Tributos

A reforma do IR proposta pela Fazenda é muito boa

14 mai 2025

Proposta engenhosa limita o custo fiscal da isenção contida no PL1087 a cerca de R$ 25 bilhões. E 10% de imposto mínimo para renda elevada dever ser suficiente para contrabalançar a perda de arrecadação da isenção até R$ 5 mil.

No fim do ano passado o ministro Haddad anunciou que haveria uma isenção de IR para quem ganha até 5000 reais. O efeito de tal anúncio foi de grande apreensão, especialmente pela falta de explicação do modo como esta medida seria aplicada. E havia razão para o temor, uma vez que, dependendo de como a isenção fosse proposta, seu efeito poderia ser devastador para as contas públicas (havia estimativas que beiravam ou excediam os 100 bilhões de reais de perda de arrecadação anual).  No dia 18 de março deste ano, o projeto de lei foi enviado ao congresso, iniciado pela câmara dos deputados, o PL1087/2025.  O resumo do que vou escrever é que o projeto tem uma proposta bem diferente do que era feito ao isentar-se faixas de renda, e que a compensação prevista é muito eficaz e diminui um pouco a regressividade do IR pessoa física.  Mais ainda, Ciro Nogueira, senador do PP do Piauí (e atual copresidente da federação entre o União Brasil e o PP, a União Progressista) e o relator da proposta, deputado Arthur Lira (PP de Alagoas), estão aventando propor mudanças que terão efeito de não só diminuir muito o efeito de limitação da regressividade, como também não compensarão as perdas tributárias da isenção.  A União Progressista tem como objetivo ver se se transforma no maior partido do Brasil, viabilizando-se como a alternativa de centro-direita mais influente do país.  Se tal proposta for de fato levada adiante pelo relator, será um início de atuação muito ruim desta nova força no congresso.  Para uma sigla que está querendo deixar uma forte marca positiva de centro-direita no parlamento, seria um começo desastroso.

Os números que vou apresentar aqui foram publicados pelo Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE, dirigido por Manoel Pires. Dois artigos excelentes foram escritos sobre o tema: “Estimativa de impacto das mudanças no imposto de renda”, de Sérgio Wulff Gobetti, 25/3/2025, e “Impactos e riscos de emendas parlamentares para os objetivos primordiais da minirreforma do imposto de renda”, de Sérgio Wulff Gobetti e Frederico Nascimento Dutra, 15/4/2025.  Recomendo fortemente a leitura dos dois artigos, que são muito detalhados e precisos.  Ambos disponíveis pelo portal do Observatório na internet.  Utilizar-me-ei dos resultados obtidos para chegar às conclusões adiante.

A primeira parte da análise refere-se à forma como a isenção foi proposta.  Era usual que as isenções por faixa de renda fossem para todos.  Assim, se a renda até 2000 reais fosse isenta (apenas à guisa de exemplo, o valor da primeira faixa de isenção é outro), todos os pagadores de imposto que recebessem mais de 2000 por mês teriam os primeiros 2000 com alíquota zero, e somente a diferença entre a renda da pessoa e 2000 reais seria tributada na alíquota correspondente à renda.  Se este processo fosse utilizado para a isenção até 5000 reais, o efeito da medida seria de fato enorme.  A proposta encaminhada consegue isentar rendas abaixo de 5000 reais de outra maneira: se hoje, com a faixa de isenção existente (que pela nova regra, publicada em 14/4, será de dois salários-mínimos, 3.036 reais) o imposto de alguém que receba até 5000 for x, então somente esta pessoa recebe um abatimento de x.  Este abatimento não cai a zero se o indivíduo receber um real a mais (5001 reais), mas cai lentamente a zero até 7 mil reais.  Isto quer dizer que a partir de 7 mil reais um pagador de imposto recolherá o mesmo que recolhia antes, sem abatimento.  Isto faz com que o efeito da isenção contida no PL1087 seja abrir mão de cerca de 25 bilhões de reais (ver artigo de Gobetti).

Na segunda parte, a compensação de arrecadação foi pensada para que a alíquota mínima efetiva de IR de uma pessoa que ganhe acima de 600 mil reais por ano (50mil/mês) suba gradativamente até que, acima de 1,2 milhão por ano, (100mil/mês) seja fixada em 10%.  Para ter-se uma ideia de como isto é importante, no artigo de Gobetti e Dutra vê-se a alíquota efetiva por faixa de renda.  A alíquota sobe até 13% para uma renda de 22mil/mês e depois de um certo ponto (pelo gráfico no artigo não é possível inferir precisamente), próximo a 40 mil/mês, começa a cair até atingir 4,7% para pessoas que recebem 4,3 milhões de reais/mês.  A alíquota efetiva é bem diferente da máxima de 27,5% por várias razões. Para as rendas intermediárias, a principal razão é que há descontos de saúde e educação (sobre os quais o PL1087 não tratou).  Já para as rendas mais elevadas, o efeito dá-se por conta de recebimentos de dividendos de PJ, que são isentos de IRPF.  Aqui há dois casos.  Primeiro, o dividendo usual de uma empresa grande, que usa o lucro real.  Neste caso, a alíquota de zero nos dividendos é justificada, pois a PJ no lucro real já tem alíquota de 34%, bem elevada para padrões mundiais.  Segundo, há regimes de lucro presumido, e sobretudo, o regime do Simples.  Nestes as alíquotas são inferiores às do lucro real.  Especialmente no caso de PJ no regime Simples.  Assim, para as rendas mais elevadas apresenta-se um caso em que dividendos sem imposto são muito relevantes, e esta distorção é muito grande especialmente no caso de empresas que estão no Simples.  Isto é o que causa a regressividade nas rendas mais elevadas.  Os dois artigos mencionados estimam que esta compensação, de cerca de 10% de imposto mínimo para renda elevada, deverá ser suficiente para contrabalançar a perda de arrecadação da isenção até 5 mil reais.  Portanto, o PL1087 não só atinge objetivos arrecadatórios, como também diminui muito a regressividade ao fazer com que o imposto efetivo mínimo de rendas mais altas (acima de 100 mil/mês) seja de 10%. 

A proposta alternativa do PP, segundo Gobetti e Dutra, é composta de (citando ao pé-da-letra):

“1. Ampliação da faixa de renda sujeita à tributação adicional (elevação do limite de R$ 50 mil para R$ 150 mil mensais);

2. A tributação inicia-se com alíquota de 4% e aumenta progressivamente até atingir 15% para rendimentos anuais superiores a R$ 1 bilhão, faixa em que a alíquota se torna fixa.

3. Majoração em 5% da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), aplicada exclusivamente a instituições financeiras com lucro líquido anual superior a R$ 1 bilhão (abrangendo os 16 maiores bancos do país).”

O raciocínio do PP seria o de proteger o “pequeno” empresário que ganha acima de 600 mil reais ano deste aumento de impostos em dividendos.  Gobetti e Dutra estimam que cerca de 46,9 mil empresários no Simples recebam acima de 600 mil reais por ano.  Adicionalmente, mostram que “de 7,3 milhões de empresas do Simples, essas 46,9 mil pessoas representam no máximo 0,64% do total”. E são responsáveis por 23% do total dos lucros distribuídos pelo Simples (o total distribuído pelo Simples é de 222 bilhões, valores sempre de 2023, ano base 2022).  Isto é, é muito pequeno o número de empresários “pequenos” afetados pela lei, e estes recebem o elevado valor de 51 bilhões de dividendos!  Além disso, estimam que as medidas arrecadatórias compensatórias só arrecadariam 11,3 bilhões, e não seriam suficientes para compensar a isenção, gerando déficits adicionais de mais de 14 bilhões de reais por ano.

Conclui-se que o PL10987/2025 é muito bom, pois não há perdas fiscais, e corrige-se uma parte da regressividade que é característica do IRPF no Brasil.  Um aperfeiçoamento adicional, seria de aplicar esta alíquota mínima apenas para dividendos que venham de empresas que não declarem pelo lucro real.  Por fim, as emendas que foram aventadas pelo PP para “aperfeiçoar” o projeto não devem ser levadas adiante.  Seria um enorme retrocesso.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi publicado originalmente pelo Broadcast da Agência Estado, em 13/05/2025, terça-feira.

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