Fiscal

Sobre a qualidade dos investimentos públicos

29 nov 2024

Equilíbrio fiscal é essencial para sustentabilidade econômica, mas avaliar qualidade de investimento público também é importante. Índice PIQ é métrica útil para entender como os países, incluindo Brasil, usam recursos públicos.

A discussão sobre a condução da política fiscal é velha conhecida dos economistas brasileiros. O tema possui diversas dimensões, das quais a mais abordada trata da estabilidade da dívida: como conciliar aumento de receitas e/ou redução de gastos para que o Estado cumpra sua função e continue solvente no longo prazo? Olhando por outro lado, em uma discussão paralela e eventualmente esquecida, a qualidade desses investimentos é essencial para o sucesso do governo em promover crescimento e bem-estar. Assim, nesta edição, vamos discutir a qualidade do investimento público brasileiro.

Há uma variedade de oportunidades de investimento e um orçamento público restrito. Cada investimento gera um retorno diferente para a sociedade. Nesse contexto, países em desenvolvimento, como o Brasil, possuem projetos com alto potencial de retorno, frequentemente relacionados à construção de infraestrutura, da qual esses países carecem. Além da dificuldade óbvia de medir qual o retorno efetivo de cada projeto, os investimentos públicos possuem outros problemas: corrupção e governos fracos permitem apropriação de verba pública, resultando nos famosos ‘elefantes brancos’.

Assim, para entender a situação do investimento púbico brasileiro, vamos introduzir uma medida de qualidade proposta no Working Paper ‘Public Investment Quality and its Implications for Sovereign Risk and Debt Sustainability’, intitulada PIQ (public investment quality). [1] O índice usa dados abertos do Banco Mundial e é de fácil reprodução, como descrevem os próprios autores: “A ideia do índice é obter uma medida da qualidade média de projetos específicos de cada país, que seja ortogonal às características dos projetos e aos insumos do Banco Mundial”. Logo, o PIQ é resultado de uma regressão do indicador de qualidade do projeto, com prazos de 5-10 anos, em alguns controles para o ciclo econômico e características do projeto. Aqueles mais interessados podem acessar a metodologia e os dados no artigo original. [2]

Quanto maior o valor do índice do país, melhor a qualidade do investimento. Os autores criaram um modelo que projeta a qualidade do investimento público em um país dadas a situação atual da economia e as características do projeto. Se a qualidade efetiva do investimento for maior que a projetada, existem fatores não explicados pelo modelo naquele contexto/país que favoreceram a qualidade do investimento. Analogamente, se o resíduo for negativo, os fatores não explicados desfavoreceram a qualidade do investimento público.

A amostra é ampla, abrangendo mais de 100 países com projetos aprovados no período de 2000 a 2021, o que dificulta a representação gráfica. Assim, mencionamos apenas que o primeiro quartil foi de -0,091, e o valor obtido pelo Brasil foi de -0,12, entre os 25% piores países na escala de qualidade de investimento. Restringindo a amostra, obtemos o gráfico abaixo, que classifica o Brasil apenas acima da Bolívia, trazendo a mesma mensagem: temos problemas na alocação do capital público. Esse resultado levanta diversos questionamentos: o governo, que tem aumentado sua dívida líquida desde meados de 2015, fez o melhor uso da poupança que tomou da sociedade? Esses recursos poderiam ser alocados em projetos com melhor retorno pela iniciativa privada? Ou ela também enfrenta problemas semelhantes aos do setor público?  

Uma abordagem adicional apresentada pelos autores do Working Paper permite acompanhar a evolução do PIQ ao longo do tempo. O gráfico abaixo ilustra esses resultados. Com exceção do Uruguai e do Paraguai, os demais países, incluindo o Brasil, exibiram relativa estabilidade na qualidade dos investimentos. Esse comportamento era esperado, pois os fatores que influenciam o índice estão intimamente ligados à estrutura econômica de cada país.

Concluímos que, embora a preocupação com o equilíbrio fiscal seja fundamental para a sustentabilidade econômica, é igualmente importante avaliar a qualidade dos investimentos públicos. O índice PIQ, analisado neste artigo, fornece uma métrica útil para entender como diferentes países, incluindo o Brasil, utilizam seus recursos públicos. Os resultados apontam que o Brasil está entre os países com menor qualidade de investimento, sugerindo ineficiências significativas na alocação de capital. Esse dado gera um alerta importante: para além de ajustar gastos e receitas, o governo deve focar em assegurar que os recursos públicos sejam direcionados a projetos de alto retorno social e econômico, promovendo uma estrutura de investimentos que realmente contribua para o desenvolvimento e o bem-estar da população. Em suma, a avaliação da qualidade dos investimentos públicos deve caminhar lado a lado com o controle fiscal, pois somente assim será possível promover um crescimento sustentável e mais equitativo.

Esta é a seção Em Foco do Boletim Macro FGV IBRE de novembro de 2024.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

[1] Adarov, Amat; Panizza, Ugo. 2024. Public Investment Quality and Its Implications for Sovereign Risk and Debt Sustainability. Policy Research Working Paper; 10877. © Washington, DC: World Bank. http://hdl.handle.net/10986/42078

[2] O Banco Mundial tem uma base de dados denominada “The World Bank Project Performance Ratings Database” que cobre em torno de 6 mil projetos em 150 países desde 2000.

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