Juros por Educação: Primeira leitura
Proposta da Fazenda de reduzir juros de Estados em troca de mais matrículas no Ensino Médio Técnico não considera que ampliação de recursos não tem melhorado qualidade da educação, e há ainda risco de alta do gasto de pessoal.
O governo federal anunciou ontem a proposta “juros por educação”, que busca reduzir o estoque e custo de rolagem da dívida estadual em troca da criação e ampliação de matrículas de ensino médio voltados à educação profissional técnica em tempo integral. Os estados que aplicarem 50/75/100% do que seria o custo com o serviço da dívida terão redução de juros para 3/2,5/2%, respectivamente, ante a correção pela taxa Selic ou IPCA +4%, o que for menor. A redução será temporária entre 2025/30, tornando-se permanente para os entes que cumprirem a condicionalidade.
Adicional e independentemente da adesão à proposta “juros por educação”, há o incentivo para nova redução dos juros em 0,5/1% caso os estados reduzam seu estoque de dívida em 10/20% por meio de privatizações e venda de ativos, participações em empresas públicas e de economia mista. Ambas as propostas combinadas, portanto, podem reduzir a taxa de juro da dívida dos estados com a União para apenas 1% ao ano.
A motivação em ampliar o ensino médio técnico integral é positiva, mas a forma é questionável, pois o gasto com educação já é elevado no Brasil. Caderno de estudo publicado pelo Tesouro Nacional, denominado “aspectos fiscais” da educação (neste caso), mostra que apesar da ampliação dos recursos e número de matrículas, o desempenho escolar no país permanece sofrível. Apesar de gastar mais do que a média da OCDE, não há avanço na qualidade.
O futuro presente de veloz envelhecimento populacional, no contexto de ampliação do gasto em educação, produzirá como resultado uma elevação maior que a já observada no gasto por aluno, novamente, sem correspondência no avanço da qualidade. Apesar da farta evidência de que mais recursos não melhoraram a qualidade educacional do país, novas políticas públicas seguem sendo (re)lançadas.
Há pouquíssimo tempo (em 2020), por meio da aprovação da PEC do chamado novo Fundeb, a complementação da União para a educação foi ampliada de 10% para 19% este ano, patamar que atingirá 23% em 2026. Dentre os vários problemas da proposta aprovada, está a aplicação de pelo menos 70% dos recursos para o pagamento de salários, com a correção do piso do magistério sendo dada justamente pela variação do gasto por aluno. Além do impacto nas finanças federais, estimado em mais de R$45 bilhões, haverá pressão sobre as finanças subnacionais, que a nova e recém-feita proposta parece agudizar.
Há ainda preocupação de que mais recursos para a área ampliem o gasto com pessoal, fonte do maior problema de sustentabilidade das finanças da maioria dos estados, que permanece não endereçada. No passado, iniciativas direcionadas a ampliar os investimentos subnacionais produziram ampliação do endividamento e maior rigidez na gestão do orçamento público, pelo transbordamento e relação de feedback entre os investimentos e gastos obrigatórios.
A redução do juro por amortização de 10/20% do saldo devedor parece ser o copo meio cheio da proposta, que estimula os Estados a reduzirem o estoque de dívida via privatização e venda de ativos, total ou parcial, de empresas públicas. Entretanto, fica a dúvida sobre a viabilidade e real interesse dos estados em caminhar nessa direção, que é uma opcionalidade e não tem adesão compulsória. Com a jurisprudência do Judiciário, inclusive da Suprema Corte, premiando a irresponsabilidade fiscal estadual e aumentando o moral hazard, o incentivo para o cumprimento é muito assimétrico.
Por fim, como a viúva sempre paga a conta – é essa a história do federalismo brasileiro –, há o receio de os estados que não cumprirem as metas de ensino técnico profissionalizante em tempo integral conseguirem no Judiciário a manutenção das vantagens colocadas. Adicionalmente, é útil rememorar que há diversos estudos econômicos aplicados mostrando que o ensino técnico no país – a exemplo do Pronatec – não foi efetivo em melhorar a inserção do trabalhador no mercado de trabalho, tampouco ampliar seu salário. Uma vez mais, a despeito da crescente e constante ampliação do gasto público. O caminho para resolver tanto o fiscal quanto a qualidade do ensino no país não é por aí.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Comentários
Deixar Comentário