiadas. Com inclusão do Efeito Fixo adicional, o coeficiente vai para -0,760, com significância estatística de 5%.
Considerando a taxa de participação das mulheres, é encontrado o maior efeito, com coeficiente de -1,480, reduzindo-se para -1,183 com a inclusão de Efeito-Fixo de região-ano. Por fim, no caso de homens adultos, não se encontra nenhum impacto em relação às famílias beneficiadas.
Esses resultados preliminares sugerem que há uma associação negativa entre o recebimento de programas sociais e a taxa de participação na força de trabalho, com efeitos muito mais pronunciados entre jovens e mulheres. Para homens adultos, o Bolsa Família não apresenta nenhum efeito.
Esta é a seção Em Foco do Boletim Macro Ibre de Março de 2024.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Comentários
Deixar Comentário