Tributos

Proposta de mudanças no IRPF tem consistência fiscal, mas há aspectos discutíveis

5 jun 2025

Mesmo com suposição bastante pessimista sobre o imposto mínimo, chega-se a um valor que se aproxima bem daquele que será perdido com a desoneração do IRPF. Medidas são populares, mas debate no Congresso deve ser intenso.

As mudanças no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) propostas pelo governo têm dimensões econômicas, distributivas e políticas, que buscaremos discutir nesta Carta a partir da pesquisa e do trabalho de Manoel Pires e Bráulio Borges, pesquisadores do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV IBRE.

Em termos de comparações internacionais, o Brasil, que arrecada cerca de 3% do PIB com o IR da pessoa física, fica bem abaixo da média dos países da OCDE, em torno de 9% (os dados são de 2019). Mas o Brasil está próximo ao nível da América Latina e Caribe, o que sugere que a baixa arrecadação com o IRPF é uma questão mais estrutural dos países em desenvolvimento.

Já uma característica que chama atenção no IRPF brasileiro, mesmo no contexto latino-americano, é a pequena distância relativa entre a faixa de isenção e a faixa a partir da qual se inicia a alíquota máxima. É algo que sugere baixa progressividade, e que indica que há muito a melhorar no IRPF nacional. Assim, vale a pena analisar até que ponto a mudança proposta pelo governo aborda esses problemas.

O projeto de alterações no IRPF é complexo, e é útil recapitular seus principais pontos. Há, de início, um reajuste em 2025 da faixa de isenção para R$ 3.063 (dois salários mínimos), o que beneficia todos os contribuintes na parcela da sua renda até esse valor.

Mas a parte mais substantiva de desoneração do Projeto de Lei (PL) proposto é a isenção – que, por suas características, poderia ser chamada de “desconto” – total de IRPF para quem ganha até R$ 5 mil. Esse desconto deixa de ser total, e cai gradativamente, a partir de rendas maiores que R$ 5 mil, sendo zerado de R$ 7 mil em diante. Quem ganha R$ 6 mil, por exemplo, deveria R$ 411 de IRPF pelas regras atuais, levando em conta a faixa de isenção de R$ 3.063. O desconto proposto, nesse caso, será de R$ 112, e o imposto devido cai para R$ 299.

A engenhosidade desse dispositivo está em que, por não alterar em nada o IRPF de quem ganha acima de R$ 7 mil, o efeito fiscal é muito menor do que o de um aumento convencional da faixa de isenção para R$ 5 mil.

Quando a intenção de desonerar de IRPF as pessoas que ganham até R$ 5 mil foi anunciada, em conjunto com o pacote de contenção de despesas lançado em novembro do ano passado, houve um impacto muito negativo sobre os mercados financeiros.  Isso porque, sem conhecer o detalhamento da proposta, algumas estimativas chegavam a apontar um custo fiscal anual beirando os R$ 100 bilhões – mais adiante, veremos que o custo deve ficar em 25% disso –, levando à turbulência cambial de dezembro.

De qualquer forma, a desoneração até R$ 5-7 mil gera uma perda de receita relevante, e a outra parte do pacote de mudança do IRPF é justamente para repor essas perdas, de modo a não impactar o resultado primário.

Essa segunda parte tem duas vertentes: a tributação de lucros e dividendos na fonte em 10% para rendas auferidas no exterior ou de um mesmo CNPJ acima de R$ 50 mil mensais; e o imposto de renda mínimo (IRPFM) de 10% para rendimentos dos muito ricos, que na verdade começa a partir de zero para quem ganha acima de R$ 600 mil anuais e só atinge 10% para quem ganha R$ 1,2 milhão por ano ou mais do que isso.     

No caso da tributação de lucros e dividendos, Pires nota que há algumas incongruências. Se alguém ganhar lucros e dividendos de R$ 49.999,99 mensais de cinco CNPJs (cada um deles pagando esse valor), terá uma renda mensal de praticamente R$ 250 mil e não pagará nenhum IRPF adicional. Se ganhar R$ 50.000,01 de apenas um CPNJ, pagará 10%. Isso será resolvido na declaração de ajuste no ano seguinte com a aplicação do imposto de renda mínimo, mas o desenho dessa tributação ficou estranho.

Outro aspecto das novas regras propostas é que, se a tributação sobre lucros e dividendos de um determinado acionista, somada à carga efetiva de IRPJ da empresa, ultrapassar 34% (alíquota nominal de IRPJ mais CSLL das empresas não financeiras), o acionista em questão receberá um crédito financeiro da diferença na sua declaração de ajuste do IRPF do ano subsequente. O projeto do governo não prevê correção, nem monetária nem financeira, desse crédito.

Pires nota que uma consequência positiva dessa medida é a de levar a uma discussão mais clara sobre como conceituar a carga efetiva das empresas, o que necessariamente terá de ser feito para que a regra seja cumprida. Estimativas apontam que, em média, a carga efetiva de IRPJ/CSLL está em torno de 22% a 25% na maior parte das empresas que operam no Lucro Real, sendo bem inferior a esses percentuais no Lucro Presumido e no Simples.

Já Samuel Pessôa, pesquisador do FGV IBRE, acrescenta que “esse é um bem-vindo primeiro passo para consolidarmos, no Brasil, o IR da empresa no IR do acionista”.

O Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo (IRPFM) – que incide crescentemente na faixa de R$ 600 mil-1,2 milhão por ano, como já mencionado – será calculado e pago na declaração anual de ajuste do IRPF. A base de cálculo da renda para definir quem irá pagar o IRPFM deduzirá ganhos de capital, heranças e rendimentos recebidos de forma cumulativa. Já a base de incidência da alíquota mínima será calculada excluindo-se o rendimento de caderneta de poupança, indenizações por acidente de trabalho, os rendimentos isentos de títulos e valores mobiliários (dessa forma, LCA e LCI continuam isentas) e aposentadorias e pensões motivadas por doença.

Pires ressalta o fato de que LCAs e LCIs continuam isentas, algo que sempre gerou críticas dos analistas do sistema tributário (embora a exigência de que emissores sejam, respectivamente, empresas agrícolas ou imobiliárias, que vinha sendo burlada, tenha se tornado mais rigorosa a partir de 2024, como observa Bráulio Borges).

Em relação ao IRPFM em si, Borges assinala que pode parecer estranho que alguém que ganhe R$ 700 mil por ano tenha como imposto mínimo uma alíquota efetiva de apenas 0,8% (o que ocorre com a mudança proposta pelo governo, já que a alíquota mínima sai de zero em R$ 600 mil e chega a 10% apenas a partir de R$ 1,2 milhão – uma flexibilização da ideia inicial, que só foi conhecida quando o governo divulgou os detalhes do projeto).

Cálculos do economista Sergio Gobetti, do IPEA, mostram que, em média, o IRPFM somente será maior que o IR efetivamente pago atualmente por esse tipo de contribuinte – isto é, terá efeito – a partir de ganhos superiores a R$ 1 milhão por ano. Em média, aqueles que ganham entre R$ 600 mil e R$ 1 milhão já pagam mais IRPF efetivo do que a alíquota mínima prevista para essas faixas no projeto do governo.

Gobetti mostra, utilizando dados das declarações de IR disponibilizados pela Receita Federal, que a alíquota efetiva do IRPF no Brasil parte de 3%, a partir de R$ 5 mil mensais, e atinge um pico de pouco mais de 12% para rendas mensais de cerca de R$ 30 mil. A partir daí cai, até chegar a 4,7% para quem ganha R$ 4,3 milhões mensais. A razão é que, à medida que a renda sobe, os salários diminuem sua parcela no total dos rendimentos, e juros e dividendos, menos taxados ou isentos, comparados ao salário, aumentam.

No exercício mencionado acima – indicando que o IRPFM em média só onerará quem ganha acima de R$ 1 milhão mensais –, Gobetti fez algumas suposições sobre o percentual de salários, juros e dividendos nas diversas faixas de renda, buscando, claro, se aproximar ao máximo da realidade.

Levando-se em conta apenas o IRPF, a estimativa de Gobetti é que a regressividade desse tributo – que se inicia, como já visto, para ganhos acima de R$ 30 mil mensais – é revertida com o IRPFM a partir de rendas de aproximadamente R$ 90 mil por mês. Mas a curva não se torna progressiva, já que o IRPFM mantém constante a alíquota mínima de 10% para todos os rendimentos acima de R$ 120 mil por mês.

É relevante notar, contudo, que, caso seja incluído, nessa avaliação de carga efetiva e progressividade, o impacto do IRPJ/CSLL pago sobre os rendimentos dos acionistas de empresas, a curva de carga efetiva, sem as mudanças propostas, é próxima de neutra (até ligeiramente progressiva) para rendas totais a partir de aproximadamente R$ 50 mil. A alíquota efetiva para esses ganhos é de pouco menos de 14%. Quando se considera o efeito do IRPFM proposto pelo governo, a curva se torna progressiva e sobe até uma alíquota efetiva de 17,3% na extremidade mais rica.

Pessoa nota que esse segundo exercício tem uma hipótese implícita: de que o IRPJ recai totalmente sobre o acionista. Na prática, o tributo pode ser repassado aos preços, e recair sobre o consumidor. Na hipótese de que recaia 100% sobre o consumidor, a curva de carga efetiva incluindo o IRPJ/CSLL simplesmente replica a que inclui apenas o IRPF. Já na hipótese de que recaia 100% sobre o acionista, chega-se à curva progressiva em que a alíquota máxima vai a 17,3%, citada acima.

Pires considera que a realidade deve se situar no meio do caminho. Isto é, com as mudanças, a regressividade do imposto de renda (PF e PJ) é revertida a partir de determinado nível de ganhos, e possivelmente se tem alguma progressividade deste ponto em diante, mas inferior àquela mostrada no exercício em que a alíquota efetiva sobe até 17,3% na extremidade mais rica.

Impacto fiscal - Em termos fiscais, é fundamental tentar estimar os impactos financeiros tanto da parte da desoneração como daquela de aumento de imposto do projeto do governo de reforma do IRPF. Reconstruindo toda a tabela de Imposto de Renda desde 2022, para possibilitar uma cuidadosa simulação, Gobetti publicou um artigo no Observatório de Política Fiscal estimando que a atualização da tabela e o desconto de IRPF até R$ 5-7 mil terão um custo fiscal anual de cerca de R$ 25 bilhões.

Obviamente, nota Pires, sempre há um risco de o custo aumentar na tramitação do projeto no Congresso, mas, com o que se sabe hoje, o exercício relevante é o de verificar se o ganho com as medidas arrecadatórias do projeto de mudança do IRPF compensa o custo da desoneração.

Uma primeira análise do imposto mínimo sugere um ganho de arrecadação de R$ 42 bilhões, mas essa estimativa é considerada irrealista pelos economistas porque, ante a iminência da tributação de dividendos, os agentes deverão mudar seu comportamento, antecipando a distribuição de dividendos. Adicionalmente, deverá haver aumento da distribuição de dividendos disfarçada pelas empresas, especialmente as menores, como, por exemplo, ao assumirem gastos pessoais dos seus proprietários.

Dessa forma, Gobetti aplicou um ajuste na base de incidência, com hipóteses de redução da distribuição de dividendos de 50% nas empresas do Simples e de 35% para as demais (Lucro Presumido e Lucro Real), em função da expectativa de mudança na tributação. Com essas hipóteses, o pesquisador conclui que haverá um ganho fiscal anual com o imposto mínimo de R$ 22 bilhões.

“Mesmo com suposição bastante pessimista sobre o imposto mínimo, chega-se a um valor que se aproxima bastante daquele que será perdido com a desoneração do IRPF”, comenta Pires.

Adicionalmente, há a tributação dos dividendos em si mesma. A estimativa para a arrecadação com dividendos de empresas no exterior é de cerca de R$ 11 bilhões. O economista também fez uma estimativa da arrecadação adicional do IRPF dos dividendos pagos internamente, mas a descartou totalmente do seu cálculo final sobre o ganho fiscal do pacote. A razão para isso é que esse pagamento de dividendos provavelmente reduzirá o imposto mínimo devido pelos ricos numa proporção muito significativa. Não há como estimar essa proporção, mas é razoável descartar essa segunda fonte de ganho fiscal dos cálculos.

Assim, o que se tem é um aumento de arrecadação com as medidas do imposto mínimo (+R$ 22 bilhões) e da cobrança de dividendos de empresas no exterior (+R$ 11 bilhões). O total é de R$ 33 bilhões, e acaba superando o custo do desconto no IRPF até R$ 5-7 mil, estimado em R$ 25 bilhões, ambos os números em termos anuais.

O conjunto de medidas como um todo, portanto, é consistente do ponto de vista fiscal. Ainda assim, Borges chama a atenção para a necessidade estrutural de consolidação fiscal no Brasil e a necessidade conjuntural de freios anticíclicos para ajudar o BC a combater a inflação. Diante desses imperativos, o economista é de opinião de que a taxação proposta sobre os ricos deveria ser utilizada para melhorar o superávit primário, e não para a desoneração de IRPF até a faixa de renda mensal de R$ 5-7 mil.

Do ponto de vista da distribuição de renda, Pires e Borges apontam estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (MADE), da FEA-USP, em que o pacote total tem um efeito bastante pequeno de melhorar o índice de Gini. O impacto é mais significativo quando se toma como indicador a proporção entre a renda dos 50% mais pobres e 1% mais rico, mas, novamente, não é nada muito relevante.

Efeito macroeconômico - Borges fez ainda um exercício para estimar os efeitos macroeconômicos das mudanças propostas pelo governo no IRPF. As hipóteses adotadas – que estão alinhadas à pesquisa empírica nesse tema – é de que todo o alívio tributário nas rendas até R$ 5-7 mil será convertido em consumo, e que os muito ricos compensarão inteiramente sua perda reduzindo a poupança, de forma a manter o nível de consumo. Com essas suposições, Borges estima que, em 2026, a aprovação das mudanças do IRPF (ainda em 2025) causarão crescimento adicional do PIB de 0,33 ponto porcentual (pp), e 0,23pp a mais de inflação varejista.

Em termos políticos, os pesquisadores do IBRE observam que o pacote do IRPF mostrou ter grande apelo popular e se qualifica como talvez o principal carro-chefe do governo para as eleições de 2026. Há aprovação maciça tanto para a parte da desoneração como a de aumentar a cobrança dos muito ricos. Aliás, segundo pesquisa do Datafolha, a aprovação à primeira medida (70%) é algo menor do que a segunda, de 76%.

Uma curiosidade é que a aprovação da desoneração é maior nas rendas mais altas (que não se beneficiarão), com 79% entre os que ganham mais de dez salários mínimos e 83% nos que ganham entre cinco e dez salários mínimos. Já entre os que ganham até dois mínimos, a aprovação é de 65%; e de 75% para os que ganham de dois a cinco mínimos. Em suma, o grupo que deve se beneficiar da medida a aprova um pouco menos que aquele que não se beneficiará.

Também chama a atenção que, no grupo que ganha mais de dez salários mínimos (em que se situam aqueles que serão onerados pelo imposto sobre dividendos e pelo imposto mínimo), são 75% aqueles que aprovam as duas medidas, número muito próximo dos 77-78% que as aprovam entre aqueles que ganham até cinco salários mínimos.

Segundo Pires, apesar da elevada popularidade das medidas propostas de mudança no IRPF, o debate político no Congresso promete ser bastante intenso, já que o tema mexe com muitos interesses. O relator será o deputado Arthur Lira, presidente da Câmara nos últimos dois mandatos. É um político que conhece bastante o Congresso e tem boa relação com o governo, por ter sido presidente da Câmara quando a agenda do ministro Fernando Haddad teve um bom desempenho.

Pessoalmente, Pires crê que a discussão do IRPF deve se arrastar durante o ano de 2025. Ele chama atenção para duas facetas importantes do debate. Lira manifestou inicialmente o desejo de retomar a discussão da reforma do IR proposta em 2021 (PL 2337/2021), mas que parou no Senado.

Embora distinto, o pacote de 2021 tinha alguns pontos similares ao atual, como a volta da tributação de lucros e dividendos. O projeto de 2021, no entanto, era um pouco mais estruturante do ponto de vista das mudanças na tributação empresas, com redução de carga e fim do mecanismo de JCP (juros sobre o capital próprio). 

A tramitação em 2021, porém, foi muito complicada, com o substitutivo da Câmara ampliando as formas de planejamento tributário e mantendo a isenção da distribuição de lucros e dividendos das empresas do Simples cuja faixa de faturamento vai até R$ 4,8 milhões.

Pires assinala que, no debate de 2021, ficou muito clara a confusão entre tamanho da empresa e capacidade econômica do contribuinte. “A empresa pode ser pequena e o acionista ser milionário”, observa o economista, lembrando escritórios de advocacia e outros profissionais liberais que operam no regime do Simples. O risco de trazer de volta a proposta de 2021 é o de embutir de novo esse tipo de distorção do debate, o que sem dúvida será prejudicial para o projeto final a ser aprovado.

Uma segunda questão que pode entrar na tramitação do atual projeto é a chamada “emenda do PP”, apresentada pelo deputado Ciro Nogueira (PP-PI) aos meios de comunicação. A proposta não toca na parte da isenção até R$ 5-7 mil, algo que parece ter apoio unânime no Congresso. Mas Nogueira sugere ampliar a faixa de isenção do imposto mínimo de R$ 50 mil mensais para R$ 150 mil, ou R$ 1,8 milhão por ano. A cobrança se iniciaria em 4%, a partir dessa faixa, e cresceria até chegar a 15% para rendimentos anuais superiores a R$ 1 bilhão. Para compensar a perda de arrecadação com esse esquema de imposto mínimo, comparado ao proposto pelo governo, a “emenda do PP” recomenda a majoração em 5pp da CSLL sobre os bancos, que já é mais alta que o mesmo tributo das empresas não financeiras.

De acordo com os cálculos de Gobetti, a arrecadação do imposto mínimo proposto por Nogueira cairia para somente R$ 5 bilhões, 20% do ganho fiscal que a proposta do governo traria. O imposto mínimo sobre os milionários da “emenda do PP”, na verdade, diminui muito a progressividade do novo tributo e pegaria muito poucos contribuintes. Acima de R$ 750 milhões anuais, haveria apenas 13 pessoas, segundo o estudo do pesquisador.

Assim, a arrecadação do imposto ficaria altamente sujeita à eventual mudança de domicílio fiscal de pouquíssimos contribuintes. Se, por exemplo, os seis maiores contribuintes mudassem o domicílio fiscal para fora do Brasil, a perda anual seria de R$ 600 milhões, ou cerca de 15% da arrecadação potencial total do tributo. É, portanto, um modelo muito precário de imposto mínimo.

Já a eventual compensação, ainda que parcial, via aumento da CSLL dos bancos pode acarretar aumento do custo de crédito, afetando de forma particular os mais pobres. Ademais, a CSLL não é compartilhada com os Estados e municípios pela União, mas a desoneração do IRPF vai afetar todos os níveis da Federação. Assim, a proposta não compensa as perdas dos entes subnacionais e pode gerar um conflito federativo desnecessário num projeto em que esse complicador não precisa existir.

Um último ponto na discussão trazida por esta Carta é acrescentado por Samuel Pessôa: um estudo da Receita de setembro de 2023, replicando metodologia consagrada por órgãos de Receita em vários países, e que tenta avaliar o chamado “tax gap”. Trata-se da comparação entre o imposto potencialmente arrecadável e aquele que efetivamente entra nos cofres públicos. A Receita comparou, com esse enfoque, os três regimes de IRPJ: Simples, Lucro Presumido e Lucro Real.

O estudo do tax gap produzido pela Receita Federal estima que a perda potencial de arrecadação em relação ao que o imposto deveria gerar foi de R$ 314,3 bilhões no período 2015-19. O tax gap é decomposto em gap de arrecadação (valor cobrado e não pago), gap de reconhecimento (sonegação) e gap de política (valor não arrecadado em função do desenho do sistema). O gap de política é o tema tratado na reforma do IRPF proposta pelo governo, e responde por R$ 203,9 bilhões do total do tax gap, dos quais R$ 24,5 bilhões no Lucro Real, R$ 107,2 bilhões no Lucro Presumido e 72,1 bilhões no Simples.

Uma parte importante desse gap surge exatamente de um sistema de tributação de renda nas empresas mal calibrado, e que a proposta do governo tenta atenuar na consolidação dessa tributação na pessoa física. O resultado do estudo da Receita também indica que o tax gap do Simples é proporcionalmente muito maior do que o do Lucro Presumido, que por sua vez é muito maior que o do Lucro Real. Um claro sinal de que os regimes especiais de IRPJ no Brasil têm fortes distorções, que prejudicam a arrecadação e provavelmente não têm bons efeitos em termos distributivos.

Esta é a Carta do IBRE de maio de 2025, da Conjuntura Econômica.

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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