Macroeconomia

Conflito Distributivo e Guerra Comercial

14 abr 2025

Embora seja importante adotar políticas que levem em consideração os efeitos redistributivos do comércio internacional, iniciar uma guerra comercial irá exacerbar as dificuldades por meio de mais inflação e menor crescimento.

Como discuti em alguns artigos neste espaço, o desempenho econômico dos Estados Unidos tem sido muito superior ao das demais economias avançadas há vários anos, e especialmente desde a pandemia.

Isso sugere que diferenças estruturais provavelmente contribuíram para a divergência de crescimento entre os Estados Unidos e as demais economias desenvolvidas. Em particular, vários indicadores revelam um ambiente de negócios consideravelmente mais dinâmico nos Estados Unidos, com taxas superiores de criação de empresas e maior flexibilidade do mercado de trabalho.

A economia americana também se caracteriza por taxas muito superiores de inovação e adoção de novas tecnologias nos processos produtivos. Isso ficou mais uma vez evidente com os grandes avanços recentes no desenvolvimento e aplicações da inteligência artificial generativa.

No entanto, esse progresso tecnológico não se traduziu em melhoria do bem-estar para uma parcela da população. Em particular, os trabalhadores que não concluíram o ensino superior foram negativamente afetados pela automação das tarefas rotineiras na indústria e no setor de serviços, o que se traduziu em perda de emprego e queda do salário real.

Apesar de ter proporcionado grandes benefícios em termos de aumento de produtividade e redução da pobreza mundial, a globalização teve efeitos negativos sobre trabalhadores com qualificação intermediária no setor manufatureiro dos Estados Unidos. Além do efeito direto sobre os empregos, existem evidências de impactos negativos na atividade econômica em regiões afetadas pela competição com produtos chineses.

A combinação dos efeitos distributivos da automação (ou robotização) com a globalização corresponde ao fenômeno que Richard Baldwin denominou de “globotics” em seu livro intitulado “The Globotics Upheaval”. Embora tenha sido algo generalizado nas economias desenvolvidas, seus efeitos se manifestaram de forma mais clara nos Estados Unidos, devido à sua rede menos extensa de proteção social.

Além dos seus aspectos econômicos, Baldwin chama atenção para as consequências políticas da “globotics”, especialmente uma reação crescente da opinião pública à globalização, e a consequente adoção de políticas protecionistas em vários países.

A política de tarifas recíprocas anunciada pelo governo Trump no dia 2 de abril é um exemplo extremo de uma estratégia protecionista supostamente motivada pelo objetivo de melhorar o padrão de vida dos trabalhadores que foram negativamente afetados pela globalização. No entanto, é bastante provável que esses grupos venham a ser fortemente prejudicados pelo aumento de tarifas.

Além da falta de consistência técnica envolvida no cálculo das tarifas, seus valores muito elevados e a enorme incerteza resultante das várias idas e vindas que se sucederam terão um impacto bastante negativo no comércio internacional.

Vários estudos sugerem que os efeitos serão muito negativos para o consumidor americano. Por exemplo, uma pesquisa de Xavier Jaravel e Erick Sager (“What are the Price Effects of Trade? Evidence from the U.S. and Implications for Quantitative Trade Models”) mostra que o comércio com a China teve um forte efeito de redução de preços e, por isso, foi bastante benéfico para os consumidores dos Estados Unidos.

Os autores estimam que a queda dos preços em categorias de produtos mais expostas ao comércio com a China criou o equivalente a centenas de milhares de dólares de ganhos para o consumidor. A redução de preços foi particularmente significativa nos produtos vendidos para consumidores de baixa renda.

A ascensão das plataformas online levou a um aumento acentuado nas remessas diretas ao consumidor, particularmente no segmento abaixo dos limites de minimis que permitem a entrada de importações sem pagar tarifas ou taxas de processamento. O fim anunciado da isenção das importações de produtos de baixo valor, que são oriundas predominantemente da China, reduzirá o bem-estar dos consumidores mais pobres.

Um estudo de Pablo Fajbelbaum e Amit Khandelwal (“The Value of De Minimis Imports”) revela que a eliminação da política de minimis pode reduzir o bem-estar agregado nos Estados Unidos em valor monetário entre US$ 11,8 e US$ 14,3 bilhões e prejudicaria desproporcionalmente os consumidores de baixa renda e minorias.

Além do aumento de preços decorrente da elevação das tarifas sobre bens finais, haverá um impacto adicional devido ao aumento das tarifas sobre bens intermediários importados, que são particularmente importantes nas cadeias globais de valor, e cujos efeitos tendem a se propagar em diversos setores da economia americana.

O grande aumento da incerteza também terá consequências negativas sobre o crescimento da economia americana, resultando na paralisia de decisões de investimento e consumo. A desaceleração ou eventual recessão, por sua vez, elevará a taxa de desemprego, que atingirá principalmente os trabalhadores de menor escolaridade.

Em resumo, embora seja importante a adoção de políticas que levem em consideração os efeitos redistributivos do comércio internacional, iniciar uma guerra comercial certamente não é um caminho adequado para lidar com esse problema. Ao contrário, sua consequência será exacerbar as dificuldades por meio de mais inflação e menor crescimento.

 

Fernando Veloso é pesquisador do FGV IBRE e escreve quinzenalmente, às sextas-feiras, para o Broadcast

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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