Os avanços na redução da distorção idade-série: Ceará é o destaque
Estudo sobre o Brasil e suas regiões, com foque no Nordeste, indica que essa região ainda é a com maior contingente de crianças com distorção idade-série na escola. Mas o Ceará tem tido grande sucesso em reverter essa situação.
Já é bem documentada na literatura econômica a importância da educação no processo de desenvolvimento de uma sociedade, haja vista que ela contribui para os ganhos de produtividade dos indivíduos, com reflexos diretos nos seus salários. Entretanto, as políticas educacionais se deparam normalmente com um dos problemas essenciais nessa área que é a distorção existente entre idade e série dos alunos na escola.
As consequências negativas dessas distorções são inúmeras, às quais podemos elencar algumas: alunos fora da faixa etária adequada para sua série geralmente apresentam maiores dificuldades de aprendizado e menor desempenho acadêmico; percebe-se também maior probabilidade de abandonar a escola; tem-se menor igualdade de oportunidades, ocasionando acesso não equitativo ao ensino de qualidade; prejudica o desenvolvimento pessoal, uma vez que eles passam a conviver com colegas com faixas etárias distintas, dificultando a integração social e prejudicando o acesso ao mercado de trabalho.
Investigando essa questão, constata-se que, do total de 4,28 milhões de estudantes brasileiros que estavam em distorção idade-série, em 2023, o maior contingente de alunos atrasados está na região Nordeste, com 1,54 milhão (35,9%). Isto significa que, de cada três estudantes que estão com atraso de dois ou mais anos em relação à idade correta para a etapa escolar que frequentam[1], um estuda no Nordeste. Os dados são do Censo Escolar 2023, fornecidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). No Gráfico 1, a região Sudeste aparece em segundo lugar, com 1,19 milhão de estudantes (27,8%), seguida da região Norte, com 733,9 mil estudantes (17,1%).
Gráfico 1: Contingente de estudantes em distorção por região (2023)
Fonte: Indicadores educacionais do INEP
Entretanto, quando se analisa a evolução desse parâmetro nas últimas décadas no país, percebe-se que houve uma melhora significativa. Entre 2007[2] e 2023, a taxa de distorção idade-série no Brasil, considerando o Ensino Fundamental, caiu de 30,1% para 13,3%. Apesar do avanço verificado, o país ainda está longe de atingir a Meta 2 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024. O PNE prevê que 95% das pessoas com 16 anos tenham concluído pelo menos o Ensino Fundamental até 2024, mas o indicador mostra que, até 2023, somente 66,7% dos adolescentes de 16 anos tinham realmente tido êxito. Além disso, esse Plano ainda em vigor não possui uma meta específica para reduzir a distorção idade-série no Ensino Médio.
Outro ponto que também chama a atenção, segundo os dados do INEP, é que, em 2023, a distorção idade-série dos estudantes pretos e pardos nos anos finais do Ensino Fundamental (20,9%) é praticamente o dobro da taxa de distorção dos alunos brancos (10,8%).
Ademais, nos últimos 14 anos, conforme observado no Gráfico 2, a taxa de distorção média no Ensino Fundamental para o Brasil ficou em 21,5%, impulsionada pelos percentuais das regiões Norte (30%) e Nordeste (29,3%). A região brasileira com melhor média no período é o Sudeste (14,6%), seguida da região Sul (16,9%). Entre os estados nordestinos, o Ceará possui a menor taxa média, com 19,8%, seguido do Maranhão (26,2%). Sergipe e Bahia estão entre as maiores taxas médias de distorção idade-série, com 36,4% e 34,7%, respectivamente.
Gráfico 2: Distorção idade-série média Ensino Fundamental (%)
- Brasil e estados nordestinos (2007-2023)
Fonte: Indicadores educacionais do INEP
Em relação ao Ensino Médio, a média da taxa de distorção tem um nível mais elevado para todas as unidades geográficas consideradas (Gráfico 3). Entretanto, a posição relativa das regiões permanece inalterada, com as regiões Norte e Nordeste apresentando as maiores taxas, 45,7% e 41,5%, respectivamente, e a região Sudeste com a menor média (24,5%) para o período de 2007 a 2023.
Gráfico 3: Distorção idade-série média Ensino Médio (%)
- Brasil e estados nordestinos (2007-2023)
Fonte: Indicadores educacionais do INEP
A região Sudeste aparece em 2023, segundo dados do Censo Escolar, como a região com o segundo maior número de estudantes em distorção idade-série. Esse número representa um total de 1.191.975 estudantes matriculados em turmas cuja a sua idade é diferente da idade escolar ideal. Os gráficos 4 e 5 apresentam as taxas de distorção idade-série em escolas públicas para os quatro estados que compõem a região nos anos de 2007, início do cálculo do indicador pelo INEP, e 2023. O Gráfico 4 refere-se à distorção idade-série nas etapas do ensino fundamental e a Gráfico 5 no ensino médio. As caixas suspensas acima das barras de cada estado, representam a variação em pontos percentuais durante o período.
Gráfico 4 – Taxas de Distorção idade-série entre 2007 e 2023 para estados
da região sudeste – Ensino Fundamental
Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados dos indicadores do INEP
Gráfico 5 – Taxas de Distorção idade-série entre 2007 e 2023
para estados da região sudeste – Ensino Médio
Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados dos indicadores do INEP
Analisando os gráficos 4 e 5, apenas para 2023, observa-se que, tanto para o ensino médio quanto para o ensino fundamental, o estado do Rio de Janeiro é o que atualmente apresenta a maior taxa de distorção idade-série (20,9% no ensino fundamental e 32,6% no ensino médio). Por sua vez, São Paulo é o estado da região com menores taxas neste indicador em 2023, 5,5% no ensino fundamental e 11,8% no ensino médio. Ou seja, a taxa de distorção idade-série é quatro vezes maior no Rio de Janeiro no ensino fundamental e três vezes maior no ensino médio em relação ao estado de São Paulo. Os estados de Minas Gerais e Espírito Santo ocupam posições intermediárias entre Rio de Janeiro e São Paulo.
Para verificar o quanto as políticas públicas estaduais estão sendo efetivas para enfrentar esse problema, é preciso analisar o quanto cada um dos estados evoluiu na redução dessas taxas entre 2007 e 2023. Focando no ensino fundamental, Minas Gerais é o estado que apresentou maior redução da taxa de distorção idade-série no período (16,1 pontos percentuais). Rio de Janeiro é o segundo estado da região que mais reduziu este indicador (14,3 pontos percentuais). No entanto, o Rio de Janeiro possuía em 2007 uma taxa de distorção idade-série 11 pontos percentuais maior do que Minas Gerais. Ou seja, aparentemente, a política de redução das distorções idade-série em Minas Gerais foi mais efetiva do que no Rio de Janeiro, mesmo tendo apresentado variações em pontos percentuais semelhantes.
São Paulo foi o estado que apresentou a menor redução no período, porém, sua taxa de distorção idade-série em 2007 já era bastante baixa, 10,3%. Em geral, espera-se que, quanto mais baixa a taxa de distorção idade-série inicial, no caso em 2007, menor seja a efetividade das políticas educacionais. Isso pode ocorrer por dois motivos principais. Primeiro, em lugares em que a taxa de distorção idade-série é muito baixa, isso pode deixar de ser uma prioridade em termos de políticas públicas. Talvez, o estado de São Paulo possa ter focado seus esforços para outros aspectos da educação, como a aprendizagem, por exemplo. Segundo, não se espera que nenhuma política consiga eliminar totalmente a distorção idade-série. Quanto mais baixo o valor da taxa de distorção idade-série, maior é a chance de que problemas idiossincráticos sejam a causa da distorção. Porém, problemas bastante específicos e conjunturais são mais difíceis de serem direcionados por políticas públicas.
Analisando a etapa do ensino médio, o Rio de Janeiro foi o estado que conseguiu reduzir mais a distorção idade-sério no período (26,9 pontos percentuais). Essa redução se deu a partir de uma taxa em 2007 muito elevada. Em 2007, na etapa do ensino médio, aproximadamente 60% das crianças não possuíam a idade escolar adequada na turma na qual estavam matriculadas nas escolas públicas do estado do Rio de Janeiro. Atualmente, esse número é de 32%. O estado de São Paulo, novamente, foi o que apresentou a menor redução no período, 11,6 pontos percentuais. No entanto, a sua distorção idade-série em 2007 já era a menor da região.
Essas evidências sugerem que a situação do estado do Rio de Janeiro é mais crítica na região com relação a esse indicador. Para termos uma perspectiva, a taxa de distorção idade-série no Rio de Janeiro em 2023, em ambas as etapas, é maior do que a taxa de distorção idade-série de São Paulo em 2007, 17 anos atrás. Essas diferenças em estados com características semelhantes, localizados na mesma região, sugere que as políticas educacionais no Rio de Janeiro precisam ser ajustadas para enfrentar esse problema educacional.
Entre os estados nordestinos, o melhor desempenho é do Ceará, sendo o único estado com média abaixo da média brasileira, com taxa média de distorção em 30,7% para o período. Na etapa de ensino fundamental, Pernambuco superou o Maranhão e obteve a segunda menor taxa média (37,1%).
O novo Plano Nacional de Educação (2025-2034), que ainda está tramitando na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei nº 2.614/2024, busca corrigir algumas distorções do PNE em vigor e estabelece metas para garantir uma trajetória escolar sem atrasos. Em seu objetivo 4, que trata de acesso, trajetória e conclusão no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, o novo PNE fixa: i) Meta de 100% das crianças concluindo o quinto ano do Ensino Fundamental na idade regular (entre 10 e 11 anos); ii) meta de 95% dos estudantes concluindo o nono ano na idade regular (entre 14 e 15 anos), e; iii) meta de 85% dos estudantes concluindo o Ensino Médio na idade regular (entre 17 e 18 anos).
A despeito de todas as dificuldades encontradas, as regiões Norte e Nordeste têm mostrado um avanço notável para reduzir a taxa de distorção idade-série tanto para o Ensino Fundamental quanto para o Ensino Médio, apontando para um processo de convergência para os indicadores das outras regiões.
A Tabela 1 mostra a variação em pontos percentuais para a taxa de distorção no Ensino Fundamental para períodos selecionados e coloca uma lupa sobre os estados brasileiros para entender quais estados lideraram esse processo de convergência até 2023.
Tabela 1: Variação da taxa de distorção idade-série períodos selecionados
Ensino Fundamental rede pública
Fonte: Indicadores educacionais do INEP
Observando a variação total do período, o Nordeste reduziu a taxa de distorção no Ensino Fundamental em 25,8 pontos percentuais. Os estados que imprimiram maior esforço foram Alagoas, com redução de 32,3 p.p., e Piauí, com redução de 31,3 pontos percentuais. Bahia e Sergipe tinham taxas semelhantes de distorção, em 2007, mas ficaram com uma variação negativa de 23,6 e 25,3 pontos percentuais, respectivamente. Importante ressaltar que o Ceará, mesmo com uma taxa de distorção relativa baixa para o Nordeste, conseguiu uma redução de 26,1 pontos percentuais para 2023, chegando muito próximo à meta estabelecida no atual PNE. O estado com menor variação no período foi o Rio Grande do Norte (-16,1 p.p.), seguido da Bahia (-23,6 p.p.).
Em relação ao Ensino Médio, a Tabela 2 mostra como os estados brasileiros se comportaram ao longo do tempo e, por meio da variação ponto percentual, é possível apontar quais estados realizaram maior empenho para reduzirem as taxas de distorção no Ensino Médio. Observando a variação total do período (2007-2023), o Nordeste reduziu a taxa de distorção no Ensino Médio em 37 pontos percentuais. Os estados que conseguiram avançar mais foram, novamente, Alagoas, com redução de 46,3 p.p., e Piauí, com redução de 46,7 pontos percentuais. No Piauí, em 2007, três em cada quatro estudantes do Ensino Médio estavam com distorção.
Vale destacar o desempenho de Pernambuco, que reduziu a distorção em 46,2 pontos percentuais nos últimos 14 anos. O estado do Ceará empreendeu um esforço considerável, uma vez que já estava com taxas mais baixas no início da série e conseguiu reduzir em 35,7 pontos percentuais, ficando com uma taxa de distorção (15,2%) abaixo da região Sudeste (16,9%). O Ceará praticamente já atingiu a meta estipulada no novo PNE que está em discussão no legislativo. O Rio Grande do Norte foi novamente o estado com menor redução da distorção (23,9 pontos percentuais), em que aproximadamente quatro em cada dez estudantes do Ensino Médio estão atrasados no fluxo escolar.
Observando a variação total do período (2007-2023), o Nordeste reduziu a taxa de distorção no Ensino Médio em 37 pontos percentuais. Os estados com maior redução foram, novamente, Alagoas, com redução de 46,3 p.p., e Piauí, com redução de 46,7 pontos percentuais. No Piauí, em 2007, três em cada quatro estudantes do Ensino Médio estavam com distorção. Atualmente, são menos de três estudantes em atraso a cada dez matriculados. Vale destacar também o desempenho de Pernambuco, que reduziu a distorção idade-série nessa etapa em 46,2 pontos percentuais nos últimos 14 anos.
Tabela 2: Variação da taxa de distorção idade-série períodos selecionados
Ensino Médio rede pública
Fonte: Indicadores educacionais do INEP
Algumas políticas públicas têm sido empregadas para corrigir a trajetória escolar e evitar a distorção. Elas tentam afetar a origem do problema, que surge por três motivos principais: i) Entrada tardia na escola; ii) Repetência, e; iii) Abandono temporário da escola. A entrada tardia foi evitada quando o acesso ao Ensino Fundamental foi universalizado desde 2015, em que mais de 95% das crianças já estavam matriculadas nas escolas na idade correta. O Sistema de Ciclos, no qual os estudantes são avaliados sistematicamente, ao longo de quatro anos, busca afetar a questão da repetência.
Outra política educacional empregada é a Busca Ativa, para evitar que o aluno com baixa frequência em sala de aula abandone a escola. Recentemente, o governo federal lançou o programa Pé de Meia, que busca reduzir a evasão tanto na transição do fundamental para o ensino médio, como durante o ensino médio. Essa ação enfrenta uma das potenciais causas da distorção idade-série: o abandono/evasão escolar.
Apesar das iniciativas, a distorção idade-série ainda é um problema muito importante e merece que seja mais discutido. As consequências de uma elevada distorção idade-série em geral são aumento da evasão escolar, maiores taxas de abandono e níveis mais baixos de aprendizagem. O Nordeste é a região com maior contingente de crianças com distorção idade-série na escola. No entanto, o Ceará tem conseguido mostrar que é possível reduzir as taxas de distorção idade-série de forma continuada e consistente, mesmo sendo um estado pobre. Acreditamos que um dos responsáveis por isso seja o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), que vem desde 2008 atuando para que as crianças mantenham o fluxo escolar normal, mitigando as dificuldades de leitura e reduzindo a taxa de repetência no Ensino Fundamental. Essa discussão será aprofundada em futuros artigos.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Portanto, para o Ensino Fundamental, a taxa de distorção idade-série é calculada pelo percentual de estudantes que têm 16 anos ou mais, que não concluíram essa etapa, em relação ao total de matriculados no Ensino Fundamental. Para o Ensino Médio, é o percentual de estudantes com 19 anos ou mais, que não concluíram a educação básica, em relação ao total de matriculados no Ensino Médio.
[2] A série temporal disponibilizada pelo INEP inicia-se em 2007.
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