Potenciais Custos do fim da Jornada 6X1
As simulações feitas ao longo do artigo mostram que uma redução da jornada de trabalho máxima de 44 horas para somente 36 horas trabalhadas poderia gerar perdas significativas no nível de produto da economia brasileira.
1 - Introdução
Recentemente, foi iniciada uma discussão sobre a redução da jornada de trabalho no Brasil. Existe no congresso uma proposta de emenda constitucional da deputada Erika Hilton (PSOL- SP) que propõe o fim da escala 6 x 1, com seis dias de trabalho e um de descanso. Já se discute abertamente a adoção de uma jornada 4 x 3, com quatro dias de trabalho e três de repouso. No entanto, a parte mais problemática da proposta reside na redução da jornada máxima de trabalho semanal que se encontra em 44 horas semanais e passaria para 36 horas semanais.
É importante ressaltar que a atual legislação determina ao menos um dia de folga semanal, permitindo que empresas adotem jornadas de trabalho distintas, com mais dias de descanso. De fato, diversas empresas já adotam jornadas de trabalho distintas do 6 x 1.
Obviamente, este tipo de proposta ganhou forte apoio popular com mais de 2 milhões de assinaturas apoiando o projeto. Trabalhadores preferem jornadas de trabalho mais curtas, especialmente sem redução da renda.
Diversos analistas falam das vantagens da adoção de um sistema com mais folgas, indicando experiências adotadas em países europeus que teriam sido bem-sucedidas.[1] Não restam dúvidas de que grande parte da sociedade acredita que esta mudança deve gerar um importante ganho de bem-estar social. No entanto, esta análise me parece incompleta. Enquanto se discutem os benefícios da proposta, pouco se fala dos potenciais custos de uma redução de jornada com manutenção dos salários. Dentre os potenciais efeitos colaterais da medida proposta, pode-se destacar a perda de valor adicionado, redução de renda per capita, redução de salários, fechamento de empresas e até mesmo perda de emprego.
O objetivo deste artigo é contribuir para o debate estimando o impacto desta proposta sobre o Valor Adicionado, considerando diversas hipóteses sobre a Produtividade do Trabalho (PT), sobre a Produtividade Total dos Fatores (PTF) e sobre o emprego. Neste sentido, o artigo estará organizado em quatro seções iniciada por esta introdução. Na segunda seção definimos os conceitos de Produtividade do Trabalhado (PT) e Produtividade Total dos Fatores (PTF), as fontes dos dados utilizados no trabalho e analisamos brevemente a evolução de cada uma das variáveis relevantes para a análise. Na terceira seção realizamos algumas simulações do impacto da redução da jornada sobre o valor adicionado e por fim na quarta seção apresentamos as principais conclusões do artigo.
2 – Análise dos dados
A produtividade do trabalhador é definida como a razão entre o valor adicionado (Y) e o pessoal ocupado (PO), conforme a equação (1), abaixo:
A produtividade por hora trabalhada é definida pela razão entre o valor adicionado (Y) e o total de horas trabalhadas (Horas) conforme a equação (2), abaixo:
(2)
Por último podemos relacionar as duas equações conforme a equação (3), abaixo:
Na equação (3), a produtividade por pessoal ocupado é igual à produtividade por hora trabalhada (PHT) multiplicada pela jornada média de trabalho semanal da economia (JT).
Além disso, podemos calcular a Produtividade Total dos Fatores (PTF) da economia[2], que leva em consideração não somente a produtividade da mão de obra, mas também a eficiência do uso de capital.
Nesta equação, o termo Y refere-se ao valor adicionado, K é o estoque de capital, u é o nível de utilização da capacidade instalada, horas é a quantidade de horas trabalhadas na economia e é a participação do capital na renda. O termo uK refere-se ao estoque de capital em uso.
Os dados de produtividade do trabalho e de produtividade total dos fatores utilizados ao longo do estudo foram calculados pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE.[3] Os insumos utilizados para calcular estes indicadores possuem fontes distintas. Em particular, o dado do valor adicionado (em termos reais), bem como o investimento utilizado no cálculo do estoque de capital, foram retirados das Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados de população ocupada e horas trabalhadas foram calculados a partir da compatibilização das duas principais pesquisas de emprego do país, a PNAD e a PNAD Contínua, divulgadas pelo IBGE.[4] Por último, foram utilizados os dados do nível de utilização de capacidade instalada (NUCI) da indústria de transformação, extraídos da sondagem industrial do FGV IBRE.
A seguir, na Tabela 1, apresentamos a taxa média de variação do valor adicionado (VA), do pessoal ocupado (PO), das horas trabalhadas (Horas), da Produtividade Total dos Fatores (PTF), da produtividade por pessoal ocupado (PT), da produtividade por hora trabalhada (PHT) e da jornada média de Trabalho (JT) em três períodos de tempo distintos: entre 1981 e 2024, entre 2013 e 2024 e entre 2018 e 2024.
Com base na Tabela 1 podemos perceber que ao longo de todo o período de análise o valor adicionado cresceu 2,3% ao ano enquanto o pessoal ocupado cresceu 2,0% ao ano e as horas trabalhadas cresceram 1,7% ao ano, indicando uma redução da jornada de trabalho de 0,3% ao ano. Neste mesmo período, a PTF cresceu 0,2% a.a, a produtividade por trabalhador (PT) cresceu 0,2% ao ano e a produtividade por hora trabalhada (PHT) cresceu 0,5% ao ano.
Tabela 1: Taxa de crescimento do valor adicionado, população ocupada, horas trabalhadas, jornada média e produtividade entre 1981 e 2024 (em %a.a.).
Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli, a partir dos dados do IBGE e da FGV.
Nos períodos mais recentes, entre 2013 e 2024 e entre 2018 e 2024, os resultados são ainda mais desanimadores. Observamos um crescimento do valor adicionado de somente 0,8% ao ano entre 2013 e 2024 e de 1,9% ao ano entre 2018 e 2024.
No período entre 2013 e 2024, o pessoal ocupado teve expansão de 1,1% a.a. e as horas de 0,9% a.a., com a PTF caindo 0,5% a.a.. Além disso, neste mesmo período a produtividade por trabalhador recuou 0,2% a.a. e a produtividade por hora trabalhada caiu 0,1% a.a..
Já entre 2018 e 2024 a população ocupada aumentou 1,7% a.a. e as horas trabalhadas cresceram 2,0% ao ano. Além disso, tivemos uma elevação da produtividade por trabalhador de 0,2% a.a. e uma estagnação (0,0% a.a.) na produtividade por hora trabalhada.
Os dados da Tabela 1 mostram que que o crescimento da produtividade tem sido modesto ao longo das últimas décadas, tanto da PTF quanto da produtividade do trabalho. O baixo crescimento da produtividade é um dos principais problemas que explicam o baixo crescimento do valor adicionado ao longo das últimas décadas.
Desde 1981 houve uma redução sistemática da jornada de trabalho no Brasil, conforme pode ser observado no Gráfico 1.
Gráfico 1: Jornada média de trabalho semanal no Brasil. 1981-2024
Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli, a partir dos dados do IBGE.
O Gráfico 1 mostra a redução da jornada de trabalho média da economia brasileira ao longo do tempo. Os dados mostram uma redução mais forte entre 1988 e 1989. A jornada de trabalho média, que já era inferior às 44 horas semanais, cai de 42,8 horas para 41,8 horas, uma redução de 2,2% entre um ano e outro. Uma das razões desta queda foi a mudança na Constituição de 1988, que reduziu a jornada máxima de trabalho de 48 para 44 horas de trabalho semanais.
A jornada de trabalho semanal de 2024 foi de 38,4 horas por semana. A jornada de trabalho semanal média atual é bem inferior às 44 horas, mas ainda substancialmente mais elevada do que as 36 horas da proposta em discussão no congresso. Com isso, reduções da jornada máxima de trabalho devem reduzir a jornada média da economia de forma similar a ocorrida entre 1988 e 1989.
3 – Simulações dos impactos da redução da jornada de trabalho
3.1 – Redução da jornada de trabalho agregada
Nesta seção proponho uma simulação, em equilíbrio parcial, para avaliar o impacto da redução da jornada de trabalho sobre o valor adicionado. Com isso simulo que a jornada de trabalho média seja igual a 36 horas semanais. A simulação será realizada tendo como base os dados do ano de 2024.
3.1.1 Com base na Produtividade do Trabalho
Para simular o impacto da jornada de trabalho, vamos utilizar o valor adicionado agregado da economia (Y), a população ocupada total (PO) e o total de horas trabalhadas (Horas). Com isso, podemos decompor o valor adicionado nos seguintes componentes:
Conforme pode ser visto na equação (5) acima, o valor adicionado pode ser escrito através de componentes distintos. O valor adicionado pode ser obtido pelo produto da produtividade por hora trabalhada da economia (PHT) com o total de horas (Horas) ou pelo produto da produtividade por hora trabalhada (PHT) com o pessoal ocupado (PO) e com a jornada média de trabalho (JT) vezes as 52 semanas do ano.
A partir da Tabela 2, podemos perceber que o valor adicionado de 2024 pode ser decomposto nos fatores abaixo.
Tabela 2: Decomposição do valor adicionado
Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli, a partir dos dados do IBGE.
Nossa primeira simulação modificará somente a jornada média agregada de trabalho da economia. Para tanto, faremos com que a jornada agregada média da economia seja reduzida para as 36 horas máximas de trabalho semanal, em tese, a “proposta na nova legislação”. Com base na equação (5) faremos uma simulação alterando a jornada de trabalho agregada média da economia de 38,4 horas semanais para 36 horas. Desta forma, utilizamos a equação (6) abaixo.
A redução da jornada de trabalho possui impacto direto sobre o total de horas trabalhadas supondo que a nova jornada será efetivamente cumprida. Desta forma, a introdução de uma jornada de trabalho máxima de 36 horas reduz a jornada de trabalho em 6,2%, reduzindo de forma proporcional o total de horas trabalhadas e, com isso, o valor adicionado em 6,2%. A Tabela 3 mostra os resultados da simulação[5] realizada com base na equação (6). Nesta simulação, supõe-se que a redução da jornada de trabalho (com a manutenção dos salários) não reduz a demanda por trabalho, mantendo-se o pessoal ocupado constante.
Tabela 3: Simulação contrafactual do valor adicionado
Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli, a partir dos dados do IBGE.
3.1.2 Com base na Produtividade Total dos Fatores
A mesma análise realizada acima pode ser feita tomando como base uma função Cobb-Douglas que tenha a participação do capital na renda de 40% e a participação do trabalho de 60%. Assim como feito anteriormente, podemos calcular o valor adicionado conforme:
em que A é a PTF, uK o estoque de capital utilizado, horas é o total de horas trabalhadas, PO o pessoal ocupado e JT a jornada média de trabalho. O número 52 representa as 52 semanas de trabalho do ano.
Com base na equação 7, podemos calcular o valor adicionado conforme descrito na Tabela 4.
Tabela 4: Componentes do valor adicionado
Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli, a partir dos dados do IBGE e da FGV.
Com base nos dados acima, na Tabela 5 simulamos o impacto no valor adicionado da redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais como proposto na PEC, supondo todos os demais componentes constantes.
Tabela 5: Simulação Contrafactual do valor adicionado
Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli, a partir dos dados do IBGE e da FGV.
Desta forma, a introdução de uma jornada de trabalho máxima de 36 horas, reduziria a jornada de trabalho em 6,2%, reduzindo de forma proporcional o total de horas trabalhados e, supondo os demais termos constantes, o valor adicionado em 3,8%.
3.2 – Redução da Jornada de trabalho agregada com ganho de produtividade
Um argumento bastante utilizado na defesa da redução da jornada de trabalho é que a redução da jornada será compensada por uma elevação da produtividade. Como visto na Tabela 1, a produtividade do trabalho no Brasil tem evoluído de forma medíocre ao longo dos últimos anos. Entre 1981 e 2024, a produtividade do trabalho cresceu de 0,2% ao ano, enquanto a produtividade por hora trabalhada avançou 0,5% ao ano. No período recente, entre 2018 e 2024, a produtividade por pessoal ocupado aumentou 0,2% ao ano e a produtividade por hora trabalhada ficou estagnada.
Neste exercício simulo o impacto sobre o valor adicionado da redução da jornada de trabalho em cinco diferentes cenários de ganhos de produtividade em relação ao cenário base de 2024, considerando ganhos adicionais de produtividade que variam entre 0,5% e 2,5%. Mesmo com ganhos de produtividade muito acima dos observados nas últimas décadas, observa-se ainda uma perda substancial do valor adicionado, como pode ser visto na Tabela 6.
Estas perdas, conforme apontam os dados da Tabela 6, variam desde uma redução do valor adicionado de 5,7%, observado no cenário com ganho de 0,5% na produtividade, até uma perda de 3,9%, caso ocorresse um ganho de 2,5% da produtividade no ano.
Tabela 6: Simulação contrafactual do valor adicionado com ganho de produtividade

Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE.
O mesmo exercício pode ser realizado com a hipótese de uma função de produção com capital e trabalho, como na equação (7). Supomos a existência de um forte ganho de PTF para compensar a redução da jornada de trabalho.
Os resultados da Tabela 7 mostram que mesmo na hipótese de ganhos de PTF muito superiores aos observados desde a década de oitenta, o valor adicionado sofreria uma perda substancial com a nova jornada de trabalho.
Tabela 7: Simulação contrafactual do valor adicionado com ganho de PTF
Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE e da FGV.
A tabela 7 mostra que ganhos de PTF reduzem a perda de valor adicionado de forma linear. A cada ganho de PTF de 1%, a perda de valor adicionado se reduziria no mesmo montante.
3.3 – Redução da Demanda por Trabalho
As simulações realizadas até o momento utilizaram a premissa de que a elevação do salário real (em virtude da redução da jornada de trabalho) que amplia o Custo Unitário do Trabalho não possui qualquer impacto sobre o pessoal total ocupado da economia.
Nesta seção simulo três cenários nos quais elevações do salário real reduziriam o emprego total da economia. Para tanto, utilizo três cenários distintos com elasticidades da demanda por trabalho em relação ao salário real negativas de -0,1, -0,2 e -0,3.
Com isso, uma redução da jornada para 36 horas elevaria o salário real em cerca de 6% para empresas que adotem a jornada média da economia de 38,4 horas semanais. No entanto, a jornada varia entre as empresas. Com isso, adotamos elevações do salário real de 6% para empresas com jornada igual à média, um aumento real de 10% e um aumento real de 18%. Para empresas com a jornada máxima atual de 44 horas semanais, a redução da jornada para 36 horas elevaria o salário real em 18%.
As simulações com base na equação (6) do modelo sem capital físico indicam perdas expressivas no valor adicionado com o impacto adicional de redução do pessoal ocupado. Os dados da Tabela 8 mostram que as perdas agora variam do cenário original de -6,2% para perdas que podem atingir mais de 10%. Ou seja, quanto maior for a redução do emprego em virtude da elevação do salário real, maior será a queda do valor adicionado.
Tabela 8: Perda de valor adicionado por mudança na jornada de trabalho (em %)

Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE.
Por último, realizo simulações com base na equação (7), na qual a economia produz com capital físico e com trabalho. Os resultados da Tabela 9 mostram que neste cenário, mais uma vez, as perdas de valor adicionado podem ser significativas, podendo chegar até 6,9%.
Tabela 9: Perda de valor adicionado por mudança na jornada de trabalho com a utilização d capital (em %)

Fonte: Elaboração própria com dados do IBGE e da FGV.
4 – Conclusão
Com base nas simulações realizadas na seção 3, pode-se concluir que uma redução da jornada de trabalho máxima de 44 horas para somente 36 horas poderia gerar perdas significativas no nível de produto da economia brasileira.
A simulação baseada somente no fator trabalho mostra que as perdas poderiam variar de 6,2% até 11,3% caso seja levada em consideração uma redução da demanda por trabalho em virtude da elevação do salário real. Eventuais ganhos na produtividade do trabalho reduziriam de forma linear as perdas de PIB.
A análise com base na função de produção que considera capital utilizado e trabalho mostra que as perdas oscilariam entre 3,8% e 6,9%. Mais uma vez, elevações da produtividade poderiam compensar as perdas ocasionadas pela redução de jornada.
No entanto, a evolução recente da Produtividade do Trabalho (PT), Produtividade Hora do Trabalho (PHT) e da Produtividade Total dos Fatores (PTF) mostram uma estagnação da produtividade no Brasil. Desta forma, dificilmente ocorrerá um ganho de produtividade suficiente para compensar as perdas ocasionadas pela redução da jornada.
Adicionalmente, a jornada de trabalho varia de forma significativa entre os diferentes setores da economia. Desta forma, as perdas decorrentes de uma redução da jornada seriam distribuídas desigualmente na economia. A heterogeneidade da jornada de trabalho e seus impactos na economia serão analisadas em outro artigo no futuro.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Gomes (2022), com o livro “Sexta-feira é o novo sábado: como uma semana de trabalho de quatro dias poderá salvar a economia”, defende a visão de que a redução da jornada de trabalha pode ser compensada com ganhos de produtividade.
[2] Para mais detalhes acesse Veloso et. al (2021), disponível em: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/nota_de_construcao_dos_indicadores_-_brasil_anual_ptf_desde_1981_-_final.pdf
[3] Os dados de produtividade do trabalho e PTF podem ser acessados no Observatório da Produtividade Regis Bonelli, através do link: https://ibre.fgv.br/observatorio-produtividade
[4] Para mais detalhes acesse Veloso et. al (2020), disponível em : https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/nota_de_construcao_dos_dados_de_emprego_e_horas_trabalhadas_-_final.pdf
[5] A simulação leva em conta somente o impacto direto da redução da jornada de trabalho, sem considerar efeitos de equilíbrio geral.
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